domingo, 30 de setembro de 2018

POSTAIS SEM SELO



Quando morrer, morrerei satisfeito. Tive mais do que sonhei.

Jean-Paul Sartre

Legenda: Jean-Paul Sartre e Simone Beauvoir

ATENDE O MEU LAMENTO


Da minha inquietação
em voz alta te falo
e se me falta o ânimo
se me vejo de tudo abandonado
eu to digo
em voz alta.

Tu és quanto me cabe neste mundo

Em voz alta te digo
atende o meu lamento.

Mário Castrim em Do Livro dos Salmos

OLHAR AS CAPAS


Manhã Submersa

Vergílio Ferreira
Colecção Livros de Bolso Europa América nº 21
Publicações Europa-América, Lisboa, Dezembro de 1971

Na realidade, eu não tinha um projecto para a vida. Não sabia se seria padre, não sabia se viria a sair do Seminário. Havia mesmo agora em mim um confuso novelo de sensações atravessadas de sonhos, de breves sobressaltos. Era a aldeia distante, o peso volumoso das horas, a súbita e incrível lembrança sem razão dos seios da Carolina ou da face branca da Mariazinha. Repentinamente, acontecia-me acordar no meio da noite com a boca amarga, um calor húmido na concha das minhas mãos, um terror esgazeado de asco e de avidez. Outras vezes, a meio do estudo, subia-me devagar pelo ventre, como uma mão, uma onda tépida e inesperada. Eu ficava perturbado, trémulo de desassossego, ou caído profundamente para uma larga cisterna muda. Então cerrava lentamente os meus olhos e aceitava, sem um gesto de defesa, que me pudessem matar.

PARA ONDE O VENTO ME LEVAR


Para os navegantes que param na Horta é norma deixar no paredão do molhe um desenho, um nome, uma data, É um muro com uns cem metros de comprimento, onde se sobrepõem desenhos de barcos, cores de bandeiras, números, frases. Refiro uma entre muitas: Nat, de Brisbana. Vou para onde o vento me levar.

Antonio Tabucchi em Mulher de Porto Pim

sábado, 29 de setembro de 2018

POSTAIS SEM SELO



Não sou condescendente com os mais velhos e detesto a ideia da condescendência! Os mais velhos são para mim sinónimo de mais vida vivida, de mais sabedoria e merecedores de atenção e respeito. E tenho a certeza de que seríamos uma sociedade mais rica se aos mais velhos fosse dado mais valor.

Manuela Azevedo. Vocalista dos Clã

ETECETERA


Os portugueses apostam 14 milhões de euros por dia.

Os primeiros seis meses deste ano mostram que nunca se apostou tanto em Portugal.
Totobola, Euromilhões, Totoloto estão a perder terreno nas escolhas.

As Raspadinhas e Placard são os jogos mais escolhidos.

Um dos prémios mais altos que alguma vez ficaram por reclamar foi um prémio de Joker, de sete milhões. A Santa Casa chegou a publicar anúncios, mas o vencedor nunca apareceu.

Os prémios não reclamados revertem a favor do Fundo Rainha Dona Leonor de reabilitação das Misericórdias.

PGR

A direita em Portugal tomou como dores muito suas a permanência de Joana Marques Vidal na Procuradoria-Geral da República.

A histeria foi muita e as razões soavam pífias.

No princípio do ano a Ministra da Justiça adiantou um passo ao dizer que o governo entendia que o mandato de PGR deveria ser de apenas um mandato.

Por proposta do Governo e promulgação pelo Presidente da República, a escolha para Procurados Geral da República recaiu em Lucília Gago.
           
Choveram provocações e insultos, chegaram a falar de perseguição e saneamento.

Até Cavaco Silva deixou o recato do lar, o estilo múmia, para nos vir dizer:
«Sou levado a pensar que esta decisão política de não recondução de Joana Marques Vidal é talvez a mais estranha tomada no mandato do governo que geralmente é reconhecido como geringonça.»

Marcelo Rebelo de Sousa não deixou cair a observação de Cavaco:

«Todos sabemos que quem nomeia as procuradoras-gerais da República são os Presidentes, não são os governos. Portanto, a nomeação da procuradora-geral da República foi minha e de mais ninguém.»

Os jornalistas insistiram e voltaram a lembrar o que disse Cavaco Silva.

Ainda Marcelo:

«O que me está a dizer é que o presidente Cavaco Silva, no fundo, disse que era a mais estranha decisão do meu mandato. Perante isso, tenho sempre o mesmo comportamento: entendo que, desde que exerço estas funções, não devo comentar nem ex-Presidentes, nem amanhã quando o deixar de o ser, futuros presidentes, por uma questão de cortesia e de sentido de Estado, e não me vou afastar dessa orientação.»


TAP



O título pertence à 1ª página do Público de 23 de Setembro.

Em determinado tempo, os nossos governantes «concluíram» que em Portugal não havia ninguém que percebesse de aviões e foram buscar ao Brasil a excelência de um tal Fernando Pinto.

Esteve no cargo de presidente da TAP vários anos com ordenados e mordomias de excepção.

Tanto quanto agora foi tornado público, o homem permitiu que fossem gastos 500 milhões de euros num estranho negócio com a Vem-Varig Engenharia e Manutenção e, tanto quanto se diz pelos corredores, foi fazendo caminho para que a TAP fosse vendida ao seu amigo Efromovich.

Ficamos a aguardar as cenas dos próximos capítulos.

ASSIM COMO A GUERRA DO SOLNADO

Vasco Lourenço desde o início afirmou que o roubo das armas em Tancos, ocorrido em Julho do ano passado, era uma história muito mal contada.

Chegou a falar-se que a pátria estava em perigo, que a NATO nos iria retirar confiança política e militar.

Soube-se agora, que as armas, depois de roubadas, ficaram numa propriedade da avó do principal autor do roubo. Tentou vendê-las mas não apareceram compradores. Entalado que começou a estar, congeminou, com «colaboração» de «gnrs» e outras tropas, a manobra de diversão em que, por artes mágicas, as armas apareceram numa quinta na Chamusca.

Ninguém sai bem desta história rocambolesca: militares, polícias e assim como assim, o próprio governo.

Já há detidos e segue-se agora o tempo da Justiça.

Lento, muito lento, como sabemos que esse tempo é.

Muita água continuará a passar por debaixo das pontes.

ASSIM VAI O PSD

Marques Mendes, o catequista dominical da SIC, aconselhou Rui Rio:

«Tem, de ser mais humilde, menos convencido, menos arrogante.»

Entretanto Santana Lopes continua por aí à espera que o Tribunal Constitucional dê luz verde à sua Aliança.

A FECHAR

Os portugueses são os europeus que mais pagam pela energia eléctrica.

Investigue-se!

AGRAVOS À MORAL


19 de Fevereiro de 1970

Está marcado para breve o julgamento dos organizadores e editores da Antologia Poética, a Natália Correia e um tal Melo, baixinho de pêra pendurada que dá pela alcunha de Idiotovich por usar um solene gorro de peles à russa.
O julgamento vem em péssima altura porque o nosso medievo Ministro do Interior publicou, há dois ou três dias, uma nota em que incita os cidadãos a denunciarem às autoridades puritanas do reino todos os agravos que considerem pornográficos e atentórios da moral pública e privada.
Também as Censuras Cinematográfica e Teatral voltaram, por ordem dele, à severa faina anterior de cortar a torto e a direito o torto e o direito.
Entretanto, a farsa da liberalização continua a fingir-se nos jornais e nos discursos transmitidos pela Emissora.

José Gomes Ferreira em Dias Comuns Volume IX

AS FOLHAS DA CINEMATECA


Tal como refere a programação, será hoje que começarão a ser publicados os escritos de João Bénard da Costa para a Cinemateca:

29/09/2018, 21H30 | SALA M. FÉLIX RIBEIRO
ESCRITOS SOBRE CINEMA DE JOÃO BÉNARD DA COSTA
U SAMOGO SINEVO MORIA
“À BEIRA DO MAR AZUL”
de Boris Barnet
com Elena Kuzmina, Lev Sverdlin, Nicolai Kriuchkov
URSS, 1933 - 71 min
legendado em português | M/12
Este filme é, como a generalidade da obra de Boris Barnet, um melodrama aparentemente "leve", de um lirismo magistral: dois jovens pescadores de um kholkoze apaixonam-se pela mesma rapariga, tornando-se rivais até um desconcertante final. Uma sequência imortal: a "ressurreição" da protagonista. Um autor a descobrir e a festejar. “Lembras-te quando ela, espantadíssima, pergunta ‘quem morreu?’ e a resposta é a mais bela dança que vi em cinema, incluindo a do SINGIN’ IN THE RAIN? Nunca, talvez, o cinema tenha estado tão perto de nos fazer tocar na alegria como ‘dom de Deus (…) que traz em si um caráter eterno que passa através do sofrimento’ (Sophia de Mello Breyner). E nunca, a não ser em ORDET de Dreyer, o triunfo de um corpo ‘ressuscitado’ foi tão físico e tão anímico, tão carne e tão espírito (João Bénard da Costa). A anteceder o filme, é mostrada a sua apresentação por João Bénard da Costa para o programa da RTP “No Meu Cinema”.»



E assim acontecem as Folhas da Cinemateca:

«Eis, finalmente, o princípio do fim da aventura da edição dos textos escritos por João Bénard da Costa para a Cinemateca, que inclui todas as folhas de sala e todos os textos publicados em catálogos, e que, por opção e coerência, inclui também as “folhas” redigidas no âmbito do seu trabalho na Fundação Calouste Gulbenkian (as quais, na sua grande maioria, foram aqui depois retomadas, com ou sem adaptações). Em companhia de Boris Barnet assinalamos o lançamento do primeiro de um conjunto de volumes, que, de acordo com outros critérios editoriais há muito assumidos, têm estrutura dicionarística e “raisonée” (com inclusão de todas as variantes dos textos agora reunidos, notas de editor e índices onomásticos e didascálicos). Foi um longo percurso e um considerável esforço, levado a cabo (mais uma vez, por opção e coerência, mas sobretudo, também, neste caso, por mero sentido de dever) pela própria equipa da Cinemateca, com intervenção direta de colaboradores de todos os setores da casa. Em ano de aniversário, é um dos momentos altos de comemoração, também assumido como referência à dívida imensa que temos perante o autor destes textos. Mas a data escolhida tem sentido especial, marcando um aniversário dentro de outro: neste dia perfazem-se seis décadas sobre o dia 29 de setembro de 1958, no qual a Cinemateca inaugurou, no Palácio Foz, a história das suas projeções públicas. Não por acaso, de todas as datas históricas da Cinemateca, esta foi a que João Bénard da Costa mais lembrou e acima de todas comemorou. Voltando a homenageá-lo a ele, evocamos assim a própria ideia a que todos estes textos estão tão essencialmente ligados, segundo a qual o momento em que cada filme preservado renasce no ecrã é aquele que dá o sentido último a tudo o que fazemos. É o princípio do fim e é obviamente o começo de uma outra história: com esta edição, começa a nova vida destes escritos, desligados, agora, do contexto que os viu nascer, mas portadores de uma força contagiante que, além de tudo o mais, advém da forma única como o autor viveu e marcou esse contexto.»

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

OLHAR AS CAPAS


Claro que sou feliz, casa, reforma, um baralho de cartas e principalmente sossego, o que um homem precisa na vida é de sossego.

António Lobo Antunes em A Morte de Carlos Gardel

Legenda: fotografia encontrada em artofmanliness

SOU O GAJO DAS CALÇAS CURTAS



Pontas soltas de perguntas e respostas na entrevista que Mário Santos fez a Luiz Pacheco, antologiada em O Crocodilo Que Voa:

Aliás, parece que a necessidade é que desde sempre o estimula a escrever…

Claro. Mas eu vou fazer umas merdas duns artigos para uns jornais de merda, ou uns editores de merda, fazer artigalhadas para ganhar uma trampa? Não preciso! Tenho dinheiro que chegue para o quarto, a roupa é dada! E de repente considerei-me morto! Durante os últimos dez ou oito anos lia policiais e livros de cowboys… Quando vim para aqui disse: agora tenho que me defender! E trabalhei mais agora aqui, desde Abril do ano passado do que em dez anos.

Deixou os policiais e os cowboys. Tem lido o que se publica por aí»

Tudo! Aí é que está a gaita. Não há nenhum gajo que tenha agora publicado que eu não tenha comprado… Comprei Estrela de Seis Pontas, do meu camarada Álvaro Cunhal, e gostei muito. Cinco Noites… é uma merda, mas este é muito bem feito.

Mas você próprio não «exibiu» essa imagem?

Repare nas minhas calças: sou o gajo das calças curtas. Porquê?
Porque não mando fazer um fato desde 1957 ou 1958! E por caso tinha um bom alfaiate, mas o último fato não o paguei e nunca mais lá fui… «O gajo anda de calças assim para provocar, para se mostrar original.» Não é! Eu vejo aí é calças a três e quatro contos, e eu ia dar três contos por um par de calças? Jamais de ma vie, porra! Se me dão calças compridas, visto-as, dão-me curtas, eu visto-as! Quero lá saber… São dadas! Essa carneirada acha de mim uma coisa, eu acho deles, outra! Agora, isto não tem nada a ver com a obra que fiz!

A ideia da morte perturba-o?

Estou sempre à espera de não acordar no dia seguinte! Aliás, tenho um problema de que não se vai rir: como é que eu vou avisar que estou morto? Já me perguntaram porque é que eu não ponho o telefone ao pé da cama… Olha que ideia fantástica! O meu filho do Pinhal Novo agora vem cá muitas vezes, o meu filho do Montijo nunca aqui veio… E está no Montijo, tem carro, estava aqui em meia hora! Morro e ao fim de oito dias está aqui um fedor que não se pode… Quero lá saber! Mas eu tenho uma vida tão doente, que sou é um moribundo alegre, tenho espírito de convalescente… Mas já estou a ficar chateado disto… Fui criado numa casa com muita gente e aqui estou muito sozinho…

Legenda: pormenor da capa do livro Mano Forte

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Mais de uma vez, expressei por aqui a ideia de que os romances de António Lobo Antunes tornaram-se-me de difícil leitura, por vezes, mesmo incompreensível.

De um só fôlego li Memória de Elefante, Os Cus de Judas, Explicação dos Pássaros e disse para comigo que tinha ali um autor para a vida.

Acontece até que os títulos que Lobo Antunes arranja para os seus romances, são uns excelentes achados. Mas já são livros que não li, ou deixei-os nas primeiras 50 páginas, que é a medida que coloquei a mim mesmo para que um livro me leve até ao fim.

Exemplos:

Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura,
Que farei quando tudo arde?,
Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo,
Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar?,
Não É Meia Noite Quem Quer,
Caminho Como Uma Casa Em Chamas,
Para Aquela que Está Sentada no Escuro à Minha Espera 
Até Que as Pedras Se Tornem Mais Leves Que a Água
A Última Porta antes da Noite.

Sou, pois, um desistente leitor de António Lobo Antunes.

Hélas!

Pelos tempos que correm, apenas leio as crónicas que vai publicando na imprensa, e que, lamentavelmente, o autor determinou que não mais seriam recolhidas em volume.

A editora que o suporta consentiu na patetice do autor, ou teve receios que o autor, dado o seu conhecido mau feitio, saísse porta fora a caminho da concorrência.

Mas volta e meio pego em alguns livros para os trazer até ao Olhar as Capas.

Foi o caso, agora, de A Morte de Carlos Gardel.

Não consegui repegar. Andei aos saltos pelas páginas sem alegria, mesmo com desconforto para encontrar uma citação que é norma colocar no Olhar as Capas.

Soube-se agora que António Lobo Antunes foi chamado a fazer parte da prestigiada Colecção Pléiade.

Disse aos jornalistas:

«Sonhei com este prémio desde a adolescência até agora. É o maior reconhecimento que se pode ter enquanto escritor, muito maior do que o Nobel.»

Onde estiver, José Saramago não deixou de largar um enorme sorriso.

Há espinhas que nunca conseguimos descravar da garganta.

«e o Álvaro limpava um disco com a escovinha, colocava-o no prato, premia um botão, Carlos Gardel começava a cantar, e ele - Se eu fosse capaz de um grito assim era feliz»

A páginas 160 de A Morte de Carlos Gardel




OLHAR AS CAPAS



A Morte de Carlos Gardel

António Lobo Antunes
Publicações Dom Quixote, Lisboa, Março de 1994

e por um segundo dei fé do branco dos seus olhos, dei fé dos seus dentes um disco do invólucro, colocou-o no parto, sentou-se no sofá e a voz de Carlos Gardel  principiou a cantar baixinho, não como quando a minha mãe e o meu pai viviam juntos e os violinos e o acordeão deviam alcançar a Venda Nove e a Paiã, e a minha mãe desligava a música a prevenir, transtornada
- Não aguento mais tangos, vou exigir o divórcio
e durante anos o meu pai, para mim não era o meu pai, era uma voz que saía dos altifalantes e anulava tudo, apagava tudo, destruía tudo, uma voz que se calava e recomeçava e se calava de novo, o meu pai não era um homem e um jornal era um piano a lamentar-se que regressava agora, num murmúrio, ao apartamento junto ao rio e às máscaras sem olhos nem boca que falavam como o médico, a enfermeira e a minha tia me falam, mesmo se não é comigo que falam, ao conversarem sobre a minha doença e a minha morte, porque não é acerca de mim que conversam é de uma pessoa que conhecem e não sei quem seja, eu sei quem sou mas ignoro quem morre e por ignorar quem vai morrer não morro

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

POSTAIS SEM SELO


O passado é um país estrangeiro.

Ali Smith

OS CÉLEBRES ORIGINAIS NA GAVETA


Carta de António José Saraiva, datada de Maio de 1980, para Óscar Lopes:

Mas do ponto de vista científico devo prevenir-te contra os efeitos nefastos do fanatismo. Por exemplo, na p. 1139 da 11ª edição da História da Literatura ligas os romances do Nuno de Bragança e de Dinis Machado ao 25 de Abril. Ora o livro principal do Nuno Bragança foi publicado em 1969, e o do Dinis Molero (que na minha opinião está longe de ser um grande livro) podia perfeitamente ter sido publicado antes, pois nada tem que ver com a problemática do 25 de Abril. Claro que tomas preocupações de estilo: falas de «uma carreira recente» e do «fulminante êxito de um livro ambos marcados pela problemática e pelo degelo trazidos pelo 25 de Abril.» A «carreira» é a do Nuno de Bragança, o que te permite meter no mesmo saco A Noite e o Riso (que é um grande livro) e a Directa (1977) que está longe de atingir o mesmo nível. Mas quem ler desprevenidamente julga que o 25 de Abril teve algum efeito na literatura, o que sabes perfeitamente que é falso. Já lá vão seis anos e não se viu nada, nem sequer os célebres originais «na gaveta». O que prova afinal que a literatura tem muito pouco a ver com as peripécias da política, como alíás já sabíamos. É lamentável que tenhas deixado passar para um livro científico um slogan ideológico, ou melhor partidário.


Legenda: Nuno Bragança

OLHAR AS CAPAS


O Passo da Serpente

Baptista-Bastos
Capa: Manuel Augusto
Prelo Editora, Lisboa, 1965

Naquela tépida madrugada ele entrou numa cabina telefónica. As suas ideias repousavam em sentimentos vários e um cão olhou-o do lancil por ode caminhava cautelosamente. Agora, procurava a dádiva das fraternidades antigas. Ouviu o telefone e viu as folhas velhas das árvores de Setembro.
- Amo-te – disse.
- Bebeste outra vez. Porque não vais deitar-te? – disse a mulher.
- Amo-te. Bebi um pouco mas amo-te – repetiu.
Começava sempre ao fim da tarde: um sentimento de inutilidade e de desconforto. Os acontecimentos ordenavam-se à medida do escalonar dos seus dilemas e beber era uma decorrência exacta: gostava de estar bêbado para ter a coragem de praticar actos resolutos. Agora, ao recusar ser cúmplice de solidariedade, os preceitos da moral revelavam-se-lhe princípios imprecisos.
- Amas-me completamente bêbado
- Não quero ir para casa. Tenho medo da madrugada e de estar sozinho.
-  E lembráste-te de mim, por isso?
- E então lembrei-me de ti.
Disse a mulher:
- Foi há muito tempo. Recordas-te? E sempre que isso acontecia estva disposta a receber-te de madrugada. E eu? Um dia comecei a pensar em mim, a maneira mais simples de procurar uma explicação para o teu egoísmo. Estás a ouvir?
- Estou a ouvir-te muito bem.
- O passado não pode ser ressuscitado. Há muitas certezas românticas que foram destruídas.

QUOTIDIANOS


Se as coisas corressem normalmente, mas já nada corre com normalidade!, teria, há dias, colocado uma frase que li, algures, em Agustina Bessa-Luís:

«Aquela chuva do fim do Verão, ríspida e quase alegre.»

Mas todo este Setembro, que deveria ser um doce Setembro, «está de ananases» como escreveu o Eça na «Correspondência de Fradique Mendes».

Neste momento os termómetros, em Lisboa, marcam 33 graus!

Legenda: pintura de Édouard Manet

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

POSTAIS SEM SELO


É preciso que algo aconteça, eis a explicação da maior parte dos compromissos humanos. É preciso que algo aconteça, mesmo a servidão sem amor, mesmo a guerra ou a morte. Vivam, pois, os enterros! 

Albert Camus em A Queda

MASSACRES DE FOLHAS


A mais suave, pacata e mole das estações, o Outono, suplanta a anterior e instala-se com sobressaltos medrosos, temporais enormes, manhãs escuras, turbilhões e massacres de folhas que fazem compreender quanta violência custa a maturidade

Cesare Pavese em Ofício de Viver

Legenda: Meg Ryan e Billy Cristal em When Harry Meet Sally de Rob Reiner (1989) 

OLHAR AS CAPAS


O Barco da Morte

Agatha Christie
Tradução: Hígia Junqueira Smith
Capa: Cândido Costa Pinto
Colecção Vampiro nº 4
Livros do Brasil, Lisboa, s/d

- É ela! – exclamou Mr. Burnaby, proprietário de Three Crowns, dando uma cotovelada no companheiro.
De boca aberta e olhos arregalados, os dois homens fitaram o belíssimo Rolls Royce vermelho, que parara em frente ao Correio.
Desceu uma jovem, sem chapéu e usando um vestido que parecia (parecia somente) muito simples. Cabelos doirados e feições um tanto autoritárias, tipo deveras atraente, como raramente se via em Malton-under-Wode.
Com passos rápidos e decididos a jovem entrou no edifício do Correio.
- É ela! – repetiu Mr. Burnaby. E em tom mais baixo e reverente: possui milhões… Vai gastar um dinheirão na propriedade que comprou. Piscinas, jardins italianos, salão de baile… reforma completa da casa!
- É mais dinheiro que entra na cidade.
O comentário, em tom de inveja e rancor, foi feito pelo outro, um sujeito magro e espigado.
- Sim. Óptimo para Malton-under-Wode. Óptimo! – concordou Mr. Burnaby, exprimindo-se em tom complacente. E depois de uma pequena pausa: - Isto vai-nos interessar um pouco.
- Mas é muito diferente de Sir George – lembrou o outro.
- Ah, a culpa foi dos cavalos! Sir George nunca teve muita sorte. – disse Mr. Burnaby com indulgência.
- Quanto recebeu ele pela propriedade?
- Nada menos que sessenta mil, pelo que me contaram.
Ante o assobio de surpresa do companheiro, Mr, Burnaby continuou com ar triunfante:
- E dizem que ela pretende gastar outro tanto, antes de dar o serviço por terminado!
- Isso é pecado! – exclamou o homem – Onde arranjou tanto dinheiro?
- Na América, pelo que ouvi dizer. A mãe era filha única de um desses multimilionários. Como no cinema, hem?
A jovem saiu neste momento. O homem magro acompanhou com o olhar o carro que se afastava, e resmungou:
- Não acho que esteja certo! Dinheiro e beleza… é demais! Uma rapariga com uma fortuna dessas não tem o direito de ser bonita. E é bonita de facto!... Tem tudo, Não acho justo…

terça-feira, 25 de setembro de 2018

POSTAIS SEM SELO


Agora, é a hora de fechar os Jardins do Oeste. De agora em diante, um escritor será julgado pelas ressonâncias do seu silêncio e pela qualidade de seu desespero.
                  

OLHAR AS CAPAS


Nasci para Nascer

Pablo Neruda
Tradução:
Eduardo Saló (texto em prosa)
Mário Dionísio (poemas)
Colecção Estudos e Documentos nº 159
Publicações Europa-América, Lisboa

Nas nossas Américas há achados: em ilhas desabitadas ou selvas irascíveis debaixo da terra depressa se encontram estátuas de ouro, pinturas na pedra, colares de turquesa, cabeças imensas vestígios de inúmeros seres desconhecidos que se têm de descobrir e nomear para que respondam do seu silêncio secular.
Se, numa ilha nossa, se encontrassem as capas sucessivas de Picasso, a sua monumental abstracção, a sua criação rupestre, as suas jóias exactas, os seus quadros de felicidade e terror, os arqueólogos, assombrados, procurariam os habitantes, as culturas que tanto fizeram acumulando jogos e milagres fabulosos.
Picasso é uma ilha. Um continente povoado por argonautas, caraíbes, touros e laranjas. Picasso é uma raça. No seu coração, o Sol nunca se põe.

(Escrito por motivo da celebração, em Paris, do 90º aniversário de Picasso, Outubro de 1971)

RECOSTOU-SE A LER O JORNAL


Fosse por efeito da grave conversação ou por abuso do café, Ricardo Reis não dormiu bem. Acordou algumas vezes, no sono parecera-lhe ouvir bater o seu próprio coração dentro da almofada onde descansava a cabeça, quando acordava deitava-se de costas para deixar de o ouvir, e depois, aos poucos, tornava a senti-lo, deste lado do peito, fechado na gaiola das costelas, então vinham lhe à lembrança as autópsias a que assistira, e via o seu coração vivo, pulsando angustiadamente como se cada movimento fosse o derradeiro, depois o sono voltava, difícil, enfim profundo quando a manhã já clareava. Ainda dormia, veio o ardina atirar-lhe o jornal às vidraças, não se levantou para abrir a janela, em casos tais o vendedor sobe a escada, deixa as notícias sobre o capacho, estas novas por cima, que outras, doutro dia, mais antigas, serviam agora para aparar o terriço raspado pelo esparto na sola dos sapatos, sic transit notitia mundi, abençoado seja quem inventou o latim. Ao lado, no recanto do vão da porta, está a leiteirinha com a metade de meio litro diária, pendurado no puxador o saquitel do pão, Lídia trará tudo isto para dentro, quando chegar, já depois das onze, que hoje é dia da sua folga, mas não conseguiu vir mais cedo, à última hora ainda Salvador a mandou limpar e arrumar três quartos, gerente abusador. Não se demorará muito, tem de ir ver a sua abandonada mãe, saber novidades do irmão que foi ao Porto navegando no Afonso de Albuquerque e voltou, Ricardo Reis ouviu-a entrar, chamou com voz ensonada, e ela apareceu entreportas, ainda com a chave, o pão, o leite e o jornal nas mãos, disse, Bom dia, senhor doutor, ele respondeu, Bom dia, Lídia, foi assim que se trataram no primeiro dia e assim irão continuar, nunca ela será capaz de dizer, Bom dia, Ricardo, mesmo que ele lho pedisse, o que até hoje não fez e não fará, é suficiente confiança recebê-la neste preparo, despenteado, de barba crescida e hálito nocturno. Lídia foi à cozinha deixar o leite e o pão, voltou com o jornal, depois saiu para preparar o pequeno-almoço, enquanto Ricardo Reis desdobrava e abria as folhas, segurando-as cuidadosamente pelas margens brancas para não manchar os dedos, levantando-as para não sujar a dobra do lençol, são pequenos gestos maníacos que conscientemente cultiva como quem se rodeia de balizas, de pontos de referência, de fronteiras. Ao abrir o jornal lembrou-se do movimento idêntico que fizera algumas horas antes, e outra vez se lhe figurou que Fernando Pessoa estivera ali há muito mais tempo, como se memória tão recente fosse, afinal, uma memória antiquíssima, de dias em que Fernando Pessoa, por ter partido os óculos, lhe pedira, Ó Reis, leia-me aí as notícias, as mais importantes, As da guerra, Não, essas não vale a pena, leio-as amanhã, que são iguais, estava-se em Junho de mil novecentos e dezasseis, e Ricardo Reis escrevera, há poucos dias, a mais extensa das suas odes, passadas e futuras, aquela que começa, Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia. Da cozinha veio O cheiro bom do pão torrado, ouviam-se pequenos rumores de louça, depois os passos de Lídia no corredor, traz, serena desta vez, o tabuleiro, é o mesmo gesto profissional, só não precisa de bater à porta, que está aberta. A este hóspede de tantas semanas pode-se perguntar sem abusar da confiança, Então hoje deixou-se dormir, Não passei bem a noite, uma insónia dos diabos, Se calhar andou por fora, deitou-se tarde, Antes fosse, ainda não era meia-noite quando me deitei, nem saí de casa, acreditará Lídia, não acreditará, nós sabemos que Ricardo Reis diz a verdade. O tabuleiro está sobre os joelhos do hóspede do duzentos e um, a criada deita o café e o leite, aproxima as torradas, a compota, rectifica a posição do guardanapo, e então é que diz, Hoje não posso ficar muito tempo, dou aí uma arrumação e depois vou-me, quero ver a minha mãe, ela já se queixa de que eu nunca apareço, ou passo de fugida, até me perguntou se arranjei namorado e se é para casar. Ricardo Reis sorri, contrafeito, não tem nada para responder, certamente não esperaríamos que dissesse, Namorado já tu aqui tens, e quanto ao casamento, ainda bem que falas nisso, um destes dias teremos de falar no nosso futuro, limita-se a sorrir, a olhar para ela com uma expressão subitamente paternal. Lídia retirou-se para a cozinha, não levava qualquer resposta, se a esperara, saíram-lhe sem querer aquelas palavras da boca, nunca a mãe lhe falara em noivos e namorados. Ricardo Reis acabou de comer, empurrou o tabuleiro para os pés da cama, recostou-se a ler o jornal.


Legenda: fotografia de Manuel de Jesus Matias em Arquivo Municipal de Lisboa

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

POSTAIS SEM SELO


Estava a envelhecer e no entanto ainda muito longe da morte.

Hélia Correia em Soma

A CALMA PARA MERGULHAR NO LIVRO


Podes sair da livraria satisfeito, tu, homem que julgavas já ter acabado a época em que se pode esperar alguma coisa da vida. Trazes duas expectativas diferentes e que promete, ambas dias de agradáveis esperanças. A expectativa contida no livro – de uma leitura que estás impaciente por retomar – e a expectativa contida naquele número de telefone – de tornares a ouvir as vibrações ora agudas ora veladas daquela voz, quando responder à tua primeira chamada, daqui a pouco tempo, se calhar já amanhã, com a frágil desculpa do livro, para lhe perguntares se está a gostar ou não, para lhe dizeres quantas páginas, leste ou não leste, para lhe propores voltarem a encontrar-se…
Quem és tu. Leitor, qual a tua idade, estado civil, profissão, rendimentos, seria indiscreto perguntar-se. É lá contigo, da tua vida sabes tu. O que conta é o estado de espírito com que agora, na intimidade da tua casa, tentas restabelecer a calma perfeita para mergulhares no livro, estendes as pernas, encolhes e voltas a estendê-las. Mas algo se modificou desde ontem. A tua leitura já não é solitária: pensas na Leitora que neste momento está a abrir o livro, e ao romance para ler sobrepõe-se um possível romance para viver, a continuação da tua história com ela, ou melhor: o princípio de uma possível história.

Italo Calvino em Se Numa de Inverno Um Viajante

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Ao «Regresso ao Admirável Mundo Novo» de Aldous Huxley, foi Hélia Correia buscar o título e tema deste seu livro:

«Nos hinos védicos dizem-nos que os bebedores de Soma sentiam vários efeitos benéficos. Os seus corpos fortaleciam-se, os seus corações enchiam-se de coragem, de alegria e entusiasmo, os seus espíritos enchiam-se de lucidez, e, numa experiência imediata de vida eterna, recebiam a certeza da sua imortalidade. Mas o sumo sagrado tinha os seus inconvenientes. O Soma era uma droga perigosa – tão perigosa que até o grande deus do céu, Indra, adoecia às vezes, por tê-la bebido. Os vulgares mortais até podiam morrer, devido a uma dosagem forte,»

Legenda: pormenor da capa de Soma de Hélia Correia, uma gravura de Cruz Filipe.

OLHAR AS CAPAS


Soma

Hélia Correia
Capa: Arranjo gráfico sobre gravura de Cruz Filipe
Relógio d’Água Editores, Lisboa, 1987

Passava com o filho dois domingos por  mês e para eles convocava gripes e enxaquecas, na fuga dessas horas em que nada encontravam para dizer um ao outro- Aquilo a que se chama a voz do mesmo sangue perdera-se, sem eco, nem eles dabiam quando: de repente, uma tarde em que toda a linguagem se tornara impossível e uma antiga ternura se debatera entre eles como entre os lados deslizantes de um poço, numa mudez de bicho muito ferido, a afundar-se, a despedir-se para sempre; ou fora-se apagando aos poucos, devagar, desde o divórcio, emurchecendo como tudo a que a raiz falece, enquanto o rapazinho fabricava o seu mundo usando os materiais que lhe vinham à mão e onde não se incluíam, do pai, nem as palavras, nem os desejos, nem os preconceitos.

domingo, 23 de setembro de 2018

A PALAVRA QUE EU AINDA NÃO DISSE


Estás na distância
do meu pensamento
estás no meu repouso
estás no meu caminho
estás na palavra
que eu ainda não disse
estás com a tua mão
no meu ombro posta
estás no fim do mar
na treva mais treva
estás no meu silêncio

eu estou no teu livro
com os dias todos
que ainda não vivi.

Reconhece-me, ao menos.

Mário Castrim em Do Livro dos Salmos

OLHAR AS CAPAS


Estranha Forma de Vida

Enrique Vila-Matas
Tradução: José Agostinho Baptista
Colecção O Imaginário nº 35
Assírio & Alvim, Lisboa, Novembro de 1997

Foram-se embora e deixaram-me tranquilo, e às oito da manhã, como de costume, já estava a afiar lápis e a perfilar ideias destinadas ao artigo de jornal que escrevia diariamente e me divertia sempre como um louco, pois esse género de textos nos quais, com certa ousadia, inventava tudo e não levava mais de meia hora a escrever, compensava-me amplamente das rigorosas leis do realismo social a que submetera a minha trilogia novelesca sobre as vidas das pessoas da minha rua, as pessoas da Calle Durban: um tríptico muito realista sobre a minha vizinhança, sobre os deserdados da vida, sobre os mortos de dor, sobre as almas humildes da Calle Durban, sobre os humilhados e ofendidos, sobre os infelizes sobre los de abajo.

OUTONO


Qualquer dia tens finalmente de contar a alguém, talvez a teu filho, ao nosso filho, refractário indivisível, que te amei muito e fazia bem amor contigo. Uma vez, hoje, tomámos banho nus, ouvimos o Requiem KV 626, trouxeste a pêra parda cozida até à água transbordante; depois vesti-me com a camisola comum e fui, vou comprar a canela para fazeres o arroz. Com a canela compro sempre um pouco de proa ao vento azul do velho barco de um oriente de estampa, criado na pátria de água doce. Ao regressar, subindo a rua, amo-te. O futuro ainda vai no adro; a leve aragem do indicativo presente ondula o ar, mas quase não há fronteiras, tempos verbais, margens, e se não houvesse as colheitas de castanhas, não sabia soube que é era será outono no outeiro chamado mais exactamente outubro segundo o calendário gregoriano.

Jorge Listopad de Primeiro Testamento em Fruta Tocada por Falta de Jardineiro

sábado, 22 de setembro de 2018

ETECETERA


Tantas vezes reclamei de mim para mim por que raio nenhuma editora se abalançava a publicar os livros de Maria Judite de Carvalho.

Apenas tenho três livros, encontrados por acaso já não lembro bem onde, talvez na Feira da Ladra, ou naquelas feiras de ocasião, que havia em outros tempos com fundos de catálogo de editoras.

Mas a Minotauro, em hora feliz, decidiu-se a publicar a Obra Completa de Maria Judite de Carvalho.

Uma mulher excepcional, com obra emblemática que não foi apenas a mulher do escritor Urbano Tavares Rodrigues, embora a sua discrição a tenha feito viver sempre um pouco à sombra do marido.

São muitos os que pensam que a obra da escritora é superior à de Urbano e a consideram mais talentosa que o marido, a escritora da solidão e do silêncio.

A coleção, que será composta por 6 volumes, irá abranger toda a obra de Maria Judite de Carvalho. escritora exímia do século passado, que ficou conhecida principalmente pelas suas coletâneas de contos de cunho existencialista. Foi a escritora da solidão e do silêncio das palavras poupadas.

Apelidada por Agustina Bessa-Luís como «flor discreta da nossa literatura», Maria Judite de Carvalho, também jornalista, dedicou trinta anos da sua vida à carreira literária, durante a qual publicou 13 livros, privilegiando as novelas, as crónicas e os contos, e escreveu sobre a solidão, histórias sombrias da vida quotidiana que observava.

Em boa hora, a editora entendeu que as capas dos livros seriam pinturas suas e isso revela outras facetas da escritora: o desenho e a pintura.

No 6º volume dos seus Dias Comuns, José Gomes Ferreira tem duas entradas referentes a Maria Judite de Carvalho:

1 de Novembro de 1968

Ontem, encontro inesperado com Judite de Carvalho na sala de espera do mei dentista, onde durante alguns minutos conversámos com aquela intimidade de termos de passar o tempo da sala de espera de um dentista.
Admiro-a muito como escritora e parece-me uma mulher autêntica. Isto é: que não estraga a liberdade com escravidões fáceis. Prefere as difíceis,

11 de Novembro de 1968

Novo encontro com Judite de Carvalho no dentista.
- Não traz o cabelo penteado da mesma maneira!... – observou o dentista.
- Pois não. Como não gosto da minha cara e não posso mudá-la, mudo de penteado.
Procurei uma frase amável para lhe dizer, mas não a encontrei – malogro que ela infelizmente percebeu.
E no entanto bastaria dizer-lhe que, por mais que mudasse de rosto, nunca arranjaria outro mais inteligente.

PAPA FRANCISCO

O escândalo que envolve as mais altas figuras da Igreja Católica não para de crescer.

O Papa convocou uma reunião com os presidentes das conferências episcopais (organismos que congregam os bispos em cada país) de todo o mundo para debater «a proteção de menores».

Está marcada para 21 e 14 de Fevereiro do próximo ano ,as deveria ser já amanhã!

O clero retrógrado, que nunca deixou a Igreja viver os dias dos novos séculos, tenta por todos os meios fazer a vida negra ao Papa.

Na visita que fez à Irlanda, no passado Agosto, afirmou que se considerava envergonhado com o peso do escândalo dos abusos sexuais que abala a Igreja,

Leo Varadkar, presidente do país, pediu-lhe para passar das «palavras à acção.»

Sim , não basta pedir desculpa.

Conseguirá Francisco prosseguir a luta?

SUÉCIA

Aos poucos as pessoas vão-se apercebendo que a ascensão da extrema-direita nos Estados Unidos, na Europa, pelo resto do mundo, é uma realidade que vai galgando o dia-a-dia.

Há poucos dias foram as eleições na Suécia que colocaram a extrema-direita em patamares nunca alcançados.

Os monstros vão crescendo.

Aproximam-se as eleições presidenciais no Brasil.

Continuamos distraídos, muitos distraídos…

SANTANA ANDA POR AÍ

Saiu do PSD e já formou novo partido.

Chamou-lhe Aliança.

Vitor Dias no Tempo das Cerejas:

Encosto à «popularidade» de Marcelo ?

Se ele quer que o PR
faça isto tudo, para que 
é que fundou um partido ?
 «O senhor Presidente
da República pode e deve
usar toda a popularidade
 que conseguiu para mudar
a sociedade portuguesa,
 para fazer reformas que
 há muito são necessárias
 - reformas do sistema
eleitoral, da justiça,
da produtividade, mas
também das questões
das pessoas»

- Santana Lopes


A FOME NO MUNDO

Mais de 820 milhões de pessoas no mundo passam fome, a maior parte em África e na América do Sul, um número que, segundo um relatório das Nações Unidas, aumentou pelo terceiro ano consecutivo.

MAIOR QUE O NOBEL!

Começar com livros, com livros fechar.

António Lobo Antunes vai passar a integrar a colecção francesa Bibliothèque de la Pléaide. Será o segundo português a fazer parte dado que Fernando Pessoa foi incluído em 2001.

A colecção, criada em 1931, publica as obras dos autores em edições cuidadas em papel bíblia e capa dura.

«Sonhei com este prémio desde a adolescência até agora. É o maior reconhecimento que se pode ter enquanto escritor, muito maior do que o Nobel.»