quinta-feira, 30 de setembro de 2021

EM PORTUGAL...

3 de Abril de 1946

Dizia hoje alguém:

Em Portugal, as pessoas são imbecis ou por vocação, ou por coacção, ou por devoção.

Miguel Torga em Diário, Volume III

NOTÍCIAS DO CIRCO

O governo de Portugal está cansado. Os ministros, uns são fracos, outros não aguentam a pedalada.

O ministro da Defesa, ou alguém por ele, trocou as mãos com os pés, ou vice-versa, e colocou na praça pública a demissão do Chefe de Estado-Maior da Armada, colocando no seu lugar o vice-almirante Gouveia e Melo.

Marcelo Rebelo de Sousa diz que não percebeu e ajudou à trapalhada e falando com os jornalistas, declarou que não demitia ninguém porque ele é o grande chefe das Forças Armadas.

António Costa não gostou e exigiu reunião-em-horas-extraordinárias com Marcelo.

A presidência emitiu lacónico comunicado:

«O Presidente da República recebeu, a seu pedido, o Primeiro-Ministro, que foi acompanhado pelo Ministro da Defesa Nacional. Ficaram esclarecidos os equívocos suscitados a propósito da Chefia do Estado-Maior da Armada

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

SALAZAR? NÃO CONHEÇO!

19 de Abril de 1967

Soube hoje que o Salazar escreveu pessoalmente ao embaixador de Portugal em França a pedir-lhe que organizasse uma homenagem, ou coisa parecida, à pintora Vieira da Silva (que é agora cidadã francesa em virtude do marido ter adquirido essa nacionalidade, depois de lhe negarem a cidadania portuguesa por ser judeu e apátrida).

O embaixador, claro, rata sabida, mandou consultá-la por portas travessas.

Mas a grande pintora europeia limitou-se a responder:

-Salazar? Quem é? Não conheço. Não é das minhas relações.

José Gomes Ferreira em Dias Comuns, Volume II 

AS FOTOGRAFIAS DO VIAJANTE


Cabanas de Viriato.

O céu pode esperar.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

DOS REBOTALHOS E COISAS ASSIM...

O carro oficial do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, ocasionou, na auto-estrada, no dia 18 de Junho, por atropelamento. a morte de um trabalhador.

Os jornais não perdoam que o ministro não tivesse saído do governo pelo seu próprio pé, ou demitido por António Costa.

Amiúde querem saber a que velocidade seguia o carro oficial.

Este é um recorte do Público de 18 de Setembro.

1.

O Diário de Notícias de hoje confirma que um grande número de lisboetas, estava de candeias às avessas com Fernando Medina, principalmente pela confusão lançada no trânsito da cidade por causa das ciclovias.

Não entendem muito bem como uma cidade com sete colinas teria necessidade de tantos desses caminhos.

Se juntarmos ao pormenor, a desastrada campanha eleitoral levada a cabo por António Costa, poderemos ficar a saber das razões dos resultados do PS em Lisboa.

2.

Não era fácil a governação de Lisboa.

Agora, afigura-se de uma dificuldade ainda maior.

As coisas mais importantes são as mais difíceis de dizer.

3.

Fernando Nobre, médico, fundador e presidente da AMI, no tempo do governo de Pedro Passos Coelho, ex-candidato a Presidente da Assembleia da República, esteve presente a apoiar uma manifestação de negacionistas, não aceita a vacinação contra a Covid-19 e recusa-se a usar máscara.

SEMPRE O REGRESSO A CASA...

Junho de 1977

Talvez as viagens, todas as viagens, se façam principalmente pelo lado de dentro. Talvez, quem sabe?, o viajante, procurando um mundo, caminha sempre de regresso a casa.

Porque tudo o que o viajante deixou atrás de si o segue.. A casa é a sombra do viajante. Ele próprio é, provavelmente, apenas a sua sombra.

Manuel António Pina em Crónica, Saudade da Literatura

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

PARA SE ACABAR O DIA

Estamos sempre em estado de emergência. Ou o raio daquele título do livro do Manuel António Pina: Ainda não é o fim nem o princípio do mundo, calma é apenas um pouco tarde.

Por vezes temos frio ainda que um maravilhoso sol de Outono nos envolva.

Em cada final de Verão, ele e o avô pintavam o celeiro. Uma trabalheira. «Oh avô! para quê isto todos os anos este ritual?» O avô, calmamente: «O celeiro é da família. Se não formos nós a tratar dele, quem é que o fará?»

Miguel Torga no seu Diário:

« Quando eu era pequeno, havia em casa de meu pai, no cimo dum lameiro, uma costeira que era só fraga; e meu pai, na vessada, cavava também aquêle bocado, que nunca deu sequer feijão chícharo. Só com dez anos de vida, sem conhecer o pavor dos retalhos de tempo, preguntava-lhe eu, já cansado:

- Mas porque é que cava também isto?

E êle, como quem sabia uma verdade eterna:

- Para se acabar o dia.»

u era pequeno, havia em casa de meu pai, no cimo dum lameiro, uma costeira que era só fraga; e meu pai, na  nunca deu sequer feijão chícharo. Só com dez 

O DIA SEGUINTE

Retomar o caminho batido.

Chamar o Senhor Wolfgang Amadeus Mozart que em 1781, tinha então 25 anos, compôs a Sonata para Dois Pianos em D Maior, lembrar também Arthur Koestler, jornalista e escritor, que nunca leu, mas conhece uma frase batida: «a maturidade dos povos consiste na sua capacidade de reconhecer os seus próprios interesses».

domingo, 26 de setembro de 2021

DESGRAÇADO PAÍS!

29 de Novembro de 1967

As verdadeiras proporções da tragédia só a pouco e pouco se estão agora definindo: centos de mortos, aldeias arrasadas, bairros de lata esmagados: no momento em que acabo de escrever, dizem os jornais que nada se sabe, ainda, duma povoação, totalmente isolada, em que viviam 400 pessoas. O exército vai…. Construir uma ponte para lá! Só há helicópteros para aluta colonial! O presidente da Câmara de Alenquer protestou junto da imprensa contra o alheamento a que os jornais tinham votado o drama dessa localidade. Correspondendo a isso, veio publicado, hoje, uma fotografia do Tomás percorrendo a vila de sapatos de verniz, os olhos baixos e atentos à tábua que atravessaram no lodaçal para que ele passasse… Cabeçalho no Janeiro: «Só o Benfica tem a bandeira a meia haste»… Desgraçado País!

Mário Sacramento em Diário

NOTA DO EDITOR: o episódio referido por Mário Sacramento, nesta entrada dos seu Diário, refere as trágicas inundações vividas, principalmente em Lisboa e nosvastos arredores, e em que a ditadura de Salazar teve um comportamentomiserável.

sábado, 25 de setembro de 2021

CONVERSANDO

Grande parte dos actuais políticos caseiros são de uma tristeza sem fim.

Nos últimos dias, para além de outros parvos palavreados, a afirmação de um secretário de estado, de que Portugal ganhou com a Covid-19, coloca a questão em rotas de difícil classificação.

Uma afirmação de António Arnaut datada de Novembro de 1991:

«É o próprio povo que está cada vez mais divorciado de si mesmo.»

REFLEXÕES...

Há longos tempos que se refere – apenas faladuras… apenas faladuras… - que uma revisão e actualização da Lei Eleitoral impõe-se para respeitar as mudanças que a sociedade tem vindo a viver.

Principalmente este estúpido período a que chamaram de «reflexão».

DOS AUTISMOS...

E daqui deriva também a fisionomia das suas leituras de outros poetas: elas são mais o prolongamento do fluxo através do outro do que a análise enriquecedora da complexidade dos textos. Nesse plano, podemos dizer que Ramos Rosa construiu uma verdadeira cidadela – um quase autismo. Mas os grandes autores são autistas – como o Herberto, a Llansol, a Agustina, o Vergílio ou o Eugénio de Andrade. E poderíamos dizer de Ramos Rosa que nenhum autismo foi tão generosos na demanda do outro para nele se prologar e confirmar – cartas, poemas, desenhos, leituras, confluência de palavras apaixonadas.

Eduardo Prado Coelho em Tudo O Que Não Escrevi, Volume I

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

AS FOTOGRAFIAS DO VIAJANTE


Preservação do ambiente.

Num posto de gasolina, perto de Viseu, a possibilidade de despejar o óleo que consumimos para fritos. 

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

DESCOBRIR IMPORTÂNCIAS

2 de Junho de 1975

O mais difícil é descobrir importância seja a que for: livros, ideias, projectos. Quando Ovídio deixou de escrever lá no deserto, terá descoberto que realmente era mortal.

Vergílio Ferreira em Conta-Corrente, Volume I

AS FOTOGRAFIAS DO VIAJANTE




 Chapéus há muitos!

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

SARAMAGUEANDO

31 de Dezembro de 1993

… uma carta de uma leitora italiana, Gabrielle Fanchini, de que aqui deixo constância, não pelos louvores que, por hiperbólicos, não transcrevo, mas por causa de duas ou três palavras reveladoras de um sentimento que julgo ser capaz de compreender, mas que seria trabalhosos analisar: diz ela que a leitura de Levantado do Chão a deixou «melancolicamente» mais feliz… Creio que nunca se disse nada tão bonito sobre um livro.

José Saramago em Cadernos de Lanzarote, Volume I

QUE BEM QUE O OUTONO NOS FICA


Pelas 20,21 horas, o Outono entrou por aí dentro.

Faz calor e se não fossem as noites chegarem cada vez mais cedo,  diríamos que os dias eram outros.

Nos meus tempos, as aulas começavam no dia 1 de Outubro, apresentação no ginásio do Liceu Gil Vicente: alunos, pais, o reitor, os professores, o comissário Da Mocidade Portuguesa.

As aulas da Primária começavam a 7 de Outubro.

Já se andava de camisolas de gola alta, gabardines e sobretudo.

Chovia quase todos os dias.

Agora as aulas começam no meio de Setembro e chegamos a Outubro envergando as roupas de Verão.

Quando Outubro começava já a minha avó tinha feito o doce de tomate e tudo aquilo que gira em volta dos marmelos: a marmelada, a geleia, marmelos cosidos aos quartos com açúcar que se guardavam em grandes frascos de vidro.

Outubro quente traz o diabo no ventre.

Em Outubro pega tudo.

Outubro sisudo recolhe tudo.

Quem planta no Outono, leva um ano de abono.

Vindima em Outubro, que S. Martinho to dirá.

Legenda: Quando a fotografia que encima o texto foi tirada, faltavam 20 minutos para que o Outono chegasse. São os últimos suspiros do Verão que se vai finando mas que continua por aí com os seus dias e noites quentes.

terça-feira, 21 de setembro de 2021

POSTAIS SEM SELO


Os ricos continuam ricos e os pobres estão a morrer de fome, como sempre.

SholomAleichem

O QUE É PRECISO SABER...

26 de Maio de 1943

A História que era preciso ensinar nas escolas não devia mostrar Carlos o Temerário a morrer diante de Nancy. Devia mostrar mas é esta junta de bois aqui à minha porta, atrelada a um carro, à espera que o dono acabe de beber um copo. Que importa lá a humanidade a basófia do senhor francês? Interessa-lhe mas é saber como foi possível domar um bicho de cornos e de patas, junji-lo, e pô-lo pronto para lhe arrestar a lenha e a pedra, e para lhe dar depois o corpo em bifes.

Miguel Torga em Diário, Volume III

OLHARES


Gosta de tabernas, tascos, casas de pasto, nunca snacks ou o que se assemelhe.

Como escreveu Baptista-Bastos em O Cavalo a Tinta-da-China:

«As tabernas antigamente. As tabernas eram sítios onde as pessoas não se esqueciam de si próprias. Sítios onde as pessoas falavam e eram ouvidas. Sabes?, eu era miúdo e gostava de ver os homens a beber copos de vinho. Bebiam os copos de vinho, assim, de repente, sem parar, e eu não percebia o prazer que eles tinham em beber assim, de um trago, sem parara, só mais tarde é que percebi, ficavam sem cólera e sem tranquilidade, bebiam apenas, de um trago, vinho tinto em copos de três. As tabernas eram sítios de prazer, uma reserva de conivências aonde os homens iam com prazer e sem preocupações.»

Na recente viagem que fez por terras do Dão, contaram-lhe que em Viseu ainda existia um tasco à maneira antiga.

Não hesitou e moveu as pernas até ao Senta Aí.

Começou por torcer o nariz porque, ao primeiro olhar, a coisa cheirou-lhe a snack, mas entrou e de imediato constatou que o por lá se manja é de tasca antiga de tempos idos, tempos difíceis.

 Olhem o menú e mais abaixo o recorte do livro de Antenor Santos:


Comeu uma sandes de isca com cebolada, ainda olhou os filetes de bacalhau e de polvo, mas o dono já deixara o sinal que fechava às oito e o viajante tinha pensado que as portas encerravam tarde, ou nunca.

Mas saiu satisfeito com o pouco que consumiu a que se juntou, a elegância e o bom gosto que os fininhos servidos – sempre dois dedos de espuma -  eram «Sagres».

Ainda o tempo de olhar as paredes e retirar citação de Antenor Santos, no seu livro Rua Direita Vida Torta,  em que o autor se lamenta dos idos tempos velhos de Viseu:


Bem como de alguém de fé, que mesmo depois de morto, espera um dia voltar aos sítios onde foi feliz:


No acto de pagamento da conta o dono, pedindo desculpa pela eventual pornografia, pediu licença, «se os senhores e senhoras não se ofenderem», para oferecer uma «gracinha» que um cliente da casa, concebeu, desenhou e fez calendário de bolso para o ano de 2021.

Aqui fica:


segunda-feira, 20 de setembro de 2021

A POESIA É MORTAL!...

6 de Abril de 1967

Todas as manhãs me imponho este pensamento, para resistir às vaidades literárias que tanto desfeiam os homens, maníacos da imortalidade:
Zé Gomes,
a Poesia é mortal. Uma espécie de respiração que se pega às palavras até às vezes com certa aparência de eternidade – mas afinal, mal o Poeta morre, acaba por se desvanecer no hálito do último estertor…

E então, acredita, por mais que a família, os amigos e os leitores cândidos teimem e lutem, ninguém consegue deter a transformação das palavras em folhas secas para o Outono varrer…

Sim, Zé Gomes: a tua poesia morrerá contigo! Os teus livros não passarão, no futuro, de cemitérios de palavras ocas…

José Gomes Ferreira em Dias Comuns, Volume II

domingo, 19 de setembro de 2021

À ESPERA DA TROMBOSE OU DO ENFARTE

10 de Junho de 1992

O que foi feito dos meus amigos e das coisas belas e desmesuradas por que todos nós perdemos e ganhámos a juventude? Olho em volta e resigno-me: os meus amigos cansaram-se jazem agora em empregos rotineiros à espera da trombose ou do enfarte. Alguns passaram-se com armas e bagagens (e, naturalmente, proveito) para o lado do inimigo. Os melhores (mas que sei eu?) engordaram – para dizer a verdade, todos engordámos… - e tornaram-se cépticos e amargos, carregando a nossa memória comum como um pecado envergonhado. Muitos morreram em guerras sem sentido, ou tão-só de tédio, de longo e insuportável tédio. Outros partiram para improváveis distantes lugares; um enlouqueceu (e esse foi, se calhar, o que , imóvel e cegamente, partiu opara mais longe.

Manuel António Pina em Crónica, Saudade da Literatura

sábado, 18 de setembro de 2021

POSTAIS SEM SELO


Eu tenho um remédio para não me desiludir que é não me iludir…

José-Augusto França em Um Céu e Dois Caminhos

AS FOTOGRAFIAS DO VIAJANTE


 Tavira, Praia do Barril.

SARAMAGUEANDO

27 de Novembro de 1967

Neste dia, Mário Sacramento escreve no seu Diário: «o Saramago, com a imponência cachimbante de quem vale mais do que é capaz de mostrar.»

JOSÉ-AUGUSTO FRANÇA (1922-2021)


Com 98 anos morreu José-Augusto França.

Mais um enorme nome da nossa cultura que nos deixa.

No dia 15 de Dezembro de 1963, José-Augusto França escreve uma carta ao poeta Jorge de Sena:

«Escrevo-lhe à última hora, de Paris ou já de Orly. As coisas que eu consegui fazer à última hora! Chego mesmo a perceber como no último dos minutos de vida os moribundos conseguem rever a vida inteira.»

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

FARSA AÉREA UM

«Nos filmes americanos – como, por exemplo, o Força Aérea Um –, o Presidente dos Estados Unidos enfrenta pessoalmente os terroristas, luta com eles corpo a corpo, mata-os com as suas próprias mãos. Em Portugal, o Presidente e o terrorista tiram um retrato juntos e depois cada um vai à sua vida.»

Ricardo Araújo Pereira na Visão, 8 de Setembro.

Legenda: ilustração de João Fazenda na Visão

O FUTURO DEU-LHE RAZÃO...

20 de Novembro de 1991

Melancólicas recordações de um jantar numa noite demasiado belga de Outono: quando se convive de perto com «eurocratas»: funcionários de organizações internacionais), teme-se pelo destino da Europa.

Espero que o futuro me não dê razão…

Eduardo Prado Coelho em Tudo O Que Não Escrevi, Volume I

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

AS FOTOGRAFIAS DO VIAJANTE


Ainda Tavira, ainda a ponte velha sobre o Rio Gilão.

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

PORQUE É QUE CARLOS SILVA AINDA GOSTA DE RICARDO...


«Do ponto de vista de carácter o líder da UGT demonstra ser um homem recto: Carlos Silva, ao contrário de muitos aduladores de Ricardo Salgado - o homem que se afundou com o BES - repete publicamente em tribunal e à comunicação social palavras elogiosas ao banqueiro, que está presentemente a ser julgado por três crimes de abuso de confiança na utilização de 10 milhões de euros.

Durante décadas Ricardo Salgado foi galanteado pelos maiores empresários de Portugal. Desde 1991 até 2013 ele foi publicamente homenageado por quase todos os líderes de governos, pelos Presidentes da República, pelos ministros das Finanças, da Economia e pelos governadores do Banco de Portugal. Foi reverenciado por inúmeros diretores de jornais e tvs, colunistas e jornalistas de economia. Foram disputados o seu favorecimento e a sua "cunha" pelos mais diversos atores da vida pública portuguesa.

Assim que caiu em desgraça, não só todos abandonaram Ricardo Salgado como, pior, muitos desses antigos iconoclastas da família Espírito Santo passaram a liderar a multidão de invetivadores do líder da família.

Carlos Silva não é desses e, à saída do tribunal, disse isto aos jornalistas sobre o antigo patrão: "Elogiei e continuarei a elogiar enquanto for vivo, não tenho nada de me arrepender em relação ao tempo em que estive no banco e em que acompanhei as reuniões da comissão de trabalhadores e depois no setor bancário. Sou apenas um intérprete de uma esmagadora maioria de trabalhadores que entendiam que se sentiam bem no banco, que eram compensados pelo esforço e que olhavam para Ricardo Salgado com respeito e admiração".

Do ponto de vista de carácter pessoal, repito, está aqui uma pessoa que se recomenda. Do ponto de vista de alguém que é líder de uma central sindical, do ponto de vista, portanto, do carácter institucional que hoje em dia Carlos Silva incorpora na sua individualidade, tal elogio é incompreensível.

Vou dar, apenas, três exemplos.

O BES, então o maior banco privado português, transformado em Novo Banco numa operação com custos para os contribuintes na ordem dos sete mil milhões de euros (até agora...), prejudicou e prejudica milhões de trabalhadores portugueses - muitos deles certamente filiados na UGT - que pagam mais impostos ou recebem menos salário também por causa dos custos públicos e para a economia provocados pelos erros (e eventuais crimes) de Ricardo Salgado.

Os trabalhadores do BES, que Carlos Silva representou enquanto membro da comissão de trabalhadores do banco e, depois, como sindicalista até chegar ao topo da UGT, foram utilizados por Ricardo Salgado como instrumentos de venda de produtos financeiros a pequenos investidores, cujas garantias e segurança de rendibilidade não eram aquelas que o patronato mandou os seus funcionários publicitar - e assim alguns milhares de clientes (alguns serão filiados na UGT?...) foram enganados e perderam as suas poupanças. Muitos destes trabalhadores do BES foram diretamente acusados pelos defraudados como autores de supostas vigarices.

Outra consequência da gestão de Ricardo Salgado para os trabalhadores que Carlos Silva representou no banco ou representa na UGT foi este: no processo de passagem do BES para o Novo Banco e na reestruturação que este entretanto efetuou, milhares perderam o emprego.

Carlos Silva, líder da UGT, pode elogiar Ricardo Salgado, cujos prejuízos estão a ser pagos por milhões de trabalhadores portugueses?

Carlos Silva, líder da UGT, pode elogiar Ricardo Salgado, que utilizou os trabalhadores do banco como instrumentos de concretização prática de erros clamorosos, de desonestidades agora evidentes e, até, de possíveis crimes?»

Pedro Tadeu no Diário de Notícias

 

PARA OUTRO DIA

28 de Maio de 1975

No dia 21, faz hoje oito dias, fui atropelado. Perda de consciência, fractura no crânio. Felizmente, sem as graves consequências de toque na «base», hematomas, etc. De qualquer modo, a perfeita experiência da morte. E uma vez mais a brutal incapacidade de a entender. Tive um pé do lado de lá, mas consegui, não sei como, recolhê-lo de novo para o lado de cá. E foi sobretudo quando me vi do lado de cá que a incompreensibilidade do outro lado se me impôs. Que coisa estranha a nulidade absoluta, a ausência de se ser. Mas não posso reflecti-lo hoje: a cabeça tonta ainda, o cérebro espesso, a dificuldade em me concentrar. Para outro dia.

Vergílio Ferreira em Conta-Corrente, Volume I

terça-feira, 14 de setembro de 2021

POSTAIS SEM SELO


 Olha para onde vais e vai para onde olhas.

Clint Eastwood

SARAMAGUEANDO

6 de Dezembro de 1993

Por muito que eu proteste que o Evangelho é um romance, e portanto literatura, toda a gente aposta em saber o que eu penso (se mais me atrevo ainda a pensar) sobre Nosso Senhor Jesus Cristo, o Céu, o Inferno (a propósito do castigo eterno, saiu-me esta: «Um deus capaz de inventar o inferno não merece o nosso respeito) e todo o consequente bricabraque teológico.)

José Saramago em Cadernos de Lanzarote Volume I

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

OLHAR AS CAPAS


Mais Poemas do Avante!

Mário Castrim

Prefácio: Correia da Fonseca

Editorial Avante, Lisboa, Julho de 2020


Quotidiano

 

Um livro  é quando

à nossa volta

tudo acaba

 

Nada aconselhável

quando se espera

o sinal de partida

do comboio.

 

Ou quando

aguardamos

que nos chamem

para a radiografia.

 

Cheguei tarde

a um encontro de amor

por causa de um livro.

O amor já se foi.

O livro, esse,

está comigo.

 

Pelo sim, pelo não,

em todo o caso

aconselha-se alguma

moderação.

Há livros

que nos tiram o sono

e não convém

dizermos ao patrão

porque chegamos atrasados.

domingo, 12 de setembro de 2021

OS FEIRANTES


 A minha 1ª Feira do Livro foi no Rossio, meia dúzia de stands em redor das taças de água da praça

Estas são as recordações da Maria do Rosário Pedreira em crónica publicada no Mensagem de Lisboa:

«Enquanto decorre mais uma Feira do Livro de Lisboa no Parque Eduardo VII – a 91.ª, se não estou em erro –, olho para trás e sinto-me velha. Da primeira vez que fui à Feira do Livro sem um adulto por perto, e com carta-branca para comprar o que quisesse (dentro de um determinado orçamento, bem entendido), devia ter uns catorze anos e usar meias pelo joelho.

Nesse tempo, a feira estava instalada ao longo da Avenida da Liberdade, aproveitando a sombra das suas árvores frondosas; e, às horas de menos clientela, quem estava sem fazer nada nos pavilhões também não podia deitar o olho às montras das boutiques caras, pela simples razão de que a alta costura, bem como os turistas endinheirados e os novos-ricos, ainda não tinham chegado a estas bandas.

Lembro-me de que planeara comprar os Contos da Montanha, de Miguel Torga («Mariana» é dos meus contos favoritos até hoje); e, por influência de uma colega, que sabia que eu gostava de poesia, Pelo Sonho É Que Vamos, de Sebastião da Gama, que ainda conservo naquela edição bonita e limpinha da Ática. E recordo-me de que, não sabendo na altura quem publicava esses livros, me bastou perguntar num stand qualquer (não era, note-se, um balcão de informações) para logo um senhor muito solícito me informar, a mim e à colega que me acompanhava, em que barraquinhas (com número e tudo!) podíamos encontrar o que procurávamos.

Claro que hoje o computador da APEL faz o mesmo serviço; e claro que hoje o mercado é dez vezes maior, o que explica muita coisa. Mas a verdade é que quem vendia na Feira do Livro de Lisboa na Avenida era gente que percebia da poda, geralmente funcionários de livrarias que conheciam exaustivamente os catálogos das editoras e que tão depressa eram capazes de indicar onde se podiam comprar os livros de José Hermano Saraiva aos cavalheiros interessados em saber um pouco mais da história do país como A Mulher na Sala e na Cozinha, de Laura Santos, às raparigas casadoiras.

Sabiam quais eram as editoras de Aquilino Ribeiro, David Mourão-Ferreira, Camilo ou Eça, mas também (sou testemunha!) de um livro que ensinava a fazer kefir, numa altura em que nem os iogurtes eram correntes em Portugal. A uma mulher popular, de bata florida e avental, que uma vez perguntou ao meu lado num pavilhão se tinham «algum livro que explicasse como se deitavam os canários», o vendedor, sem desfazer o ar de surpresa, indicou imediatamente duas ou três editoras com livros sobre a reprodução de aves.

Quando escolhi a edição como modo de vida, vendi «atrás do balcão» na Feira do Livro, já no Parque Eduardo VII, uma dúzia de anos, a ouvir perguntas e comentários, a aconselhar e esclarecer, a topar os larápios e pedir-lhes os livros roubados de volta, a aprender com leitores interessantes e interessados, e até a aturar esquisitinhos com um vinco numa lombada, que precisavam de ver dez exemplares do mesmo título até decidirem o que queriam levar.

Hoje lamento ter desaparecido esta relação com os leitores, que era humana, empática, próxima, cúmplice, e que foi substituída por um sistema impessoal em que o cliente entra no pavilhão, escolhe, mete no cesto e paga na caixa, como num supermercado, por vezes sem se cruzar com ninguém; ou então quem está dentro do pavilhão pouco percebe dos livros que tem à sua guarda, muito menos dos da concorrência, para poder responder às dúvidas dos fregueses…

O barulho das luzes, os cartazes XPTO, a música de feira, a bonecada toda, podem ser muito giros para quem sobe o parque com os jacarandás em flor e olha os livros à direita e à esquerda. Mas os antigos profissionais que sabiam tudo extinguiram-se: aqui há uns anos, o locutor de serviço à feira conseguiu dizer que, no stand da Livros do Brasil, o Livro do Dia era «Os Maias, de Camilo Castelo Branco». E, tendo-se ouvido um burburinho de espanto subindo o parque como um rastilho prestes a explodir numa gargalhada colectiva, o locutor voltou ao microfone para dizer: «Perdão.» Só que, quando todos pensávamos que íamos poder respirar fundo, ele acrescentou: «Pede-se alguém do pavilhão da Livros do Brasil que venha confirmar se Os Maias são mesmo de Camilo Castelo Branco»…

AH! SIM, A FEIRA


Por motivos vários, as minhas visitas à Feira do Livro deixaram de ter aquele instante feliz de outros tempos.

Quase arrisco a dizer que a visita que faço tem mais a ver com a fotografia que tiro sempre ao pavilhão da «& etc.», recordando os tempos em que ficava por ali a conversar com o Vitor Silva Tavares.

A Feira tem pavilhões a mais, uma boa parte com nada relacionado com livros.

Como é que um país que não lê, tem tantos editores a publicar milhares de livros que não sei a quem se dirigem?

Estou a tornar-me um leitor estranho.

Um leitor chato. 

sábado, 11 de setembro de 2021

SETEMBROS


No dia 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque, um criminoso atentado terrorista, contra as duas torres do World Trade Center, matava mais de três mil cidadãos de diversas nacionalidades, dando origem a uma escalada de destruição, violência e que veio a culminar, a mando de George Bush,  na invasão do Iraque,  que, ainda hoje, se fim à vista se reflecte em toda o Médio Oriente, com dramáticos cenários no Iraque e na Síria.

Nesse 11 de Setembro de 1973, a CIA ajudou monetariamente e militarmente o  num General Augusto Pinochet, num golpe de estado que pôs fim ao governo democraticamente  legitimo de Salvador Allende, provocando vários milhares de vítimas, 30 mil são os números calculados, e acrescente-se as prisões e o exílio de duzentos mil chilenos, que deu origem a uma feroz ditadura que durou 17 anos.

Para assinalar o 1º aniversário do atentado de Nova Iorque, o produtor francês Alain Brigand, pediu a 11 realizadores, de vários países, para fazerem uma curta-metragem de 11 minutos, nove segundos e um frame, sobre a destruição das torres.

 O inglês Ken Roach foi um dos realizadores escolhidos.

 Dando a volta ao texto, põe Pablo, um exilado chileno, a ler uma carta de solidariedade ao povo norte-americano, enquanto passam imagens da eleição e do assassínio de Salvador Allende:

«Queridas mães, pais e amados daqueles que morreram no dia 11 de Setembro em Nova Iorque:

Sou chileno e vivo em Londres. Quero dizer-vos que talvez tenhamos algo em comum. Os vossos entes queridos foram assassinados como os meus e na mesma data: 11 de Setembro. Terça-feira.

Em 1970 houve eleições. Eu tinha 18 anos e votei pela primeira vez. Tínhamos um sonho lindo, o de construir uma sociedade em que o nosso povo partilhasse os frutos do seu trabalho, a riqueza do país. Por isso em Setembro de 1970 todos votámos e vencemos. Havia leite e educação para as crianças. Terras por cultivar foram dadas a trabalhadores sem terra. As minas de carvão e de cobre e as principais indústrias tornaram-se pertença de todos nós. Pela primeira vez na sua vida as pessoas tinham dignidade. Mas ignorávamos como tal era perigoso. O vosso Secretário de Estado, Henry Kissinger anunciou: “Não sei porque havemos de ficar a ver um país tornar-se comunista devido à irresponsabilidade do seu povo.”

A nossa decisão democrática e os nossos votos eram irrelevantes. O mercado e os lucros são mais importantes. A partir desse momento a nossa dor e a vossa dor foi legalizada. O vosso Presidente Nixon disse que poria a nossa economia a gritar. Ele mandou a CIA tomar parte activa num levantamento militar, um golpe de estado. Dez milhões de dólares e mais, se necessário, foram disponibilizados para derrubar o nosso Presidente Salvador Allende.

Amigos, os vossos líderes pretenderam destruir-nos. Desencadearam uma guerra no sector dos transportes que quase paralisava a nossa economia. Eles pararam todo o comércio entre nós o que provocou o caos. Estavam feitos com os chilenos que não aceitavam a nossa vitória. Os vossos dólares apoiaram neo-fascistas que geraram violência nas ruas e puseram bombas em fábricas e centrais eléctricas. Por estranho que pareça, não surtiu efeito. Nas eleições municipais o nosso apoio aumentou. E o que fizeram os Estados Unidos da América?

No dia 11 de Setembro, inimigos da liberdade cometeram um acto de guerra contra o nosso país. Ao raiar da aurora tropas e tanques avançaram sobre o nosso palácio presidencial. Allende e os seus ministros e conselheiros estavam lá dentro. Allende não fugiu quando o Palácio Moneda foi atingido.

Ele foi assassinado. Assassinaram-no. Numa terça-feira. A nossa terça-feira. Dia 11 de Setembro de 1973. Um dia que destruiu a nossa vida para sempre.

Deram-me um tiro no joelho e fizeram encostar-me a cara ao pó da estrada. Bateram-me tanto que por várias vezes perdi os sentidos. Um dia na prisão cheguei-me à grade e vi o German Castro a ser arrastado pelos braços. Ele não conseguia andar, sangrava dos ouvidos. Eles partiram-lhe os ossos e depois assassinaram-no. Soubemos dos campos de tortura dirigidos por oficiais treinados nas escolas americanas. Soubemos que havia gente atirada de helicópteros, gente torturada em frente aos filhos e conjugues . Sabem o que eles faziam? Punham-lhes electricidade nos órgãos genitais. Punham ratazanas nas vaginas das mulheres e treinavam cães para as violar. E depois soubemos da “Caravana da Morte” do general que ia de terra em terra a fazer execuções aleatórias. 30 mil pessoas foram assassinadas. 30 mil. O vosso embaixador no Chile queixou-se das torturas e Kissinger disse: “Ele que pare com os discursos de ciência política”.

O general Pinochet, organizador do golpe sorriu e aceitou os parabéns do Secretário de Estado. E os dólares recomeçaram a entrar no Chile. Chamaram-me terrorista e condenaram-me a prisão perpétua sem direito a julgamento ou defesa. Fui libertado cinco anos depois mas tive de deixar o país para não pôr em perigo os meus amigos. Não posso regressar ao Chile embora não pense noutra coisa. O Chile é a minha pátria mas o que seria dos meus filhos? Eles nasceram em Londres. Não os posso condenar ao exílio como eu. Não posso fazê-lo agora mas anseio por voltar.

Santo Agostinho disse: “A esperança tem duas belas filhas – a Raiva e a Coragem. Raiva pelo estado das coisas. Coragem para as mudar.”

Mães, pais, amados dos que morreram em Nova Iorque:

Em breve será o 29º aniversário da nossa terça-feira, dia 11 de Setembro, e o 1º aniversário da vossa. Nós recordar-vos-emos. Espero que vocês se recordem de nós.»

Pablo

FOTOGRAFIA DE 11 DE SETEMBRO


Atiraram-se dos andares em chamas.
Um, dois, ainda alguns,
mais acima, mais abaixo.

A fotografia deteve-os na vida
e agora preserva-os
sobre a terra rumo à terra.

Cada um ainda na íntegra
com rosto individual
e sangue bem guardado.

Ainda há tempo
Para os cabelos esvoaçarem
e do bolso caírem
chaves e alguns trocos.

Ainda estão ao alcance do ar,
no âmbito dos lugares
que acabaram de se abrir.

Só duas coisas posso por eles fazer:
descrever este voo
e não acrescentar a última frase.

 Wistawa Szymborka em Instante

HÁ 20 ANOS!


 

Há 20 anos a tragédia do 11 de Setembro transformou o mundo.

Pelo que aconteceu nesse dia e pela ofensiva que  os Estados Unidos lançaram sobre o Médio Oriente.

Vivemos num mundo ingovernável.

«No caso das Torres Gémeas sabe-se que a Al-Qaeda se organizou para as destruir, mas na conspiração paranoica não foi a Al-Qaeda mas sim os judeus e o presidente Bush.

«Quando não se quer reconhecer que se é um imbecil, culpam-se os outros. Aliás, basta ver que todas as religiões do mundo resultaram de conspirações: há sempre um deus que fez isto ou aquilo. Mesmo que tenha sido eu a matar semelhantes numa guerra, logo se aponta para uma maquinação da divindade e que é responsável pelo acto.»

Umberto Eco

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

JORGE SAMPAIO (1939-2021)


Morreu Jorge Sampaio.

O último político português verdadeiramente culto.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO...

19 de Maio de 1943

Tirei hoje da vida de Cristo esta novidade: uma lição de preguiça. Reparei que não se encontra naquele passeio divino por este mundo um passo em direcção ao esforço do animal a tirar água de uma nora.

- Olhai os lírios dos campos…

Estava-se mesmo a ver o que era isto: deixar correr, e não forçar a transitória natureza à degradação do jugo. Estava-se mesmo a ver, mas eu não vi. E trabalhei até agora como um jumento (E a miséria é que vou continuar.)

Miguel Torga em Diário, Volume III

OLHAR AS CAPAS


António Lobo Antunes

Fotobiografia

Tereza Coelho

Capa: José Maria Nolasco

Publicações Dom Quixote, Lisboa, Novembro, 2004

Memória de Elefante foi, em 1979, o primeiro livro publicado. Os Cus de Judas, o segundo, é ainda desse ano.

O título de Memória de Elefante começou por ser uma frase retirada de Ângelo de Lima: Deste Viver aqui Neste Papel Descripto. O psiquiatra Daniel Sampaio, uma das mais duradouras amizades de António Lobo Antunes, levou Deste Viver aqui Neste Papel Descripto, à editora Bertrand, onde foi recusado e depois à Editorial Vega, onde foi aceite, mas com um pedido de alteração do título.

Por isso, Os Cus de judas, que se chamava Memória de Elefante, perdeu o título inicial. O lançamento do ex-Deste Viver aqui Neste Papel Descripto, a partir de Memória de Elefante, fez-se em Julho, na Livraria Editorial Vega no bairro de São Miguel, em Lisboa. Estavam alguns amigos e a família. O episódio não é importante, a não ser porque serve, numa escolha relativamente arbitrária, para marcar uma espécie de “nascimento” de António Lobo Antunes como escritor que podemos conhecer.

Ou abreviando: marca o nascimento do escritor.