terça-feira, 3 de outubro de 2017

OLHAR AS CAPAS


Em Chinatown Com a Rosa

Jorge Listopad
Capa: Rogério Petinga sobre pormenor de gravura de Bruno Bruni
            (Rosa Luxemburgo no Congresso Socialista de 1907)
Gótica, Lisboa 2001

É sabido que Robinson Crusoé fez de Sexta-Feira sua mulher. Estava sozinho na ilha. Deus há-de perdoar-lhe.
E por fim, quando regressou à Inglaterra, do seu exílio forçado, quis manter o hábito. Ouviu então falar de um bar especializado. Foi lá mas não gostou, sobretudo do facto de jovens mancebos se adaptarem por alguns pence, aos desejos dos fregueses. Acabou de tomar o gim, deixou meia libra e saiu para a noite.
Decidiu, pois, dedicar-se ao estudo. Mas de quê? Das correntes de água? Durante largos anos a água tinha sido o seu elemento, mas preferia o conhaque. Da heráldica? Essa estudam-na os jovens lordes de Oxford e os snobs de Cambridge: era assunto que lhes dizia respeito. Da medicina? Primeiro tinha de aprender latim.
Chegou ao sítio onde as carruagens paravam. Em Hammersmith Road, onde os debochados alugavam coches pretos com junta preta e xabraque preto, para o passearem na Londres nocturna; dentro já estavam à espera prostitutas de véu preto, vestido preto, a manta preta, e por baixo delas as meias pretas, o corpo branco.
Antes de entrar num deste veículos de aluguer, parado ainda no estribo olhou para o mundo à sua volta: o ar estava perfumado. Tirou o chapéu e entrou. Ela olhava-o com os olhos imensos, até no escuro tinha olhos grandes, olhos atentos, maléficos.
Terminado o passeio de uma hora bateu na janelinha. Sem virar a cabeça, o cocheiro parou e Robinson saiu devagar, pagou o que estava combinado, deu alguns passos mas ainda voltou atrás: tinha-se esquecido da gorjeta. Depois, calmamente, a passo largo entrou no escuro.
Londres dormia no silêncio nocturno. Nem vivalma.
No coche foi encontrada a primeira e, com certeza, não a última vítima de Jack o Estripador, que não era outro senão Robinson Crusoé, pois em Inglaterra perdera o sentido à vida e sentia enorme saudade de uma outra ilha aonde já não podia voltar.

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