Soma
Hélia Correia
Capa: Arranjo gráfico
sobre gravura de Cruz Filipe
Relógio d’Água
Editores, Lisboa, 1987
Passava com o filho dois domingos por mês e para eles convocava gripes e enxaquecas,
na fuga dessas horas em que nada encontravam para dizer um ao outro- Aquilo a
que se chama a voz do mesmo sangue perdera-se, sem eco, nem eles dabiam quando:
de repente, uma tarde em que toda a linguagem se tornara impossível e uma
antiga ternura se debatera entre eles como entre os lados deslizantes de um
poço, numa mudez de bicho muito ferido, a afundar-se, a despedir-se para
sempre; ou fora-se apagando aos poucos, devagar, desde o divórcio, emurchecendo
como tudo a que a raiz falece, enquanto o rapazinho fabricava o seu mundo
usando os materiais que lhe vinham à mão e onde não se incluíam, do pai, nem as
palavras, nem os desejos, nem os preconceitos.
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