sexta-feira, 23 de maio de 2025

REOLHARES


Cheguei um tanto ou quanto atrasado à leitura de Herberto Helder.

Desconhecia-o.

Mas fui coleccionando recortes dos suplementos literários, no tempo em que os jornais publicavam esses suplementos, quase todos às quintas-feiras.

Ao mesmo tempo fui comprando os seus livros que não foram lidos de imediato.

Tudo muda num repente, quando num suplemento literário do Diário Popular s/d leio Luna Levi perguntar, ao seu sábio irmão M.R., se já tinha lido o último livro de Herberto Helder que era o Photomaton & Vox.

E explica:

«Devorei-o de um fôlego, num acesso de bebedeira deslumbrada.»

Comprei hoje a Biografia de Herberto Helder – Se Eu Quisesse, Enlouquecia – 895 páginas escritas por João Pedro George e ocorreu-me aproveitar a rubrica REOLHARES para lembrar o que aqui se escreveu, a 24 de Março de 2015, sobre a morte de Herberto Helder.

Da Biografia falaremos um destes dias.

Corria o Natal de 1970 e eu encontrava-me na Livraria Portugal à procura de um livro para oferecer a mim mesmo.

Herberto Helder apenas o conhecia de nome, referido nos suplementos literários que, uma vez por semana, os jornais publicavam.

A capa colorida da 3ª edição de Os Passos em Volta de Herberto Helder, publicado pela Editorial Estampa, chamou-me a atenção.

Peguei-lhe e os olhos caíram logo nas palavras iniciais.

Gosto imenso de começos de livros. Nem todos ficam para a minha história.

Este ficou.

- Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade enorme de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio.

Herberto Helder morreu ontem.

Tinha 84 anos.

Fugia de holofotes, multidões, mediatismos.

Em 1994, foi-lhe atribuído o Prémio Pessoa pela sua obra que, segundo o júri, iluminava a língua portuguesa.

Uma pipa de massa para quem tinha uma reforma curta.

Mas Herberto Helder recusou a distinção.

António Alçada Baptista e Clara Ferreira Alves, em nome próprio e do Expresso, tentaram demovê-lo.

Conta o Alçada Baptista:

O Herberto estava na sala. Falou à Clara e depois a mim.

Eu disse, meio a brincar meio a sério:

 - Vimos numa difícil missão...

Ele, com toda a simplicidade dele, disse-me logo que não, calculando que era um prémio.

Não foi possível demovê-lo e sentimos que aquilo era tão fundo e tão importante para ele que não devíamos insistir. Ele disse:

- Vocês não digam a ninguém e dêem o prémio a outro...

- Não pode ser, o júri escolheu-te a ti, a decisão está tomada; respeitamos que digas que não...

Ele ainda acrescentou:

- Peço que sejam meus mandatários e digam ao júri que eu agradeço mas não posso aceitar.

Eu queria transmitir bem que não havia aqui nenhuma arrogância: a sua recusa não era contra ninguém. Era uma decisão do seu eu mais íntimo, que logo nos mereceu o maior respeito.

Eu só lhe disse: 

- Eu já gostava de ti e vi agora que é possível ainda gostar mais.

Em Julho do ano passado publicou o seu último livro.

O título diz tudo: Morte Sem Mestre.

Um escritor como Herberto não necessita de palavreado encomiástico.

Porque sempre o considerou inútil e perene de hipocrisia.

Não gostava de dar entrevistas, nem de se deixar fotografar.

Foi um Natal feliz aquele de 1970.

Gosto de poetas misteriosos.

Gosto de autores que não consigo entender.

Sempre passos em volta.

Em volta sabe-se lá de quê.

Maria Teresa Horta:

Quantas vezes me prendi eu nas malhas envolventes da poesia de Herberto Helder e senti medo de não ser capaz dos seus poemas.

Luna Levi sobre Photomaton e Vox:

Devorei-o de um fôlego, num acesso de bebedeira deslumbrada.

É suficiente.

O resto é pegar nos seus livros.

Alguns de há muito esgotados.

Mas, certamente, irão ser reeditados.

Não os percam!

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