quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

REVISITAÇÃO DE POEMAS DE NATAL



Natal – 1950


Nenhum Natal será possível: sei

que tudo enfim suspenso aguarda

não já Natais sempre de guerra mas

a morte iluminada como aurora

entre esta gente que se junta rindo

e as luzes interiores, muitas cabeças juntas;

entre as lágrimas de ternura e os murmúrios de esperança,

entre as vozes e os silêncios, as pedras e as árvores,

entre muralhas de janelas sob a chuva,

entre agonias dos que lutam porque são mandados

e a cobarde angústia dos que apenas mandam,

no meio da vida, círculo de fogo,

à luz de que se vê uma calçada suja

de restos de comida e de papéis rasgados

– se sei, embora saiba, quanto soube:

ah canto do meu canto, olhar do meu olhar,

nenhum Natal, bem sei, mas outra gente,

e tanta gente, e mesmo que um só fosse,

já louco, envelhecido, apenas hábito,

que poderei fazer, senão humildemente cantar?

 

Jorge de Sena em Natal… Natais

 

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