quarta-feira, 31 de agosto de 2022

LINCOLN

Embora tenha por aqui algumas na minha estante à espera de serem defloradas (Churchill, Hitler, Estaline, Obama), a verdade é que nunca fui um grande leitor de biografias ou autobiografias de políticos. 

Se ainda assim tenho tantas não terá sido por as ter comprado, mas sim porque uma boa parte são daquelas que me vinham semanalmente parar às mãos, cortadas aos bocados, nos tempos em que ainda tinha paciência para comprar e ler o jornal Expresso, as quais fui acumulando e colocando despreocupadamente na prateleira, com a íntima convicção de que muito dificilmente viria a ter tempo e paciência para lhes pegar. A do Obama é uma exceção e está na lista das prioridades…

A minha formação académica em Sociologia também faz com que não me preocupe muito com as características de personalidade das figuras históricas e, muito menos, com grandes detalhes acerca da sua vida particular. Interessa-me, muito mais, conhecer, através delas, o tempo em que viveram, embora saiba muito bem que os Homens fazem o Tempo, e que o Tempo molda os Homens. 

Tomando por exemplo o mais velho dos irmãos Kennedy, pouco me interessaria saber com quantas atrizes de Hollywood andou ele enrolado, se o que se diz acerca da morte da Marilyn foi, ou não, uma realidade, ou se é verdade que na Casa Branca ele tinha uma salinha escondida sempre preparada para as suas escapadelas, como dá a entender o Tim Burton no seu “Marte Ataca”. Interessar-me-ia, isso sim, através da sua ação ficar a conhecer melhor como foram vividos do interior da Presidência esses tempos do climax da Guerra Fria que foi a “Crise dos Misseis”, da luta dos negros pelos seus Direitos Civis ou do combate à Mafia…

E depois, mesmo que de tempos a tempos me pudesse passar pela cabeça pegar nalguma dessas biografias esquartejadas, tenho a certeza que, de imediato, me saltaria o anjinho mau do Cinema a berrar-me aos ouvidos: Hitler…? Quando ainda não pegaste na autobiografia do William Castle, que já está nas tuas mãos há algum tempo…? Estaline…?? Quando ainda nem te deste ao trabalho de concluir o “Un Siècle de Cinema”, do Tay Garnett…? Churchill…???  Quando desejas tanto encontrar e ler “When in Disgrace”, a caríssima autobiografia de Budd Boeticher…?

E é claro que nestas pequenas guerras, o Cinema sai sempre a ganhar…

Felizmente que na altura ainda não era assim tão prendido a estas coisas do Cinema e que estes pequenos dramas opcionais não se colocavam, porque há uma biografia de um político que me lembro de ter lido muito cedo, em plena adolescência. É esta de Abraham Lincoln que aqui vos mostro, que foi escrita por Nina Brown Baker, que hoje sei ter sido uma escritora americana que se especializou em biografias destinadas a um público juvenil.

Tal como tive a preocupação de deixar registado, tratou-se de uma oferta do meu irmão José Carlos no Natal de 1967, tinha eu acabado de fazer 14 anos. Fora editada em Portugal pela Livraria Civilização, em 1965.

O livrinho era curto, as letras eram grandes e de quando a quando surgiam umas ilustrações adequadas, pelo que se lia muito bem, mesmo por alguém que, como era o meu caso, nessa idade estava longe de ser um leitor compulsivo (e ainda hoje o não sou…). 

Lembro-me que a li rapidamente e com prazer.

Recordo-me de me ter comovido com o precoce falecimento da mãe de Lincoln e sobretudo, com aquela cena em que, já Presidente, lhe querem dar uma boa notícia acerca da evolução da Guerra, mas ele não deseja ser interrompido porque está sentado há horas junto ao leito do seu filho mais novo, que viria a falecer poucos dias depois… Não hei-de eu, ainda hoje, gostar tanto de melodramas…!

E foi assim que eu, que na altura já estava em muito boa  idade de largar os heróis de fantasia da minha meninice (o Kit Carson, o Jim das Selvas, o Major Jaime Eduardo de Cook e Alvega, …) passei a ter mais um herói de carne e osso para colocar ao lado do Vitor Damas…

É claro que, mais tarde, vim a perceber que toda essa história da devoção do Norte pela libertação dos escravos sulistas tinha muito que se lhe dissesse e não obedecia, unicamente, a um ideal humanista, mas era, igualmente, um imperativo que um sistema capitalista em rápida ascensão tinha de alargar os seus tentáculos a toda uma extensa parte do país que se mantinha fechada como uma sociedade rural e, em muitos aspetos, até quase feudal. Libertando-se os escravos não só se obtinha uma nova mão-de-obra abundante, dócil e barata para alimentar as grandes indústrias emergentes no Norte dos Estados Unidos, como, igualmente, se poderiam alargar os negócios a toda uma enorme massa de novos consumidores que passaria a ter algum poder de compra, ainda que reduzido. 

Muitos anos mais tarde, no cinema, vi com prazer os filmes que tinham Lincoln como figura principal:  desde o de  Griffith, de 1931, até ao mais recente do Spielberg (2012), passando pelo “Abraham Lincoln in Illinois”, do John Cromwell (1940), e pelo melhor de todos eles, o “The Young Mister Lincoln” do John Ford (1939).

Com toda esta devoção “lincolneana”, não seriam umas míseras centenas de quilómetros que me iriam impedir de fazer o trajeto entre Nashville e Hodgenville, no Kentucky, que foi a terra onde Lincoln nasceu.

Em boa hora o fiz, porque foi bom ter abandonado a autoestrada e atravessado aquelas magnificas e solitárias estradas rurais que me fizeram sentir melhor o que é a América profunda. 

Mas façamos um pouco de História.

Os pais de Lincoln, Nancy e Thomas Lincoln, viviam numa pequena quintarola em Elizabethtown, no Kentucky, na companhia da primeira filha do casal, Sarah. A aproximação do nascimento de um segundo filho levou Thomas a procurar um novo terreno com melhores condições. 

Encontrou-o a uma vintena de quilómetros a Sul de Elizabethtown. Uma quinta de razoável dimensão (300 “acres”) que se chamava Sinking Spring, devido à existência de uma corrente de água subterrânea, que Thomas Lincoln comprou por 200 dólares. A quinta ficava perto do Moinho de Hodgen, que muitos anos mais parte viria a estar na origem do nome da pequena cidade de  Hodgenville.

Dois meses apôs a mudança, em 12 de Fevereiro de 1809, nasceria o nosso Abraham.

A vida em Sinking Spring corria de feição para a jovem Família Lincoln e o local onde viviam era paradisíaco. Plantaram milho, feijão, abóboras e tudo o mais que fosse necessário para providenciar a subsistência da família, e também dispunham de algumas cabeças de gado. Água para tudo isso não lhes faltava…

Para além disso, Nancy era tecelã e Thomas carpinteiro, pelo que não só faziam eles próprios a roupa e o mobiliário de que necessitassem, como também pequenos negócios na vizinhança.

Mas essa harmonia foi Sol de pouca dura…

Os terrenos que Thomas comprara não se encontravam devidamente legalizados e foram reclamados em Tribunal por um anterior proprietário. Viu-se, assim, envolvido num conflito judicial que se iria arrastar por muito tempo e o obrigaria a despender muito do pouco dinheiro que tinha.

Imaginando que o desfecho da Ação judicial não lhe seria favorável (como, na realidade, o não foi…), Thomas antecipou-se e a poucos quilómetros a Norte da quinta de Sinking Spring adquiriu um terreno mais modesto num local chamado Knob Creek, devido à proximidade de um riacho com o mesmo nome, e para lá mudou a família em 1811, teria Abraham pouco mais de 2 anos.

Foi nesse local, igualmente belo, que Lincoln viveu a sua meninice, mas apenas até cerca dos seus 8 anos de idade, porque um novo imbróglio judicial respeitante à compra deste terreno fez com que Thomas Lincoln decidisse levar a Família para o Indiana, onde já tinham também diversos parentes instalados. Desta vez Thomas iria ganhar, anos mais tarde, a sua disputa judicial, mas a Família não mais regressaria ao Kentucky. 

São estes dois lugares, Sinking Spring onde ele nasceu e Knob Creek onde viveu dos dois até perto dos oito anos, que hoje constituem o “Abraham Lincoln Birthplace National Historic Site”.  

Contada a História, será também interessante ver agora, para se compreender como é que estas coisas das negociatas funcionavam já nos Estados Unidos cerca de 130 anos atrás, a pequena história que está na origem da criação destes parques. 


Como se compreende, quando faleceu, em 15 de Abril de 1865, Lincoln estava longe de ser uma figura consensual nos Estados Unidos. Uns veneravam-no, outros odiavam-no…

Pouco tempo após a sua morte o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma medida que tinha em vista a preservação do local de nascimento de Lincoln, enquanto homenagem e memória futura.


Mas essa medida não provocou um entusiasmo generalizado e, sobretudo, nunca foram libertadas as quantias indispensáveis à sua concretização, pelo que o lugar ficou entregue à sua sorte durante as três décadas que se seguiram.

Em 1894, antecipando a possibilidade de fazer um bom negócio devido à proximidade do centenário de Lincoln, um empresário de Nova Iorque, de nome Andrew Dennett, comprou o terreno com o objetivo de lá construir um hotel e um parque temático. E, juntamente com o terreno, comprou também a cabana que se julgava ser aquela onde Lincoln tinha nascido.

Mas o negócio não correu tão bem como se esperava. O hotel nunca chegou a ser construído e Andrew Dennet optou por desmantelar a cabana e pô-la em exibição em diversas cidades dos Estados Unidos, com entrada paga, é claro. Terminada essa “tournée” os troncos de madeira que constituíam a cabana regressaram ao local original e aí ficaram armazenados.

À medida que os anos foram passando foi crescendo um interesse mais sério em organizar uma homenagem a Lincoln no seu centenário, se possível utilizando o local do seu nascimento para aí instalar um monumento comemorativo e, sob a égide do jornal semanário “Collier’s”  foi criada, em 1906, uma organização, “A Lincoln Farm Association”, cujo objetivo era o de angariar dinheiro junto de subscritores para a aquisição do terreno e para o projeto e construção do tal “Memorial”, como então se chamou ao monumento. Dessa Associação fizeram parte nomes ilustres, tais como o escritor Mark Twain e o próprio Presidente Theodore Roosevelt.


Parece que entre 1906 e 1909 a Associação logrou obter 400.000 dólares de 140.000 doadores. Para incentivar a participação das pessoas de menores posses, qualquer doação entre 25 cêntimos e 25 dólares daria direito a um certificado personalizado, e ainda hoje existe um “site” onde a lista das doadores e os respetivos certificados podem ser consultados.

No preciso dia do centenário, 12 de Fevereiro de 1909, a primeira pedra do monumento foi lançada pelo Presidente Theodore Roosevelt e dois anos depois, perante 3.000 convidados, o “Lincoln Memorial Building” foi oficialmente inaugurado pelo novo Presidente William Taft, também ele membro da “Associação”.

O resultado é este que aqui vos mostro em diversas fotografias: um edifício feito de mármore e granito com um pórtico de seis colunas estilo dórico, no cimo de uma escadaria de 56 degraus, um por cada ano de vida que Lincoln tinha à data da sua morte. Embora mais modesto, este monumento tem algumas semelhanças com aquele que viria a ser erguido em Washington, treze anos mais tarde.

 Encerrada no interior do edifício foi colocada a cabana de maneira, numa sala com dezasseis aberturas de janela, uma por cada um dos presidentes dos Estados Unidos existentes até Lincoln.

Uma atenção especial foi dada à nascente de água que deu origem ao nome da quinta (Sinking Spring) e que esteve na origem da decisão da compra do terreno por parte do pai de Lincoln e que se encontra localizada perto do início da escadaria.

Mas as curiosidades não se ficam por aqui…

A autenticidade da cabana de Lincoln, inicialmente aceite sem discussão, sempre suscitou muitas dúvidas aos verdadeiros especialistas. Em 1949 essas dúvidas foram publicamente manifestadas num artigo científico assinado por um tal Prof. Roy Hays, mas foi apenas em 2004 que estudos aprofundados à madeira puderam demonstrar que ela dataria dos anos 40 do Séc. XIX e que, portanto, nunca poderia ter sido a cabana onde Lincoln nascera em 1809…

Essa posição científica foi aceite sem discussão e por isso hoje se chama à dita cabana, que continua lá fechadinha no interior do edifício, já não a cabana onde Lincoln nasceu, mas sim a “simbólica cabana onde Lincoln nasceu” (Symbolic Birthplace Cabin).

Quanto a Koock Creek, o local onde Lincoln viveu dos 2 aos 8 anos, não foi alvo de um interesse nacional tão acentuado.

Essa quinta acabaria por ser comprada em 1928 por um casal, Chester e Hattie Howell Howard, no intuito de preservar a memória da infância de Lincoln. Colocaram lá uma cabana idêntica àquela onde Lincoln teria vivido e em 1932 abriram um bonito restaurante, “Lincoln Tavern”, uma vez que a afluência de visitantes já o justificava. A quinta manteve-se em poder da Família Howell até 2001, data em que foi vendida ao Estado de Kentucky, ficando, mais tarde, a fazer parte integrante do “Abraham Lincoln Birthplace National Historic Site”.

O local é muito bonito e deixo-vos fotografias disso tudo, incluindo do célebre riacho que, reza a história, quase ia causando a morte do jovem Lincoln, não fosse um amigo lhe ter lançado um tronco que o salvou. É da vida nesta quinta que Lincoln tem as suas primeiras memórias da infância, e terá sido aqui que o futuro Presidente foi pela primeira vez  confrontado com o mau trato infligido aos escravos que trabalhavam nas imediações. 

Quanto a Lincoln, já se sabe que a sua memória é evocada de tempos a tempos, quando mais  interessa…

Foi-o, por exemplo, nos tempos do New Deal de Franklyn Roosevelt, quando medidas de fundo foram lançadas para apoiar os mais desprotegidos da Sociedade, nomeadamente nos Estados do Sul.

Foi-o, de novo, durante a II Guerra Mundial, com esse grande apelo que então foi feito à união de todos os americanos em torno do esforço de guerra.

Foi-o também, e de que maneira, nos anos violentos da luta dos negros pelos seus Direitos Civis, e foi noutro Lincoln Memorial que terminou, em Agosto de 1963, a “Marcha sobre Washington”, tendo sido nessa mesma escadaria que Martin Luther King Jr, pronunciou o seu célebre discurso “I Have a Dream”.


E volta a evocar-se também nos dias de hoje, pelas piores razões, quando Trumps já governaram e novos Trumps estão à espreita para governar, não só na América como um pouco por todo o Mundo, fazendo com que muito boa gente se recorde do final do curto discurso de Gettysburg e dê por si a admitir que o tal governo do povo, pelo povo e para o povo possa vir mesmo a desaparecer, progressivamente, da face da terra. Se é que, na sua pureza, alguma vez chegou a existir em algum tempo e em algum lugar…

Quanto à pequena cidade de Hodgenville, quem passar por ela e não encontrar nenhum carro dos dias de hoje imaginar-se-á em plenos anos 50… Duas estátuas de Lincoln dominam a praça central, e depois à volta, como seria de esperar, é tudo Lincoln: o Banco, o Museu, o restaurante…

Despeço-me, por hoje, deixando-vos com a cena final de “Young Mister Lincoln”, um dos momentos altos da Arte de Ford, esse mesmo acerca do qual Eisenstein uma vez disse que de todos os filmes americanos existentes à sua época era aquele que mais gostaria de ter feito…

 

PS:

É óbvio que as informações mais detalhadas que aqui vos deixo não foram retiradas do livrinho da minha infância, mas sim deste “Abraham Lincoln: A Living Legacy” que também vos mostro e que constitui o Guia dos diversos “Abraham Lincoln National Park Sites”, já que, para além deste, existem mais dois em Indiana e no Illinois.

Colaboração de Luís Miguel Mira

OLHAR AS CAPAS


O Fruto da Gramática

Nuno Júdice

Capa: Maria Manuel Lacerda

Publicações Dom Quixote, Lisboa, Setembro de 2014


Os gatos que gostam de poesia metem-se

nos cantos da casa, escondem-se debaixo das mesas,

aninham-se no travesseiro daquele quarto,

ao fundo, onde há muito ninguém dorme. Vejo-os,

no verão, no parapeito da janela que dá para

a rua, ao sol, e os olhos quase não se abrem

com a luz que os fere. Esses gatos são gordos

como as grandes estrofes dos poemas clássicos,

e os seus bigodes, finos como um verso de sonora

aliteração, têm um brilho dourado quando

a sua língua os lambe e os deixa húmidos

de encontro ao vidro. Quando os chamo, não

vêm ter comigo; e se passo a mão pelo seu

dorso assanham-se com a sensação

de que o tempo lhes pertence. Assim, quando leio

os poemas em que se passa de um verso a outro

com a mesma delicadeza com que eles se movem,

sem ruído nem sombra, compreendo o seu

gosto pela poesia, e deixo-os dormir, ao sol,

com os olhos abertos para o sonho, para

os cantos da casa, e para as marcas de outrora

no travesseiro que agora lhes pertence.

terça-feira, 30 de agosto de 2022

REGRESSO

Raríssimo seria o dia em que a censura não esquartejava a crítica de televisão que Mário Castrim publicava no Diário de Lisboa. 

Acabou por chegar o dia em que Marcelo Caetano o mandou silenciar.

Proveniente de todos os quadrantes, levantou-se um vendaval de protestos.

 Outra coisa não restou às múmias ditatoriais, senão aceitarem o regresso de Mário Castrim.

 Quando esse dia chegou, Castrim abriu com um lindíssimo texto.

 Foi assim:

 «Regresso. Comovido, como quem regressa ao país da sua infância. Ficou para trás a calma, o sono reencontrado, o silêncio por toda a casa. Ficou para trás a visita de amigos, a frescura da noite, o deambular descuidado. Ficou para trás o ser “como toda a gente”. E no entanto, este regresso, na sua felicidade perdida, tem o sabor de uma felicidade reencontrada. Vou de porta em porta apertando as mãos que se estendem, forte de uma grande família. Vou crucificar os olhos no fulgor violento do televisor. Vou, pelo túnel da noite, em perseguição das palavras úteis, ou necessárias, ou simplesmente possíveis. Difíceis sempre, arrancadas da carne a grande profundidade da pele. Palavras que seriam de amizade, a selar a presença vivida, revivida, de tantos rostos desconhecidos e atentos. Palavras de quem, regressando ao frio da noite, regressa também, a morosamente, ao país da sua infância, ao país do seu país.»

 Mário Castrim começou a fazer crítica de televisão, no Diário de Lisboa, em 14 de Maio de 1965.

 Nos tempos da ditadura, a malta encontrava-se nos cafés e quando algum chegava, as palavras pouco variavam:«Já leste o Castrim?»

 Quase quarenta anos a fazer crítica de televisão.

 Em 1990, Fernando Assis Pacheco calculou que Mário Castrim já passara 17 mil horas frente ao televisor. Em Outubro de 2002, tempo da sua morte, as contas foram calculadas em 70 mil horas.

 Em vez de contar histórias para distrair camelos, regresso ao Cais com as palavras e a lembrança do Mário Castrim.

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

NOVO AVISO À NAVEGAÇÃO

A nossa ignorância em relação a estas coisas e coisinhas da informática, dos computadores, é enorme.

O que se pensava ser uma coisa simples de resolver, revelou-se algo de dificuldades acrescidas.

Entretanto quem nos ajuda nestas «coisas e coisinhas», teve que ir de férias com a família e sem qualquer possibilidade de concluir o trabalho de recuperação, e tudo isto ficou coxo.

Voltaremos tão breve quanto possível.

As nossas desculpas.

domingo, 7 de agosto de 2022

AVISO À NAVEGAÇÃO

Por o blogue necessitar de ligeira intervenção técnica, voltaremos na próxima quinta-feira.

Os nossos pedidos de desculpa.

Obrigado.

sábado, 6 de agosto de 2022

QUANDO VOLTAR DE FÉRIAS...

«Daqui a um mês, quando voltar de férias, poderei estar a escrever sobre a Terceira Guerra Mundial. Daqui a um mês, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão, Europa da NATO e outros satélites poderão estar a combater, simultaneamente, a Rússia, a China e respetivos aliados. Daqui a um mês, o maior potencial destruidor do planeta Terra pode estar a ser utilizado, em frenesim, num combate descontrolado entre todas as potências militares do mundo.

É este medo que a visita de Nancy Pelosi a Taiwan me coloca.

O sinal que dá esta viagem da presidente da Câmara dos Representantes dos EUA a um território autónomo que a China reivindica como seu (e a ONU concorda) é terrível: depois das autoridades chinesas (em nome de três posições anteriores de reconhecimento da soberania chinesa sobre Taiwan, assinadas pelos líderes dos dois países) terem exigido que essa viagem não acontecesse, depois de tudo o que se passou e se passa na Ucrânia, que conclusão poderemos tirar?...

A resposta parece óbvia: é mesmo do interesse da maior potência do mundo encontrar uma desculpa para lançar a guerra generalizada no planeta, talvez convencida de que essa é a única maneira de manter a sua hegemonia.

A análise da liderança norte-americana, no seu egoísmo nacionalista (semelhante aos egoísmos imperialistas que levaram à I Guerra Mundial), pode até estar certa, mas a sua possível consequência custará milhões de vidas, uma destruição enorme, uma miséria descomunal e o fim da liberdade nas democracias - já declaradamente limitada desde que começou a guerra na Ucrânia.

Não é aceitável.»

Pedro Tadeu no Diário de Notícias

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

ANA LUÍSA AMARAL (1956-2022)


 Morreu Ana LuísaAmaral.


QUE SE ABRAM OS MEUS OLHOS

Que se abram os meus olhos

olhos, devagar

(fechados tanto

tempo, tantas noites

de frio)


Que rebentem em folhas,

devagar: uma

explosão de luz

onde a paz doa,

uma pequena lágrima

renasça


(Toca-me os olhos

devagar

até que o frio me

aqueça)

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

DEMORAS TOLAS COM ENFERMEIRAS E MÉDICOS

«A voz de Laura Welman tornou-se subitamente aguda:

-Com que então é isso que Gerrard te anda a meter na cabeça? Não dês ouvidos ao teu pai, Mary. Nunca viveste nem viverás à minha custa! Peço-te que fiques cá um pouco mais somente por minha causa. Isto acabará em breve… Se as coisas acontecessem como devia ser, a minha vida terminava neste momento, e não haveria nada destas demoras tolas com enfermeiras e médicos.

- Não é bem assim, srª Welman. O dr. Lord diz que pode ainda viver muitos anos.

- Obrigada, mas não o desejo! Disse-lhe outro dia que num país devidamente civilizado, o que havia a fazer era eu declara-lhe categoricamente que queria terminar com isto e ele liquidava-me sem dor com qualquer droga apropriada. E disse-lhe mais: Se o doutor tivesse coragem, fazia-o!

- E que disse ele?

- O descarado limitou-se a rir de mim, filha, e disse que não estava para se arriscar a ser enforcado. E acrescentou ainda: «Se me deixasse o seu dinheiro, era um caso diferente, é claro!» Ora vejam o impertinente! Mas eu gosto dele. As suas visitas fazem-me melhor do que os remédios que me receita.»

Agatha Christie em Poirot Salva o Criminoso

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

AVANTE P'LO BENFICA!


Há alguns anos, Mário Castrim, numa das suas críticas de televisão no Diário de Lisboa, deixou escrito:

«Quem já leu Jack London, fecha os olhos quando entram os cãezinhos do circo.»

Nunca apreciei o espectáculo que o meu clube, antes do começo dos jogos, oferece aos espectadores com o voo da águia vitória.

Também não concordo com o «speaker» do estádio quando informa que vais ser cantado o hino do Sport Lisboa e Benfica.

O que eles põem a tocar é «Ser Benfiquista», uma cançoneta do Luís Piçarra, nunca o hino do clube.

A leviandade, a ignorância têm destas coisas lamentáveis.

Por isso retardo sempre a entrada no estádio para não ter que ver e ouvir disparates.

A águia é uma ave nobre que não pode estar sujeita a cenas circenses de péssimo gosto.

Sobre isso uma organização inglesa, que se dedica aos direitos dos animais, revelou ter enviado uma carta ao Benfica a pedir que retire a águia dos jogos do clube, e acrecentam:

«O lugar das águias não é em eventos desportivos. Na natureza, estas aves magníficas percorrem vastos territórios, passam a maior oparte do seu tempo acima das árvores, voam livremente e caçam em espaços amplos.»

Tenho a quase certeza que estas palavras caíram em cesto roto.

Quanto ao hino do Sport Lisboa e Benfica, volto a contar :

Este é o verdadeiro Hino do Sport Lisboa e Benfica cantado pelo Orfeão do Glorioso.

Quando sentado na catedral, ouve o speaker do Estádio, com uma histeria de levantar fantasmas a dizer e agora, cachecóis ao alto, a uma só voz, cantemos o hino do Sport Lisboa e Benfica, fica todo pele de galinha.

O que se ouve é Luís Piçarra a cantar o Ser Benfiquista que, segundo António Vilarigues, no seu blogue O Castendo, é uma cançoneta apresentada a 16 de Abril de 1953, num sarau, no Pavilhão dos Desportos, para angariação de fundos destinados à construção do Estádio, com letra e música de Paulino Gomes Júnior, um confesso salazarista.

Abra-se um parêntesis para dizer que Luís Piçarra, um ferrenho benfiquista,  foi pessimamente tratado, nos últimos anos de uma vida muito difícil, por sucessivas direcções do clube.

Diga-se que  o Hino do Sport Lisboa e Benfica dá pelo nome de Avante, Avante p’lo Benfica, data de 1929, tempo do 25º aniversário do clube, tem letra de Felix Bermudes, um democrata e um homem da Cultura, e música de Alves Coelho.

É esta a letra do hino:

Do velho Clube Campeão,
Que um nobre esforço imortaliza,
Em gloriosa tradição.

Olhando altivo o seu passado,

Pode ter fé no seu futuro.
Pois conservou imaculado
Um ideal sincero e puro.

Avante, avante p'lo Benfica,

Que uma aura triunfante Glorifica!
E vós, ó rapazes, com fogo sagrado,
Honrai agora os ases
Que nos honraram o passado!

Olhemos fitos essa Águia altiva,

Essa Águia heráldica e suprema,
Padrão da raça ardente e viva,
Erguendo ao alto o nosso emblema!

Com sacrifício e devoção

Com decisão serena e calma,
Dêmos-lhe o nosso coração!
Dêmos-lhe a fé, a alma!

Claro que este Avante, Avante p’lo Benfica fazia comichões ao ditador Salazar que acabou por ordenar que o hino deixasse de ser cantado.

Ordens expressas foram, mais tarde, dadas à Censura para que os jornalistas não designassem os jogadores do clube por «vermelhos» mas sim por «encarnados.»


terça-feira, 2 de agosto de 2022

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?

Será este o primeiro Agosto sem o Jorge Silva Melo.

Tempo para recordar o que aqui se escreveu sobre o filme em que ele andou às voltas com Pavese:


Um atento leitor de Cesare Pavese sabe que A Praia será o menos político dos romances de Pavese.

A observação deixou-a, também, Pedro Mexia, no Expresso, quando em 2011 a Ulisseia reeditou A Praia.

Pavese resume A Praia como um relato da amizade de dois rapazes que uma mulher, casada com um deles, ao mesmo tempo une e separa.

Aparentemente nada acontece.

Quando o tempo de Verão era outro, tão lento, no devagar depressa dos tempo, para citar Guimarães Rosa: bebidas, bailes, jogos na praia, paixões de Verão, que as mães diziam que ficavam enterrados na areia, pores-de-sol, ambientes, sensações, estados de espírito, melancolias, situações de que a maior parte não se conseguem entender mas que gostamos de olhar e sentir, as aparências que revelam mais do que iludem, o carácter efémero das coisas, nostalgias de tempos perdidos, ele, Jorge Silva Melo que, naquele tempo, quando andava a ler romances arrepende-se de não ter dançado o twist e andar de carro descapotável.

No Verão todos os pecados se confundem.

Rilke dizia que só o Verão vale a pena, ou Ruy Belo, mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar caminha para o mar pelo Verão.

Jorge Silva Melo lê A Praia em 1965 e, ficou a moer por dentro que a novela poderia dar um filme.

«Sempre li Pavese com os meus “jeans”, uma camisa aos quadrados vermelha e os cigarros Porto que então fumava , entre os postais que regularmente punha no correio.»

Dessas leituras, dessas melancolias, em 1987, Jorge Silva Melo fez um filme e chamou-lhe Agosto.

 La Spiaggia, de Cesare Pavese, cuja acção se passa nos 40, na Itália do pós-guerra, e aborda a ascensão da burguesia intelectual depois de alguns anos de recuperação económica. O meu filme fala do momento em que li a novela: é mais uma adaptação da leitura que fiz em 1965. Agosto é, se calhar, o filme que gostava de ter feito quando ainda não podia fazer cinema. E um filme que me faltou; é, talvez, o filme que gostava que a geração de João Bénard da Costa tivesse feito quando se encontravam na Arrábida.

Mas esse tal João Bénard da Costa percebe o recado, e de Agosto dirá: os anos 60 da Arrábida, que Jorge Silva melo imortalizou no seu belíssimo Agosto, ainda lhe revelaram coisas, a ele, que mais nenhum sítio de Portugal lhe podia revelar.

De novo, Jorge Silva Melo a falar de Agosto:

É um filme que tem saudades de um tipo de cinema que existia e era exibido em Lisboa.Um cinema que eu vi no Condes com salas cheias, que os meus pais viram, que as pessoas normais iam ver. Isto é, o cinema dos amores na praia. Esse género de filmes nunca foi feito em Portugal e este meu tem saudades desses filmes do tempo em que sonhávamos com as raparigas de «Vespa» na praia.

O meu filme fala do momento em que li a novela; è mais uma adaptação da leitura que fiz em 1965. Agosto é, se calhar, o filme que gostaria de ter feito quando ainda não podia fazer cinema porque foi um livro que mais me marcou depois de O Estrangeiro do Camus.

Todos pensamos que aquela prosa impessoal e tão tocante foi escrita apenas para cada um de nós, que foi um sussurro que nos chegou de Itália, um segredo que nos contaram, que foi realmente só para nós.

A minha primeira leitura de A Praia foi encantadora, apressada como sempre são as minhas primeiras leituras de alguns livros, a que depois tenho, naturalmente, de voltar.

E volto até que os olhos me doam.

Gosto do filme do Jorge Silva Melo.

Gostaria de vos dizer o porquê, mas faltam-me unhas...

É em A Praia  que Pavese deixa escrita a frase que pelos tempos fora tem sido repetida, e sempre continuará a ser, e que vem na pág. 154 da minha velhinha edição de bolso da Portugália Editora:

Começava a compreender que nada é mais inabitável do que um lugar onde se foi feliz.

Se fosse vivo, Cesare Pavese faria hoje 106 anos.

 E tão cedo que ele nos deixou, quando apenas tinha 42 anos, e com tanto ainda para nos dar.

Em O Diabo Sobre as Colinas escreve que da sua infância só lhe ficara o Verão, e num daqueles muitos seus dias depressivos e tristes, escreveu: basta-me a companhia do mar. Não quero ninguém. Na vida não tenho nada de meu. Deixem-me ao menos o mar.

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

AGOSTO


 Já nem o Agosto é como antigamente!...

Colaboração de Aida Santos