sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

MASSACRE DE WIRIYAMU


Estivemos à busca de elementos de juízo.

Apesar das dificuldades que surgiram (impostas umas, circunstanciais outras), de elaborarmos uma lista completa dos nomes das vitimas do massacre das povoações de Wiriyamu e Juwau , as fontes dos pormenores que conseguimos dão-nos o direito de continuarmos a manter a afirmação de ali ter havido mais quatro centenas de vitimas (cerca de 500).

Da nossa diligência pudemos apurar o seguinte:

Na tarde do dia 16 de Dezembro do ano findo, como já ficou dito na primeira parte deste nosso relatório, as povoações de Wiriyamu e Juwau foram viíimas de uma incursão militar, da parte das forças da ordem.
Depois do bombardeamento, os soldados-comandos, previamente heli-transportados que já haviam posto cerco às ditas povoações invadiram-nas com fúria, aumentando a terror dos seus habitantes já em pânico pelos bombardeios.

Uma vez dentro das povoações, esse grupo entregou-se imediatamente ao saque das palhotas, seguindo-se depois o massacre do povo, que se revestiu de excesso de crueldade.

Um grupo de soldados juntou uma parte do povo num pátio, para o fuzilamento. O povo assim reunido foi obrigado a pôr-se sentado em dois grupos: 0o grupo dos homens, num lado, e o das mulheres noutro, a fim de poderem todos ver melhor como iam caindo os fuzilados.

Um soldado chamava por sinal a quem quisesse (quer homem, quer mulher, quer criança). O designado punha-se de pé, destacava-se do conjunto, o soldado disparava sobre ele e a vítima caia fulminada.
Este foi o processo que fez mais vítimas.

Muitas crianças morreram ao colo das suas maes, fuzilada juntamente com elas. Entre muitos outros. os soldados assim mataram:

(Num total de 85, segue-se a lista das crianças, das mulheres, e dos homens assassinados).

«Muito bem»

Uma mulher chamada Vaina foi convidada a pôr-se de pé. Ela levantou-se com o seu filhinho Xanua, ao colo, uma criança de 9 meses. A mulher caíu varada por uma bala. A criança desenvicilhou-se e sentou-se ao lado da mãe morta. Chorava desesperadamente sem que ninguém lhe pudesse valer. Um soldado avançou para a fazer calar. – Que desilusão! – Sob o olhar atónito do povo reunido, o soldado agrediu a criança com um forte pontapé, esfacelando-lhe a cabeça, «Cala-te cão!» - concluiu ele. A criança prostrada já não chorou mais. Estava morta. Voltou o soldado com a bota ensanguentada. Os companheiros acolheram o feito com uma salva de palmas. «Muito bem!» - gritaram-lhe eles - «És um valentão». Foi o início de um futebol macabro. Os companheiros seguiram-lhe o exemplo. Assim como esta, morreram várias outras crianças cruelmente agredidas a pontapé pela soldadesca.
Acompanhavam os soldados alguns agentes da D.G.S., que também estavam a actuar na matança. Um deles de nome Chico Kachavi, que parecia ser o chefe do grupo, antes de matar, às vezes, começava por agredir as suas vítimas a murros, até prostrá-las exaustas. Então é que disparava o «tiro de graça» sobre os desgraçados.

(Segue-se uma lista de três homens).

Outros soldados, que andavam dispersos, obrigavam a gente a meter-se para dentro das palhotas, que depois incendiavam, morrendo a gente queimada dentro delas.
Às vezes, antes de pegar fogo às palhotas, lançavam para dentro delas granadas, que explodiam sobre as vitimas. Depois é que davam fogo às palhotas.
Dessa maneira, entre outros, foram mortos:

(Num total de 33 segue-se a lista das crianças, das mulheres, e dos homens assassinados, entre elas um rapaz de 2 meses.)


«Já o saberás»

Os soldados na sua divagação pelo povoado, encontraram uma mulher, de nome Zostina, que se achava grávida. Perguntaram-lhe pelo sexo do que levava dentro, «Não sei.» - respondeu ela. «Já o saberás» - disseram-lhe eles. Imediatamente, as facadas, abriram-lhe o ventre, extraindo-lhe violentamente as vísceras, e mostrando-lhe o feto, que se debatia convulsivamente, diziam:

«Vês? Já sabes agora?». Depois, mãe e filho foram consumidos pelas chamas.

Outros soldados divertiam-se a matar crianças, agarrando-as pelas pernas, arremessando-as contra o solo ou contra as árvores. Entre várias crianças, assim morreram:

(Num total de 10 crianças, entre 1 mês e 4 anos, segue-se a lista).

Muita gente foi conduzida e morta fora das povoações.

No dia seguinte encontravam-se no rio Nyamtawatawa muitos cadáveres de jovens adolescentes e de crianças dos 11 a 15 anos. Podiam-se contar às dezenas. Os corpos estavam mutilados e irreconhecíveis. Não era possível identificar os cadáveres. Vários deles estavam degolados.

E muitos outros com a cabeça destroçada. Estavam os corpos em diversas disposições: uns amontoados; outros deitados, uns ao lado uns dos outros; outros ainda sentados, mas enterrados até à cintura; a maior parte delas, porém jazia disseminada pelo rio.

Havia no local sinais de ter havido algum jogo macabro antes de as vítimas terem sido massacradas. – Teriam inventado algum jogo dos circos romanos? – Não há sobreviventes que nos possa eludicidar

«Ninguém mais gozará de vós»

Um grupo bastante numeroso de soldados arrastou quatro donzelas para um local escuso, onde foram cruelmente massacradas, depois de terem sido brutalmente violadas. «Ninguém mais gozará de vós» - diziam os soldados em tom de triunfo prenhe de ódio. Tiraram-lhe as «missangas» (adorno interior das mulheres em volta da cintura). Aqueles soldados levavam-nas como troféus, em torno do pescoço, à guisa de colares.

(seguem-se os nomes das raparigas massacradas).

«Chupa»

Chintheya, uma rapariga cde 4 anos, assustada, chora.

Um soldado, simulando compaixão, aproxima-se e, acariciando a criança, pergunta-lhe se está com fome. Sem, porém esperar resposta, continua: «Toma o biberão». E metendo à força o cano de uma arma de fogo pela boca da criança, diz: «Chupa?» E dispara. A criança cai com um rombo na nuca.

Não foi Chintheya a única vítima tratada assim; várias outras tiveram também a mesma sorte.

«Phani wense!»: «Matai-os a todos!»

Uma voz autoritaria fazia-se ouvir cam frequencia: "Phani wense!" "Matai-os a todos". "Que não fique nenhum!". Era a voz do agente da D.G.S., Chico Kachavi.

Diz uma testemunha que um oficial militar tinha sugerido a via da clemencia, no sentido de conduzir aquela pobre gente para um aldeamento. Mas a voz sinistra do agente Chico fez-se ouvir ainda com mais fúria: "São ordens do nosso chefe" -dizia –“ Matar a todos. Os que se poupam são os que nos têm denunciado".

Duas crianças daquelas povoações, encontradas casua1mente depois da consumação do massacre, foram friamente queimadas dentro de uma choça pelo mesmo agente da D.G.S. sob 0 pretexto de uma possível denúncia.

Naquela tarde, em Wiriyamu e Juwau só se ouviam os berros dos soldados, os disparos das armas e os gemidos das vitimas feridas de morte. – O povo de Wiriyamu e Juwau viveu momentos de terrível angustia!

Estas cenas duraram ate ao por-do-sol. Nessa altura a soldadesca estava já fatigada de tanta sevícia. Algumas vitimas lograram escapar da morte, fugindo. Elas deram-nos também, como testemunhas oculares muitos dos pormenores aqui expostos que, por ' isso, asseguramos ser autênticos.

Demais a Comissão da Delegação de Saúde de Tete, que se deslocou ao local de massacre cerca de vinte dias depois (muito tarde, por conseguinte!), para averiguação, não desmente nosso re1atorio.

Hoje as ruínas calcinadas das povoações de Wiriyamu, Juwau e Chawola e os esqueletos humanos que juncam o solo daquelas terras são testemunhos incontestáveis do drama sangrento que enlutou os povos de Mchenga e Nyamphangala.

Nem precisamos de dizer que as acções desumanas a que se entregaram aqueles soldados são actos de gemocídio, que merecem a repulsa de todo o homem de sã consciência.

Tete, 6 de Janeiro de 1973

Adrian Hastings em Wiriyamu, Edições Afrontamento, Porto Outubro de 1974

(Continua)

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