terça-feira, 2 de agosto de 2022

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?

Será este o primeiro Agosto sem o Jorge Silva Melo.

Tempo para recordar o que aqui se escreveu sobre o filme em que ele andou às voltas com Pavese:


Um atento leitor de Cesare Pavese sabe que A Praia será o menos político dos romances de Pavese.

A observação deixou-a, também, Pedro Mexia, no Expresso, quando em 2011 a Ulisseia reeditou A Praia.

Pavese resume A Praia como um relato da amizade de dois rapazes que uma mulher, casada com um deles, ao mesmo tempo une e separa.

Aparentemente nada acontece.

Quando o tempo de Verão era outro, tão lento, no devagar depressa dos tempo, para citar Guimarães Rosa: bebidas, bailes, jogos na praia, paixões de Verão, que as mães diziam que ficavam enterrados na areia, pores-de-sol, ambientes, sensações, estados de espírito, melancolias, situações de que a maior parte não se conseguem entender mas que gostamos de olhar e sentir, as aparências que revelam mais do que iludem, o carácter efémero das coisas, nostalgias de tempos perdidos, ele, Jorge Silva Melo que, naquele tempo, quando andava a ler romances arrepende-se de não ter dançado o twist e andar de carro descapotável.

No Verão todos os pecados se confundem.

Rilke dizia que só o Verão vale a pena, ou Ruy Belo, mesmo que não conheças nem o mês nem o lugar caminha para o mar pelo Verão.

Jorge Silva Melo lê A Praia em 1965 e, ficou a moer por dentro que a novela poderia dar um filme.

«Sempre li Pavese com os meus “jeans”, uma camisa aos quadrados vermelha e os cigarros Porto que então fumava , entre os postais que regularmente punha no correio.»

Dessas leituras, dessas melancolias, em 1987, Jorge Silva Melo fez um filme e chamou-lhe Agosto.

 La Spiaggia, de Cesare Pavese, cuja acção se passa nos 40, na Itália do pós-guerra, e aborda a ascensão da burguesia intelectual depois de alguns anos de recuperação económica. O meu filme fala do momento em que li a novela: é mais uma adaptação da leitura que fiz em 1965. Agosto é, se calhar, o filme que gostava de ter feito quando ainda não podia fazer cinema. E um filme que me faltou; é, talvez, o filme que gostava que a geração de João Bénard da Costa tivesse feito quando se encontravam na Arrábida.

Mas esse tal João Bénard da Costa percebe o recado, e de Agosto dirá: os anos 60 da Arrábida, que Jorge Silva melo imortalizou no seu belíssimo Agosto, ainda lhe revelaram coisas, a ele, que mais nenhum sítio de Portugal lhe podia revelar.

De novo, Jorge Silva Melo a falar de Agosto:

É um filme que tem saudades de um tipo de cinema que existia e era exibido em Lisboa.Um cinema que eu vi no Condes com salas cheias, que os meus pais viram, que as pessoas normais iam ver. Isto é, o cinema dos amores na praia. Esse género de filmes nunca foi feito em Portugal e este meu tem saudades desses filmes do tempo em que sonhávamos com as raparigas de «Vespa» na praia.

O meu filme fala do momento em que li a novela; è mais uma adaptação da leitura que fiz em 1965. Agosto é, se calhar, o filme que gostaria de ter feito quando ainda não podia fazer cinema porque foi um livro que mais me marcou depois de O Estrangeiro do Camus.

Todos pensamos que aquela prosa impessoal e tão tocante foi escrita apenas para cada um de nós, que foi um sussurro que nos chegou de Itália, um segredo que nos contaram, que foi realmente só para nós.

A minha primeira leitura de A Praia foi encantadora, apressada como sempre são as minhas primeiras leituras de alguns livros, a que depois tenho, naturalmente, de voltar.

E volto até que os olhos me doam.

Gosto do filme do Jorge Silva Melo.

Gostaria de vos dizer o porquê, mas faltam-me unhas...

É em A Praia  que Pavese deixa escrita a frase que pelos tempos fora tem sido repetida, e sempre continuará a ser, e que vem na pág. 154 da minha velhinha edição de bolso da Portugália Editora:

Começava a compreender que nada é mais inabitável do que um lugar onde se foi feliz.

Se fosse vivo, Cesare Pavese faria hoje 106 anos.

 E tão cedo que ele nos deixou, quando apenas tinha 42 anos, e com tanto ainda para nos dar.

Em O Diabo Sobre as Colinas escreve que da sua infância só lhe ficara o Verão, e num daqueles muitos seus dias depressivos e tristes, escreveu: basta-me a companhia do mar. Não quero ninguém. Na vida não tenho nada de meu. Deixem-me ao menos o mar.

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