sábado, 30 de junho de 2012

CHEIRA BEM


O findar das festas.
Já começou o solstício, os dias longos, as noites quentes, o vermelho das cerejas, cheiros a sardinheiras e manjericos.
Sabemos agora em que medida merecemos a vida, tal como queria Ruy Belo, que tanto amava o Verão.

SONG FOR CHE


Agora que o M.F.A. derrubou o fascismo e se estão a eliminar as suas tenebrosas aderências, agora que não existe o “exame prévio”, nem PIDE/DGS, agora que a afiliação partidária é possível e se abriram as portas às cadeias, agora já vos posso contar que em Novembro de 71, em cascais, no festival de jazz, o contrabaixista Charlie Haden (o único músico branco do quarteto de Ornette Coleman) dedicou o tema “Song for Che” (Canção para Che Guevara) “aos movimentos de libertação da Guiné, Moçambique e Angola” e por isso foi preso pela PIDE/DGS e interrogado durante sete horas; que quem o libertou foi a directa interferência do adido cultural da embaixada dos EUA; que a imprensa mundial denunciou este facto; que em Fevereiro de 72, durante o concerto gratuito do 6º aniversário dos CMJ, foi saudada a presença de elementos das embaixadas do Chile e de Cuba; que em Novembro de 73, em cascais, no segundo concerto do terceiro festival, foram pendurados cartazes que diziam “Guiné livre” e “Abaixo a guerra colonial”; que em qualquer destes três acontecimentos, sempre o público colaborou com extraordinário apoio.

Junho de 1974

José Duarte em João na Terra do Jaze, A Regra do Jogo, Lisboa 1981.

OS CROMOS DO BOTECO

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


Se estiver por Lisboa não pode deixar de, pelas 22,00 horas, dar um salto à Alameda D. Afonso Henriques e assistir ao concerto de Milton Nascimento.

É o fim da programação das Festas de Lisboa que, durante Junho, foram acontecendo pela cidade.

Milton Nascimento será acompanhado pela Orquestra Metropolitana de Lisboa e tem, como convidados especiais, Ana Moura, António Zambujo e Carminho.

Milton Nascimento, apesar dos seus 70 anos, é sempre Milton Nascimento.

Tal como disse Caetano Veloso:

O falsete de Milton Nascimento é uma dos mais belos sons produzidos pela espécie humana hoje sobre a Terra.

DIAS DE FESTA


A partir de hoje, com partida de Liége, na Bélgica, e chegada a Paris no dia 22 de Julho, começa a 99ª edição da Volta à França em Bicicleta.

Tirando o futebol, muito pouca coisa me leva a ficar grudado a olhar para a televisão.
Abro excepção para o Torneio de Ténis de Roland Garros, a Volta à França e, quando o Ayrton Senna ainda andava por cá, as corridas de Fórmula 1.

A partir de hoje, arranjo lugar cativo para olhar as reportagens transmitidas pelo Eurosport.

Apesar de toda a complicadíssima trama da dopagem que, nos últimos anos, tem envolvido o ciclismo, a Volta à França é sempre um acontecimento transcendente.

Novamente os vastos e lindíssimos campos de girassóis, os trabalhadores agrícolas que, momentaneamente, abandonam os trabalhos e vêm até à estrada ver afesta do Tour.

Os motivos alegóricos feitos para saudar a etapa que passa por aldeias e cidades.

Roger Vailland dizia que não se ganha a Volta a França sozinho, Joaquim Agostinho disse um dia,  que não se sobem os Alpes e os Pirinéus a beber água do luso e a comer bifes.

Todos os anos o Tour acaba por disputar-se na ressaca de uma série de ciclistas que admitiram a utilização de substâncias dopantes. Não vale a pena tapar o sol com uma peneira mas, apesar disso, a festa acontece, e milhares guardam os seus dias de férias para, em caravanas e outros transportes, acompanharem o tour.

Há alturas na vida em que me lembro de ti, Charly Gaul.
A quem chamavam o “Anjo da Montanha”.
De bicicleta nunca subi o Tourmalet,
mas dei muitas vezes a volta à serra
e parava sempre em Almoçageme
para beber um laranjada na Pensão do Sisudo.
E que será feito de ti, Charly Gaul,
herói da minha adolescência com bicicletas
no sítio dos olhos?
Para mim nem Federico Bahamontes (de Toledo)
nem o francês Anquetil
nem mesmo o meu amigo José Manuel Fuente
conseguiram alpinar aos cornos da Lua porta com porta
com o teu coração luxemburguês.
Onde estarão agora esses pedias? Serás pedreiro?,
manga-de-alpaca?,  vendedor de triciclos?,
fulano detal?, uma charrua ambulante?
Que será feito de ti?, anjo da montanha
dessas minhas tardes ventosas de Verão
quando descia às Arcadas para beber o “Mundo Desportivo”
(eram quatro rins) e saber como pedalavas a vida
Subindo a Volta à França.
Olha esta febre, Cahrly Gaul:
vejo cada vez menos a fugir do pelotão.
E podes dormir de rosa na boca:
se fosse possível voltares às bicicletas
continuarias a subir sozinho o Tourmalet.

Fernando Grade em O Vinho dos Mortos, Edições MIC, Maio de 1977.     

sexta-feira, 29 de junho de 2012

BOLAS PR'O PINHAL!


É por não gostar de futebol que sou do Benfica.
Tal como compreendo como é que há portugueses que conseguem ser de outros clubes. O Sporting, o Porto podem jogar bem, e o Belenenses e a Académica podem calhar bem em sociedade, mas só o Benfica, como o próprio nome indica, é o próprio Bem. Que fica.

Só o Benfica pode jogar mal sem que daí lhe advenha algum mal. Basta olhar para os jogadores para ver que sabem que são os maiores, que não precisam de esforçar-se muito, porque são intrínseca e moralmente a maior equipa do mundo inteiro. Ninguém sabe. Mas sente-se.

Quando perdem, não se indignam, não desesperam. Eusébio só chorou quando jogou por Portugal. Quem joga no Benfica tem o privilégio e o condão de estar sempre a sorrir. Não conseguem resistir. O Benfica, a bom ver, nem sequer é uma equipa de futebol. É um nome. É como dizem os brasileiros, uma “griffe”. Têm uma cor. Antes de entrar em campo, já têm um mito em jogo, já estão a ganhar por 3-0, graças só à reputação.

Quando o Benfica perde, parece sempre que quis perder. Essa é a força inigualável do Sport Lisboa e Benfica - faz sempre o que lhe apetece. O problema é que lhe apetece frequentemente, perder. Qual é o segredo do Benfica? São os benfiquistas.

São do Benfica como são filhos de quem são. Ninguém “escolhe” o Benfica, como ninguém escolhe a Mãe ou o Pai. Em geral, aliás, os benfiquistas odeiam o Benfica e lamentam-no no estádio e em casa, mas pertencem-lhe. Quanto mais pertencemos a uma entidade superior, seja a Família, a Pátria, Deus - ou o Benfica,  mais direito, temos de criticá-la e blasfemá-la. Não há alternativa.

Em contrapartida, os sportinguistas e portistas parecem genuinamente convencidos que apoiam as equipas deles porque são as mais dignas ou as melhores. Desgraçados! Se fossem coerentes, seriam todos adeptos do REAL MADRID, AC MILAN, etc, etc.
No Benfica, não se exige qualquer lealdade. Só se pede, em relação aos adeptos de outros clubes, caridade e comiseração. O Sporting, por exemplo, tem a mania e a pretensão de ser “rival” do Benfica, um pouco como o PSN se julga crítico parlamentar do PSD. Mas, se se tirasse o Benfica ao Sporting, o Sporting deixaria de existir.

O Benfica é um grande clube porque tem história e talento suficientes para não dar importância aos resultados. Tem uma tradição de “nonchalance” e de pura indiferença que não tem igual nos grandes clubes europeus. O Benfica não joga - digna-se jogar. Não joga para vencer - vence por jogar.

Odeio futebol. Mas amo o Benfica.

As opiniões de quem gosta de futebol são suspeitas. Claro que os sábios são do Benfica. Mas a força deste grande clube está nos milhões que são benfiquistas apesar do Benfica., apesar do futebol, e apesar deles próprios.

Em contrapartida, aposto que a totalidade de pessoas que são do Sporting ou do Porto, por infortúnio pessoal ou deficiência psicológica, são sócios. A força do Benfica, meus amigos, está em quem não paga as quotas, que não vai a jogos, quem não sabe o nome dos avançados - isto é, no resto do mundo.

O Benfica, é o Benfica. E o que tem de ser - e é - tem muita força.


Miguel Esteves Cardoso


Legenda: este velho postal do estádio da Luz, ainda sem a totalidade do 3º anel, pertence à numerosa colecção de postais da Aida.

É PERMITIDO AFIXAR ANÚMCIOS

QUOTIDIANOS


Apenas dizem o essencial.
Nunca falam sem pensar e, sabe-se então, que poupar as palavras é sábia filosofia.
Esta poderia ser uma velha história passada com alentejanos, que as há semelhantes.
Mas não.
Esta é contada por Walter Benjamim, no preâmbulo do livro de Robert Walser , Gata Borralheira; Branca de Neve; A Bela Adormecida e que, com toda a certeza, nem sabia onde ficava o Alentejo.

Um dia Arnold Bocklin, seu filho Carlo e Gottfried Keller estavam na taberna, como habitualmente. As suas libações eram conhecidas desde longa data pelo carácter fechado e taciturno dos convivas: uma vez mais encontravam-se calados. Após um longo momento o jovem Bocklin observou: “Está calor”, e um quarto de hora depois, o velho: “Há falta de ar.” Keller, pelo seu lado, esperou um momento; a seguir levantou-se, proferindo as seguintes palavras: “Não quero beber com gente tão palradora.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

BOLAS PR'O PINHAL!


O futebol é semelhante em tantas coisas ao cinema que talvez por isso o seu mundo nunca tenha sido transportado para o ecrãn: pareceria uma redundância.

Javier Marías

QUOTIDIANOS


Título do Correio da Manhã de hoje.

DO BAÚ DOS POSTAIS


Almoçageme, Largo da República.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

BOLAS PR'O PINHAL!


E quando, na alfândega, perguntaram ao grande craque de futebol se tinha alguma coisa a declarar, ele respondeu, convicto: - Com a ajuda de Deus, espero vencer.

OLHARES


Lisboa, Alto do Pina, em tempo de Euro.

Imperial bem tirada e bem fresquinha
Só aqui no Pereirinha.

AUTO-RETRATO


Fragmento de um auto-retrato que Álvaro Guerra publicou, em Fevereiro de 1990, no Diário de Lisboa.

RECADOS


Esta é a contracapa de No Jardim das Paixões Extintas de Álvaro Guerra.

O editor Nelson de Matos refere-se ao texto que nela é reproduzido, numa nota que escreveu para a 2ª edição do livro:

No Jardim das Paixões Extintas é o último romance de Álvaro Guerra.
Deixou-o escrito, provas revistas, totalmente preparado, com todas as indicações para o que gostaria de usar na capa, poucos dias antes de falecer.
O texto amargo e impressionante que utilizamos na contracapa deste livro, ditou-o propositadamente no dia anterior. Ao seu falecimento.
Com o muito pesar que sentimos com o seu desaparecimento (a ausência de um amigo e de um autor que nos era querido), não pode o editor deixar de atrever-se a considerar que estamos perante um romance de despedida, todo ele tecido com o maior cuidado. Dolorosamente consciente disso mesmo, em muitos dos seus aspectos.
Ao futuro entregarei sempre o melhor do meu passado – diz ele no texto da contracapa. Este livro que a Dom Quixote lança no mercado na data que com o Autor havia acordado passa, a partir de agora, a fazer parte integrante do melhor do seu honroso passado.

OLHAR AS CAPAS


No Jardim das Paixões Extintas

Álvaro Guerra
Capa: Henrique Cayatte
Publicações Dom Quixote, Lisboa Setembro 2002

Viver com o terror, sobreviver ao horror… Só os nossos olhos fechados para os outros, para os que vivem e sobrevivem entre os despojos e os desperdícios, só os nossos olhos cegos à beira do barranco nos mantêm no mundo que não vemos ou ignoramos. Das margens do Letes regressei, prometendo o bem enquanto durara a memória do medo e do sofrimento, íntimo de margens ignotas, de nítidas noites negras, definitivas, reavaliando o tempo perdido, o irremediável e a ténue vontade de reconstruir a alma contestada pelo despotismo da matéria.
Ao reencontrar, finalmente, o frio amável do primeiro dia claro, com a emoção do náufrago dando à praia, com promessas de muito boas obras e do resto dum futuro digno, sobretudo habitado pela mulher que me trazia do outro lado da vida., mão na mão, entrou-nos pela casa dentro o outro medo. Uma civilização começava a ruir, como uma atlântida a gerar o enigma. O medo era, portanto, uma boneca russa, cada medo escondendo o seguinte, até à última surpresa. E, então o sobrevivente que eu era recusou uma vez mais a morte, na mais recente roupagem do terror geral. Até à próxima.

NASCER, CRESCER COM O MEDO...


Gosto de ler jornais antigos.

Coloco-os, aleatoriamente, num cesto a um canto da sala e, volta e meia, pego num.

Foi assim que peguei no Jornal de Letras de 3 de Abril de 2002.

Álvaro Guerra respondia ao inquérito: O Que Anda a Ler?

Entre outras coisas, queria voltar a ler La Terre des Hommes.

A 18 de Abril, Álvaro Guerra, morreu de paragem cardíaca.

Nasci com o medo. Com o medo cresci e me fiz homem. Com o medo me aproximo do fim do meu passeio pelo jardim das paixões extintas.

Nunca saberemos se voltou a ler Saint-Exupéry.

terça-feira, 26 de junho de 2012

BOLAS PR'O PINHAL!


A fábrica de automóveis Autoeuropa, em Palmela, vai interromper a produção às 19.40 de quarta-feira para que os trabalhadores assistam à transmissão do jogo Portugal-Espanha, das meias-finais do campeonato europeu de futebol.

 Segundo um comunicado da Comissão de Trabalhadores, a administração da empresa concordou em adaptar os horários de refeição do turno da tarde para que todos os trabalhadores jantem antes da transmissão televisiva do jogo.

Assim, a produção do turno da tarde será interrompida às 19:40 e retomada dez minutos depois de terminar o jogo, mantendo-se o horário de saída à meia-noite.

Moral da história: quando há empresários inteligentes, todos ficam a lucrar.

MARCADORES DE LIVROS

ITINERÀRIOS


Lido, há muitos anos, no Público:

Este longo percurso acontece uma vez por ano, entre a Primavera e o Verão. Abel Neves sai de sua casa, no Largo da Graça, em Lisboa, e, depois de muitas horas de viagem, chega ao seu rústico palheiro em Pitões das Júnias, situado no coração do parque Nacional da Peneda-Gerês.


E, de facto, estes dois lugares não podiam ser mais distantes. Em todos os sentidos. “No largo onde vivo, num espaço de 100 metros, há de tudo: os bombeiros, uma padaria, a sede do PC, uma retrosaria, um quartel, uma lavandaria, uma sapataria, uma loja chinesa, bancos, cafés, um supermercado, uma livraria, um cinema. Tenho a impressão que não há um lugar tão completo como este. Em Pitões, pelo contrário só existem três cafés e a Casa do Povo, que alberga os Gaiteiros de Pitões”, explica o escritor. No entanto, não será sim tão estranho se pensarmos que esta localidade do concelho de Montalegre tem apenas 226 habitantes resistentes que lidam co9instantemnete com o clima inóspito e os difíceis acessos da serra.


Legenda: fotografia de José Alves.

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


Sou muito pessimista porque creio que o público já não tem simpatia pelo grande ecrã. Mas não quero continuar a repetir as razões que seriam a causa da desafeição do público: a televisão, o medo de sair à noite, as repugnantes condições do cinema em Itália. O público perdeu o hábito de ir ver um filme porque o cinema perdeu o seu fascínio, o carisma hipnótico, a autoridade que outrora teve. A autoridade que outrora teve para todos nós — a de um sonho que sonhámos de olhos abertos — desapareceu. Será ainda possível que 1000 pessoas possam reunir-se às escuras e fazer a experiência do sonho dirigido por um único indivíduo?

Federico Fellini

segunda-feira, 25 de junho de 2012

BOLAS PR'O PINHAL!

Foi quando, quase ao findar do dia, sentiu um enorme vazio, a sensação estranha de lhe estar a faltar qualquer coisa.
Parou, por um instante, deu voltas à cabeça. Não, não eram as medidas asfixiantes que o governo lhe impôs, nem outras que já vêm caminho, qualquer coisa de uma outra angústia que, no calor da noite, o asfixiava ainda mais.
De repente, fez-se luz:
Pela primeira vez, desde que o Euro 2012, no já um pouco distante dia 9 de Junho, começou, a televisão não transmitiu um jogo de futebol.
Entendeu melhor os brasileiros quando dizem que o futebol foi a razão para Deus descansar ao 7º dia.
Foi então que a poesia lhe trouxe a memória da infância:

ah a porta é tão vaga andrógina epicena e tudo é tão de pranto
tão frenético, tão simples e complicado
apesar de tudo amo esta grande aposta este repto
que me lançam vagamente
para sentir como se Kafka voltasse ao mundo para morrer de
novo incógnito
não esqueço nem os barcos da Nazaré nem o Benfica da Taça
Latina
o meu avô e o barrete e o copo de vidro grosso cheio de sarro
porque ainda aí o mal entendido da memória não se confun-
diu com salazarismo
- quem dera que lesses isto oh Ruy Belo

Poema de Levi Condinho em O Desporto na Poesia Portuguesa, antologia organizada por José do Carmo Francisco, Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, Lisboa 1989, capa de António Carmo.

UM DOMINGO DE SOL


Aproveitaram o domingo de sol e, segundo o Público, ministros e secretários de Estado encheram a sala D. João VI do Palácio da Ajuda, também conhecida por sala de baile, para assinalar um ano de Executivo.

Passos e Portas dividiram a meias uma declaração.

O segundo fez o balanço e o primeiro anunciou objectivos.

Receia-se o pior, porque Passos Coelho, desgravatado, disse:

Estivemos a fixar novas metas para o futuro.

Que fique claro, por mais duro que seja, e é uma realidade bastante dura, não há em parte nenhuma do mundo forma de vencer uma crise económica associada a défices excessivos e a dívidas insustentáveis sem problemas sociais ou sem políticas restritivas.

Quando os jornalistas se preparavam para fazer perguntas, sorriram e foram às suas vidas.

Do nosso futuro, de como o governo vai resolver o acertar das contas do Estado, oportunamente saberemos.

O governo reconhece falhas no programa que estabeleceu, mas nada mais diz.

De seguro temos que não irão cortar nas gorduras do estado que, após um ano, continuam no seu esplendor.

Claro que o remédio será bater às portas dos do  costume… se ainda tivermos portas…

António Filipe, deputado do PCP, há instantes, durante a discussão da moção de censura

Na situação atual, só tem uma de três possibilidades: renegociação da dívida, medidas de austeridade inaceitáveis, ou demitir-se. Não sendo possível mais medidas de austeridade, só lhe restam dois caminhos, renegociar a dívida ou a demissão. Qual dos caminhos quer seguir?

As medidas de austeridade são medidas injustas, que recaem sobre os mesmos de sempre e isenta os mesmos de sempre, os agiotas e os exploradores, e provoca uma espiral recessiva. O que fizeram os portugueses para merecer isto? Foram os portugueses responsáveis pelo escândalo do BPN e dos submarinos? Não foram! O erro dos portugueses foi confiar o Governo nos partidos da troika.

OS CROMOS DO BOTECO


Claro que já sabem, não querem é reconhecer: faltam 184 dias para que volte a ser Natal!

SARAMAGUEANDO



O ter publicado aqui uma carta de Jorge de Sena para José Saramago, leva-me a que junte algumas palavras que Saramago diz sobre Sena e que se podem encontrar na Longa Viagem que fez com João Céu e Silva:

«Eu conheci o Sena. Não muito bem, sem qualquer intimidade a não ser aquela que depois resultou de quando ele se foi de Portugal. Além de ser um grande tradutor, tinha uma característica raríssima – e eu não conheço outro caso -, é que a cada tradução que fazia acrescentava-lhe um estudo, o que dava ao editor essa enorme sorte de não se limitar ao que já era. Enquanto eu estava na Editorial Estúdios Cor correspondemo-nos por razões de trabalho e reencontrámo-nos quando veio a Lisboa depois de 1974 uma vez ou duas – uma por ocasião de um congresso de escritores em que casualmente ficámos sentados ao lado um do outro e conversámos – mas a partir daí os contactos romperam-se, não por qualquer motivo de ordem pessoal mas porque nós não publicámos mada mais dele. Digamos que as coisas ficaram por ali e por isso no que se refere ao aspecto pessoal da questão não posso considerar-me um amigo ou um grande amigo de Jorge de Sena.

Mas houve uma troca de correspondência desde 1961!

Sim, havia e eu confidenciei-lhe alguns problemas que tinha na altura, mas essas cartas estão aí e se algum dia forem publicadas ver-se-á até onde chegou em comunicação e, digamos, em intimidade. Agora, no que se refere à resposta mais directa à pergunta “e porquê o Jorge de Sena?”, como eu dizia atrás, Jorge de Sena não está esquecido pelos seus leitores. Não sei é como estamos em relação às novas gerações e dos mais novos com a obra dele. Alguns haverá aí – por obrigação ou por gosto espontâneo – que lêem ou leram o Jorge de Sena. Duvido que sejam muitos e eu não penso que o vamos fazer neste dia seja uma espécie de passe de mágica que vá transformar essa situação noutra completamente diferente, com Portugal inteiro correndo às livrarias à procura dos livros do Jorge de Sena, coisa que estrai muito bem se o fizessem, mas, enfim, não sejamos ingénuos. Esta grande admiração pessoal tem a ver por ele ser o tipo de pessoa que eu aprecio: frontal. Às vezes mesmo violento na expressão, basta recordar o célebre discurso da Guarda em que ele deita água gelada nas fervuras patrióticas (da Revolução de Abril) que se esperavam e que aconteceram realmente. Nessa comemoração disse: “Vocês estão a comemorar um país que não existe e eu venho aqui dizer-lhes que este país temos, pelo menos em minha opinião”. Isso não caíu bem no espírito das supostas massas pensantes, se o eram, desta terra. Sobretudo numa época em que o optimismo era obrigatório, pois se se tinha feito a revolução o que é queríamos mais? Já não tínhamos fascismo… Também não tínhamos democracia, mas pelo menos o céu estava limpo das nuvens de cinquenta anos. Porém, não se percebeu naquela altura, ou percebeu-se mal, ou alguém que o percebeu não o quis explicar ou não o soube explicar, que não se passa assim ligeiramente de uma situação de ditadura para uma situação democrática. Que não é em 24 horas, não foi sequer em 24 meses e já passaram os anos que já passaram e sabemos como é, não só em relação a Portugal, como em relação ao mundo a quase farsa trágica que é a utilização do conceito de democracia na retórica política quando vemos perfeitamente que a realidade desmente isso todos os dias. Mas há uma espécie de consenso com que estamos todos de acordo – ou pelo menos a maioria está de acordo – numa mentira. Porque poderá existir um dia uma democracia que se respeite a si mesma e que mereça o nome que tem, mas agora mesmo não existe. Basta ver o que se passa com toda essa questão da especulação do preço do petróleo que é apenas um efeito da economia que está a acontecer à sombra da democracia e que tem modos de autojustificação que acabam por convencer ou iludir as pessoas… E o Sena que, como bom cidadão que era – deveria estar contente com a revolução – e estava – mas teve a sensibilidade e o tacto para perceber que aquilo era uma espécie de capa brilhante e luzidia; que por trás dela o país continuava a ser o que era e é aquilo que sempre foi e que continua a ser só que com algumas mudanças. Então, este modo de ser do Jorge de Sena agrada-me! Evidentemente que se pode dizer que ele era imprudente ou demasiado expressivo no modo como classificava os factos e como punha o dedo nas feridas desta terra e que são bastantes. Se o Sena estivesse vivo, creio que hoje encontraria maia razões para indignar-se do que aquelas que com toda  a justiça encontrou nessa altura, porque nessa era simplesmente uma democracia que se anunciava, que não se sabia muito bem onde é que chegaria e também não tínhamos ideia do que era viver em democracia e, por isso, íamos andando – para recordar o António Machado – à espera de fazer o caminho. E hoje, depois de todo este caminho andado, não só as desilusões mas frustrações e as decepções parecem inseparáveis da chamada condição humana, porque sempre temos tendência para crer que agora é que é e depois não será. Foi este conjunto de razões que nos levou a pensar que a Fundação não tinha sido criada para enaltecer as minhas qualidades e virtudes – ad majorem gloria – mas para dizer e fazer qualquer coisa de útil social e culturalmente através de uma activ9idade pensada e com uma sequência que lhe permitisse tomar pé no conjunto das actividades culturais do país. Não para recuperar, porque as obras estão aí e, portanto, não o precisam, mas em alguns casos necessitam simplesmente que se faça alguma coisa para chamar a atenção, para dizer às pessoas “olhe lá, você tem muitas razões para estar distraído, tem preocupações na vida mas está aqui isto” e aquele que se apresentou foi de facto o Jorge de Sena.»


Legenda: pormenor da crítica de José Saramago ao livro Novas Andanças do Demónio de Jorge de Sena, pág.161 da Seara Nova nº 1460, Junho de 1967.

POSTAIS SEM SELO


O dia entra na noite. A noite entra no dia. E os relógios observam isto, excitados e silenciosos, como os velhos mirones atrás das dunas.

Rui Manuel Amaral

Legenda: pintura de Daniel Bourbonnais

domingo, 24 de junho de 2012

BOLAS PR'O PINHAL!



João Gobern, comentador de futebol num programa de televisão, foi dispensado por ter recebido a notícia de um golo do Benfica com um festejo contido. A RTP dispensou-o por ter festejado; eu tê-lo-ia dispensado por ter festejado contidamente. Celebrar um golo de qualquer clube é um acto de liberdade. Celebrar um golo do Benfica é um acto de liberdade e de bom gosto. Quem contém a liberdade e o bom gosto merece castigo.

Aqueles que acusaram a RTP de perseguição aos vermelhos estavam certos apenas em parte. Este novo macartismo é, na verdade, daltónico. Amanhã acontecerá o mesmo com adeptos do Sporting, do Porto, do Braga, do Arrifanense. Não se admite que quem fala de futebol goste de futebol. Quantos dos nossos amigos que se interessam por futebol e gostam de falar sobre ele não têm clube? Quantos dos que apreciam literatura não têm escritores preferidos? Quantos dos que sabem de música não se emocionam mais com um compositor do que com outro? E, no entanto, a esmagadora maioria dos comentadores de futebol que vemos na televisão não tem clube preferido. São apenas entusiastas assépticos das transições defensivas, burocratas da basculação, geómetras do duplo pivô. Não são exactamente seres humanos. São semideuses que não se deixam afligir pelas paixões da alma.

Ora, estes comentadores, tal como João Gobern, não relatam factos, comentam. Exprimem opiniões. O que torna o seu trabalho muito mais difícil, uma vez que os robôs não têm opiniões. Os comentadores políticos podem manifestar a sua preferência por determinado programa político ou líder partidário. Nenhuma estação dispensa um crítico de cinema quando exprime regozijo por um filme ou um artista da sua predilecção ter vencido um prémio. No futebol, talvez por ser matéria mais importante que a política e a arte, não se admitem gostos.

Há uma única excepção. Quando a brava selecção lusitana defronta a estrangeirada bárbara, não só os comentadores como os próprios jornalistas podem festejar o que quiserem, designadamente atirando ao ar os papelinhos que resultaram de terem rasgado o código deontológico. No futebol, o amor à pátria é o único que se tolera.

Parece-me mais proveitoso que quem exprime opiniões sobre futebol tenha mesmo opiniões sobre futebol. E parece-me mais honesto que não as esconda. Pessoalmente, nunca escondi que sou do Benfica, não por uma questão de honestidade mas de imodéstia: ser benfiquista é a minha melhor qualidade – se não for a única. E não tenho grandeza de carácter suficiente para a manter secreta. Um adepto do Vasco da Gama chamado Carlos Drummond de Andrade escreveu: “Para o diabo vá a razão quando o futebol invade o coração.” Felizmente, a RTP já não foi a tempo de lhe mergulhar o coração em formol.

Ricardo Araújo Pereira, Visão, 12 de Abril de 2012.

E FICOU ACENANDO


Juliette passou-lhe os braços em torno do pescoço e beijou-o em ambas as faces. Depois na testa, na boca, quase ritualmente. Francisco saltou para o estribo do comboio. “Que parta, que parta depressa!” Antes das palavras, antes de o sorriso dela se desmanchar…
Juliette deu ainda uns passos, quando a locomotiva se pôs em marcha, e ficou acenando, com um piedoso sorriso, fora do tempo – estampada em eternidade.

Urbano Tavares Rodrigues em Vida Perigosa, Livraria Bertrand, Lisboa 1955.

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

À CONVERSA...


Perguntaram-lhe:

Qual a razão para uma obra tão escassa?

Respondeu:

Escrevo os poemas à noite, mas relei-os à luz do dia, e nem todos sobrevivem.

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS

sábado, 23 de junho de 2012

QUOTIDIANOS


O primeiro-ministro afirmou hoje que o Governo está a analisar com muita atenção em que medida a quebra de receitas fiscais pode pôr em causa o objetivo do défice, mas que é cedo para falar em novas medidas de austeridade.

Mesmo não percebendo nada, mas mesmo nada, de economia e finanças, os portugueses viram logo que o objectivo do défice muito dificilmente, mas mesmo muito, seria alcançado.

Quando o governo diz que está a estudar a situação, não poderemos esquecer que, há dias, o brilhante Miguel Cadilhe, lançou a bisca que o governo deveria lançar um imposto extraordinário sobre 4% da receita líquida dos cidadãos.

Desconhecem-se pormenores sobre como será este novo imposto, mas todos os nossos receios são legítimos mas, necessariamente, atingirá os suspeitos do costume.

O tasqueiro onde, por vezes, como umas bifanas e uns carapaus de escabeche, quando soube do novo imposto do IVA sobre a restauração, disse logo:

- Estão-me a convidar para a evasão fiscal. O que eles querem que eu faça é que diga aos clientes que, se não quiserem pagar mais, terão que prescindir da facturazinha.

Clarinho como água, excepto para a os senhores do governo que se deixaram (?) embalar pelas tretas dos troikianos...

MARCADORES DE LIVROS

OLHAR AS CAPAS


A Um Deus Desconhecido

John Steinbeck
Tradução de Manuel do Carmo
Capa de Sebastião Rodrigues
Colecção “Os Livros das Três Abelhas”nº 61
Publicações Europa-América, Lisboa Outubro de 1963

Depois de armazenadas as colheita na herdade dos Waynes, perto de Pittsford, em Vermont, depois de cortada a lenha para o Inverno e de terem caído as primeiras neves, Joseph Wayne, ao cair duma tarde, foi ter com o pai, que estava sentado no seu cadeirão ao pé do fogo, e parou, de pé, diante dele. Os dois homens eram semelhantes. Ambos tinham nariz grande, malares altos e duros; as caras dir-se-iam feitas de qualquer material mais rijo e durável do que a carne, de qualquer substância pétrea que não se alterasse facilmente. A barba de Joseph era negra e sedosa, ainda fina, a deixar ver o contorno sombrio do queixo. O velho tinha uma barba comprida e branca. Cofiava-a aqui e ali com dedos cautelosos e aconchegava-lhe as pontas cuidadosamente para as proteger. Só depois de um momento o velho notou que o filho estava ao seu lado. Ergueu os olhos, olhos velhos, sábios e plácidos e muito azuis. Os olhos de Joseph eram tão azuis como os dele, mas ferozes e curiosos de juventude. Agora, que enfrentava o pai, Joseph hesitava na sua nova heresia.
“A terra vai deixar de bastar, senhor pai”, disse ele humildemente.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

BOLAS PR'O PINHAL!


Não poderíamos contratar o Ronaldo para dar uma cabeçada assim na austeridade ?

Vitor Dias em O Tempo das Cerejas 2

QUANDO OS PORTUGUESES SE AGIGANTAM E SUPERAM OS GRANDES DESAFIOS


O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, diz que o apuramento da Seleção Nacional para as meias finais do Euro-2012 é um motivo de regozijo e orgulho para Portugal e os Portugueses.

Demonstrando desportivismo, determinação e vontade de vencer, os elementos da nossa seleção voltaram a provar que, nos momentos mais difíceis, os Portugueses se agigantam e superam os grandes desafios que lhes são colocados, escreveu o Presidente da República, numa mensagem enviada à Federação Portuguesa de Futebol.

No texto, divulgado na página da Presidência da República, Cavaco Silva manifesta o desejo da continuação, na próxima fase do Euro2012, dos sucessos já alcançados até aqui, que dignificam o futebol português e contribuem para a projeção internacional do país.


Citação de A Bola.

POSTAIS SEM SELO


Acabaram com a agricultura, com o tintol a martelo, com as morcelas caseiras, com o tabaco nos restaurantes, com o escudo, com a frota pesqueira, com o Aquilino nas escolas, com a tropa obrigatória. Agora espantam-se porque o povo só se sente patriota com a selecção? Pensassem nisso antes.

Filipe Vicente

quinta-feira, 21 de junho de 2012

OS CROMOS DO BOTECO

A VOZ DO DONO


Num longo documento de 48 páginas, três dos cinco sábios da ERC, acharam por bem concluir que o ministro Relvas não fez pressões ilícitas, quer sobre o jornal Público, quer sobre a jornalista Maria José Oliveira.

Estes três sábios da ERC, sentam-se nas cadeiras da casa por escolha e decisão do governo.

Poderia alguém ter dúvidas sobre qual seria a conclusão do iinquérito?

Jamais.

Donde nunca se estranhar a calma, a absoluta serenidade, o sorriso ao canto da boca, com que o ministro Relvas se passeou durante toda esta trapalhada. De experiênci e saber feitos ele sabe quão poderosa é a voz do dono.

Do editorial do Público de hoje:

O que concluiu a entidade reguladora sobre isto? Não se consegue perceber.

A ERC dá como provado que o ministro Miguel Relvas estava "visivelmente irritado" quando telefonou à editora de Política do PÚBLICO e conclui que a "actuação" do número dois do Governo de Passos Coelho "poderá ser objecto de um juízo negativo no plano ético e institucional". E pouco mais.

Lembrar ainda que estes cinco rapazes, bem como o resto da companhia, são pagos por dinheiros públicos.

E não é pouco!

BOLAS PR'O PINHAL


Vi gente chorando na rua, quando o juiz apitou o final do jogo perdido; vi homens e mulheres pisando com ódio os plásticos verde-amarelos que até minutos antes eram sagrados; vi bêbados inconsoláveis que já não sabiam por que não achavam consolo na bebida; vi rapazes e moças festejando a derrota para não deixarem de festejar qualquer coisa, pois seus corações estavam programados para a alegria; vi o técnico incansável e teimoso da Seleção xingado de bandido e queimado vivo sob a aparência de um boneco, enquanto o jogador que errara muitas vezes ao chutar em gol era declarado o último dos traidores da pátria; vi a notícia do suicida do Ceará e dos mortos do coração por motivo do fracasso esportivo; vi a dor dissolvida em uísque escocês da classe média alta e o surdo clamor de desespero dos pequeninos, pela mesma causa; vi o garotão mudar o gênero das palavras, acusando a mina de pé-fria; vi a decepção controlada do presidente, que se preparava, como torcedor número um do país, para viver o seu grande momento de euforia pessoal e nacional, depois de curtir tantas desilusões de governo; vi os candidatos do partido da situação aturdidos por um malogro que lhes roubava um trunfo poderoso para a campanha eleitoral; vi as oposições divididas, unificadas na mesma perplexidade diante da catástrofe que levará talvez o povo a se desencantar de tudo, inclusive das eleições; vi a aflição dos produtores e vendedores de bandeirinhas, flâmuIas e símbolos diversos do esperado e exigido título de campeões do mundo pela quarta vez, e já agora destinados à ironia do lixo; vi a tristeza dos varredores da limpeza pública e dos faxineiros de edifícios, removendo os destroços da esperança; vi tanta coisa, senti tanta coisa nas almas...

Chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos preparados, de tanto não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de renovação da vida. Tanto quanto a vitória estabelece o jogo dialético que constitui o próprio modo de estar no mundo. Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de detritos: começar de novo.

Certamente, fizemos tudo para ganhar esta caprichosa Copa do Mundo. Mas será suficiente fazer tudo, e exigir da sorte um resultado infalível? Não é mais sensato atribuir ao acaso, ao imponderável, até mesmo ao absurdo, um poder de transformação das coisas, capaz de anular os cálculos mais científicos? Se a Seleção fosse à Espanha, terra de castelos míticos, apenas para pegar o caneco e trazê-lo na mala, como propriedade exclusiva e inalienável do Brasil, que mérito haveria nisso? Na realidade, nós fomos lá pelo gosto do incerto, do difícil, da fantasia e do risco, e não para recolher um objeto roubado. A verdade é que não voltamos de mãos vazias porque não trouxemos a taça. Trouxemos alguma coisa boa e palpável, conquista do espírito de competição. Suplantamos quatro seleções igualmente ambiciosas e perdemos para a quinta. A Itália não tinha obrigação de perder para o nosso gênio futebolístico. Em peleja de igual para igual, a sorte não nos contemplou. Paciência, não vamos transformar em desastre nacional o que foi apenas uma experiência, como tantas outras, da volubilidade das coisas.

Perdendo, após o emocionalismo das lágrimas, readquirimos ou adquirimos, na maioria das cabeças, o senso da moderação, do real contraditório, mas rico de possibilidades, a verdadeira dimensão da vida. Não somos invencíveis. Também não somos uns pobres diabos que jamais atingirão a grandeza, este valor tão relativo, com tendência a evaporar-se. Eu gostaria de passar a mão na cabeça de Telê Santana e de seus jogadores, reservas e reservas de reservas, como Roberto Dinamite, o viajante não utilizado, e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por tudo, e bem o compreendemos em sua doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos.

E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já está na segunda metade?

Carlos Drummond de Andrade, em Quando é Dia de Futebol, crónica publicada no Jornal do Brasil de 7 de Julho de 1982 

OVOS E ESTATISTICAS


A crónica de Manuel António Pina, hoje, no Jornal de Notícias:

Em países como Portugal, onde o fosso entre ricos e pobres é cada vez maior, as estatísticas trazem sempre boas notícias. Assim, os portugueses ficaram ontem a saber pelo INE que vivem num país onde o rendimento médio líquido (líquido!) das famílias é de 1984 euros por mês.

Muitos hão-de estar a matutar sobre quem lhes ficou com o que falta aos 1984 euros líquidos mensais que a sua família terá recebido entre Março de 2010 e Março de 2011, e esse é o lado bom das estatísticas: dão que pensar. É conhecido o dito segundo o qual, se alguém comeu dois ovos e outrem não comeu nenhum, para as estatísticas comeram ambos um. Infelizmente, a maioria dos portugueses apenas tem hoje para comer os ovos estatísticos de que se alimentam os discursos políticos, que passam quase sempre ao largo do facto de, por cada família a auferir, por exemplo, 19 840 euros mensais (já nem falo das que auferem 198 400), ter que haver dez outras a sobreviver com 198,4.

Os números do INE dão também uma ideia do que é a evasão fiscal entre nós: em 2009, enquanto os trabalhadores por conta de outrem ganharam em média 11 378 euros anuais, os profissionais liberais ganharam... 1593 (isto é, 132 miseráveis euros por mês). O meu coração sangra de comiseração: como é que os médicos, advogados, economistas, engenheiros, etc., que trabalham por conta própria conseguem pagar as rendas dos consultórios?

quarta-feira, 20 de junho de 2012

DO BAÚ DOS POSTAIS


Monserrate.
Postal enviado pelo Armindo em 18 de Setembro de 1967.

POSTAIS SEM SELO


E havia uma rua. Havia uma casa.
Havia um cesto de cerejas sobre a mesa.
Havia um puro cheiro a pão. Uma varanda
e roupa branca  a secar.
Havia um a pátria.

Manuel Alegre em O Canto e as Armas, Edição de Autor, Novembro 1967.

Legenda: óleo de Bernard Londinsky.

terça-feira, 19 de junho de 2012

BOLAS PR'O PINHAL!


Os 368 jogadores das 16 selecções que estão presentes no Euro 2012, foram avaliados em 3,8 mil milhões de euros.

KOLN CONCERT NO ÍNDICO


O concerto de Colónia espalha-se pela baía até ao limite das nuvens
ao tremer das águas sucessivo segue o altear do piano em seu espasmo infinito
esqueço-me do rumor das casuarinas
esqueço-me de todos os sons
apenas o crescendo desse revolver do piano no interior das águas

e chove tanto de súbito no mar
chove essa chuva quente e boa
que se dilui água na água

transparente o azul chumbo de uma linha no horizonte desenha estranha contemplação dos anos uns sobre os outros rolam nas notas do piano
como uma odisseia formidável

um redemoinho sem sossego tão sossegado e brando
aqui pousado nesta janela por onde entra toda a paisagem do Indico
entretecida do concerto de Colónia
aqui na baía com dois barcos que passam ao longe
e no seu passar passam com eles os meus breves dias, a respiração do tempo bate devagar dentro das águas
pousadas as nuvens em longo sofá azul esmaecido repousam do céu a luz do impreciso devir

não sei se me apetece falar
todos os sons são mais precisos que os da fala
por isso apenas ouço
desde que nasci que ouço
todas essas vozes que caminham em silêncio pela garganta do mundo e estremeço de admiração
pelas múltiplas raízes do seu correr de sentidos
as nuvens entretanto ficam azul escuro
e corre uma brisa devagarinho pela margem do esquecimento
acordo para a noite e percorro com o olhar a verdadeira face do silêncio nestas notas que correm o piano em que o concerto nunca mais acaba
devolvido à redundância de um solfejo a prumo na quilha do mar adormeço

desse sono que é ser em devir em deriva
desse sono que é memória perdida lançada nas redes que deixei que deixo que deixarei ao longo desta costa neste mar que me devolve ao estado de ser perpétuo

pouso a cabeça entre os joelhos e o mar continua a entrar pela varanda invade a mesa e alaga a casa de azuis ultramarinos, meia noite, esmeralda turmalina nas notas de Keith Jarrett vibradas ao encontro daquelas amuradas de nuvens e destes sofás de ouro que a noite traz cheia com sua lua enlouquecida de tão gravitada em luz
obesa de laranja e fruta etérea caminha por sobre as águas como se fosse em direcção ao infinito
assim vai lenta e vagarosa a atravessar aquele horizonte do silêncio em que o mar descobre mais para diante a ilha de Madagáscar

no seu pangaio de luz a lua vai nua
e já quase branca
ofélia-da-índia
rumor de sonho
deitada em sua morte iluminada faz chorar os muezins nos píncaros dos minaretes mais a norte
dizem que hamlet enlouqueceu
e com ele toda a costa deste castelo desta amurada índica
sopram búzios a levante keith jarrett mergulha no mar com seu longo piano de cauda e as notas ouvem-se lentas a trinta e três rotações

porque me esquece o coração de ser? porque tão estranho esquecimento me povoa ? a porta abre-se de repente com o vento e entra de novo a brisa índica pela mão de jarrett em múltiplos acordes
o seu piano emergiu das águas e atravessa agora a planura ondeante deste horizonte em que não acabo e a que pertenço como um silabar de música ausente desde que nasci neste lugar neste ondear interminável da memória

quem sabe um dia estas águas serão mais serenas já quase próximas de não se ouvirem os rumores que fazem quando o bater das ondas chega próximo do coração chega próximo desse lugar apetecido donde se parte como de um cais sempre em viagem de navio fantasma
que o tempo o traz nos seus inumeráveis regressos
demanda impossível em allegro andante ma non tropo jarrett suspira e o mar de novo ondeia pelas semibreves que o quase extâse vibrou em mi maior quando lua de novo se despiu das nuvens e mostrou seu perfil cheio entregue ao fim desta noite talvez ao começo da próxima e de tantas outras que hão-de vir sobrepostas e lentas

aqui neste sossego sem qualquer memória em que apenas o concerto de colónia se entranha num tempo agora ouvido
junto ao coração em jazz estribado a horizontes perdidos por ti keith jarrett no meu mar índico agora cor de azul meia-noite em mim navegando com barcos fosforescentes que singram altos em acordes longe e longamente soprados

em soltos panos de lua

Ana Mafalda Leite

Nota do editor: Este poema de Ana Mafalda Leite, à volta do Concerto de Colónia de Keith Jarrett, encontrei-o em Poezz, uma antologia que reúne o jazz na poesia portuguesa, organizada por José Duarte.
Para a sua transcrição do poema servi-me do blogue da autora Uma forma desconhecida.
Ana Mafalda Leite é filóloga, professora universitária, nascida em Portugal mas a viver em Moçambique.

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


Lisboa.
Manteigaria Silva, Rua D. Antão de Almada, 1.

POSTAIS SEM SELO


-   Lá fora apagaste a luz, amor?
-   Apaguei.
 -    E fechaste o gás, meu amor?
-    Sim , fechei.
-    Mas há uma porta que range... Tinha de ser...
-    Eu vou fechá-la, amor, eu vou já ver. Era a porta da varanda. Abria-a de para em par. A fresca noite entrou. É noite. É Junho, amor, e estamos vivos. E não estamos sòzinhos. Oh, esta alegria de não estarmos sós.

Isabel da Nóbrega em Viver com os Outros, Portugália Editora, Lisboa Outubro 1965.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

BOLAS PR'O PINHAL!



Sou sensível ao argumento de que os portugueses precisam de uma alegria, mas temo que um bom desempenho possa “alienar” ainda mais os “tugas dos problemas do paóis e das trapalhadas e omissões do Governo. E se há alguém que seguramente não merece que Portugal vá longe, é Miguel Relvas.

João d’Espiney, de uma crónica no Público.

QUOTIDIANOS


Depois de ter sido vaiado pelo povo da Póvoa do Varzim, Sua Excelência, chegado a casa, em seu nome e em nome dos Portugueses, felicitou a selecção de futebol pela sua passagem aos quartos do Euro, e dando os parabéns aos jogadores, disse querer felicitá-los, acima de tudo,  por terem acreditado que era possível estar à altura das expetativas dos Portugueses.

Os portugueses esperavam que Sua Excelência estivesse virado para outras expectativas dos portugueses, aquelas que realmente importam.

Mas Sua Excelência nunca gostou de estar virado para esse lado e, hoje, com o país ainda em festa, promulgou as alterações ao Código do Trabalho, exortando a que, a partir de agora, se assegure a estabilidade legislativa com vista à recuperação do investimento, criação de emprego e relançamento sustentado da economia.

Sua Excelência, à mesa com os rapazes da sua casa civil diz que não foram identificados indícios claros de inconstitucionalidade que justificassem a intervenção do Tribunal Constitucional, chamando a atenção para o facto ter tido presente os compromissos assumidos por Portugal junto das instituições internacionais e lembrando que o diploma foi aprovado na Assembleia da República com os votos favoráveis da maioria de Governo, do PSD e do CDS, com a abstenção do PS, tendo votado contra apenas 15% dos deputados.

Manuel Carvalho da Silva no Jornal de Notícias:

Mais uma vez, de forma ignóbil, o direito do trabalho está no banco dos réus. A proposta de lei relativa à revisão das leis laborais, que se encontra no presidente da República para promulgação, vem de novo, com total ausência de provas e com falaciosos argumentos, responsabilizar o direito do trabalho e os conteúdos concretos dos já parcos direitos dos trabalhadores pelos problemas com que se depara a economia e o país.

É injusto e indigno colocar os trabalhadores, o conjunto dos que prestam trabalho subordinado nas mais diversas formas, os reformados e aqueles a quem é roubado o direito ao trabalho, como responsáveis da crise e a serem grandes pagadores das faturas. É isso que faz o Governo PSD/CDS em várias áreas em particular com a revisão da legislação laboral. Essa revisão visa também matar a esperança de salários dignos e estabilidade laboral para os mais jovens.

domingo, 17 de junho de 2012

MARCADORES DE LIVROS

OLHAR AS CAPAS


O Vento Assobiando nas Gruas

Lídia Jorge
Capa de Henrique Cayate
Publicações Dom Quixote, Lisboa Outubro 2002

Não sejas estúpida, Milene, quando necessário, uma pessoa deve socorrer-se das palavras dos outros. Pois para que servem as palavras dos outros senão para nos servirmos delas?... Vendo bem, nem uma única palavra que pronunciamos é nossa. Alguém as criou antes de nós… Nada nos pertence…
Era como se João Paulo ainda estivesse a entrar pela porta do living-room da avó Regina, como se estivesse a aproximar-se da mesa e a dizer, naquele instante – Ouviste, Milene? Ouviste bem? Nada nos pertence. Nós é que temos a mania…