Como será estar contente?
Lançar os olhos em
volta,
moderado e complacente,
e tratar toda a gente
sem tristeza nem
revolta?
Sentir-se um homem
feliz,
satisfeito com o que
sente,
com o que pensa e com o
que diz?
Como será estar
contente?
Deve haver alguma
mecânica,
qualquer retesada mola
que se solta e
desenrola
no próprio instante
preciso,
para que um homem de
carne,
de olhos pregados no
rosto,
possa olhar e rir com
gosto
sem estranhar o som do
riso.
Na minha tosca
engrenagem,
de ferrugenta sucata,
há qualquer mola de
lata
que não se distende
bem,
qualquer dessorada
glândula
ou nervo que não se
enfeixa,
qualquer coisa que não
deixa
deflagrar essa
girândola
de timbres que o riso
tem.
Não ter riso e não ter
casa,
nem dinheiro nem saúde,
não se conta por
virtude
que a miséria é ferro
em brasa.
Mas ter casa, ter
dinheiro,
ter saúde e não ter
riso,
flagelar-se o dia
inteiro
como se o sangrar
primeiro
fosse um tormento
preciso,
tê-lo sempre forte e
vivo,
espantado a todo o
momento,
isso sim, será motivo
de grande
contentamento.
António
Gedeão em Poesias Completas
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