Em Junho, Mia Couto venceu o Grande Prémio de Conto
Branquinho da Fonseca da Associação Portuguesa de Escritores pelo livro «Compêndio para Desenterrar Nuvens.»
António Rodrigues, a propósito deste novo prémio de
Mia Couto, para o Público de 30 de
Agosto, suplemento Ipsilon, realizou uma excelente entrevista com o escritor
moçambicano.
«Fico sempre surpreendido quando ganho
um prémio. Não é coisa de falsa modéstia, mas sinto-me bem não tendo essa
expectativa de poder ganhar, senão o prazer de fazer o livros e de escrever.»
António Rodrigues pergunta a Mia Couto:
Já sabe como vai
gastar o dinheiro do prémio? Tem algumas dívidas para pagar?
«Quando se trata de dinheiro, sou
péssimo. E sou péssimo, porque, felizmente, tenho algum privilégio, olhando
para o mundo e para a maior parte das pessoas, para quem o dinheiro é uma
preocupação do quotidiano. Não sendo rico, não tenho, nunca tive essa
preocupação. Acho que se fosse mais pobre também não teria, porque eu via pelos
meus pais, que não era gente que vivia de maneira folgada, antes pelo
contrário, que ali faziam-se contas, mas o meu pai, que era poeta, nunca as
fez. Era a minha mãe que controlava esse lado da vida. Eu herdei um pouco do
meu pai esta coisa de estar desamarrado, e é um grande privilégio.»
Como já disse: uma excelente entrevista e um tempinho
ainda para o seu final:
«Para
terminarmos, e como diz que a sua linguagem é a linguagem da poesia, gostava de
lhe perguntar: qual foi o seu verso mais conseguido?
Não lhe sei responder, mas o primeiro poema que fiz foi ao meu pai e, mais
tarde, quando o meu pai morreu, despedi-me dele por via da poesia e percebi que
tinha voltado a um verso feito 40 anos antes e que falava dessa criatura que
vivia numa varanda como se vivesse num palácio. Como não sabia o que fazer com
ele próprio, ficava ali com as mãos estendidas como se recolhesse esse orvalho
que imaginava estar a tombar do céu. O verso não é exactamente esse, mas isso
perseguiu-me como a grande lição do meu pai: dar importância àquilo a que
ninguém ligava. O meu pai, no meio da guerra colonial, andava à procura de
pedrinhas e sementes e olhava os pelicanos que passavam. Ensinou-nos a ver o
que não tinha importância para os outros».
1.
Em apenas três dias,
2024 tornou-se o quarto pior ano da década em área ardida.
Do Público de 18 de Setembro
2.
No seu programa
da SIC intitulado Conversas Secretas, o escritor Baptista-Bastos popularizou a pergunta
«onde é que você estava no 25 de Abril?». Esta pergunta foi o ponto de
partida para a Fundação José Saramago que, no quadro das comemorações dos 50
anos da Revolução de Abril, inverteu a questão e lançou um ciclo de conversas
com o mote «Onde estarias se não fosse o 25 de Abril?».
Um recorte do semanário de que não foi guardada a data,
sabe-se pelo texto que foi um qualquer Agosto do tempo em que o efémero semanário O Ponto foi publicado.
Um excelente e diversificado naipe de jornalistas, quase
nata-da-nata, da classe.
Todas as semanas, figura de proa da nau, eram as
entrevistas do Baptista-Bastos que, em Abril de 1984, aRelógio d’Água publicou
em livro.
Do prefácio do Baptista-Bastos:
«Estas entrevistas
(e mais cinquenta) foram publicadas no semanário O Ponto, nascido de um singelo
sonho de liberdade e acalentado por um grupo de jornalistas que de seu só
possuía a honra jamais hipotecada e a ingénua convicção que as palavras (sempre
se recusa, sempre de protesto, sempre exaltantes) poderiam ser integradas na
grande voz colectiva e aceites pelas minorias sem voz. O Ponto foi um jornal
arrebatadamente jovem, truculento, vitalizante, diferente – sobretudo porque
admitiu, compreendeu e defendeu o direito à diferença»
Para além de Dezembro – o mais maravilhoso tempo do mundo
– o mês de que mais gosto é Junho. O mês das grandes festas populares em todas
as cidades do país. O tempo de perfumes mágicos, o perfume dos manjericos das
sardinheiras em flor, de sardinhas assadas, de bifanas de porco fritas. E
toneladas de jarros de sangria.
Guardo da infância as quentes noites de Verão, lembro a
miudagem a correr nas ruas, e as pessoas vinham para a porta da rua conversar,
outras ficavam à janela, as pessoas conheciam-se, falavam, por vezes
zangavam-se, outros iam para os jardins, ficavam pelos bancos ou bebiam
cervejas e capilés nas leitarias do bairro.
A televisão viria a destruir o feliz convívio das gentes
simples do meu bairro. As pessoas fecharam-se nas casas. E passámos a não saber
nada uns dos outros, como numa peça de teatro de Peter Handke.
Por Junho havia os bailes dos Santos Populares
abrilhantados por conjuntos apenas com instrumentos de cordas. Hoje colocam por
lá uns DJs que apenas têm por missão fazerem barulho.
«Pelos Santos Populares organizavam-se bailes de rua
«abrilhantados» (era assim que se dizia) por agrupamentos musicais de corda:
banjos e bandolins, violas. Chamavam-lhes «trupes-jazz», e tocavam as canções
da época: sambas e boleros, e alguns tangos. Mas começavam sempre por valsas.
Eu ficava-me por ali, feito tolo, a observar os dançarinos. Bem gostaria de me
recostar a uma rapariga, e sentir o perfume do seu corpo, mas não sabia dançar,
e era melhor estar parado do que fazer figura de tolo ainda maior.»
Baptista-Bastos
em A Bolsa da Avó Palhaça
Agora, ao passar os olhos por algumas das páginas
de Viver com os Outros, reparo que Isabel da Nóbrega também
reteve essa imagem das gentes sentadas à porta de casa, nas quentes noites de
Junho, que foi o mês em que nasceu, e talvez por isso tenha escolhido um jantar,numa
noite de Junho, para enredo de Viver Com Os Outros. :
«Descobríamos que aquelas pessoas sentadas nos degraus
de pedra, à porta de casa, os garotos na borda do passeio, os homens em mangas
de camisa ou casacos de pijama, junto ao muro, quase não falando, recebendo a
noite morna e o luar tal como os cedros e as olaias e as tílias do parque,
estavam a ser felizes e não o sabiam.
Os cheiros que andam misturados numa noite de Junho,
mesmo na cidade, basta que se encontre um parque próximo. E também o cheiro do
manjerico, ali no nicho, por entre as outras plantas, sobre o qual pousei
instintivamente a palma da mão quando a Ana me arrastou para aqui.»
Com gente, procurando
gente, pontes e vales, tem sido assim esta vida. E houve aquele dia, 25 de
Abril de 1974.
Dizem que por um
Abril houve uma revolução, outros dizem que houve um golpe de estado, outros
ainda que houve uma abrilada, sucederam coisas gritadas nas ruas, outras soavam
nas sombras clandestinas.
Na escola disseram
aos miúdos que tinham que ir para casa, estava a acontecer qualquer coisa em
Lisboa.
Que comemoramos hoje?
Que resta daquele dia?
O chefe de redacção
telefonou ao repórter, gritou-lhe: Salta
da cama. A Revolução está na rua e é precisos escrevê-la!
Isso é passado, é tão
passado que eu já não comemoro o 25 de Abril. Sentir-me-ia um irresponsável
celebrando qualquer coisa de que hoje não posso ver nenhum sinal, daquilo que o
25 de Abril trouxe.
Podemos saudar o
desespero que nos invadiu perante algo que falhou?
Estragaram a tua
festa pá!, cantaram no outro lado do Atlântico.
Houve quem dissesse
que as revoluções são sonhadas por idealistas e realizadas por fanáticos, e
quem delas se aproveita são os oportunistas de todas as espécies.
O 25 de Abril é um
dia e são dias. É daquelas datas que se constelam que estão antes de hoje, que
hoje ecoam ainda, e que tremeluzirão no depois de hoje.
Quase sem darmos por
isso, milhares de pessoas invadiram as ruas, ofereceram pão e cravos aos
soldados, deram as mãos, sorriram, dos olhos saltavam sonhos e esperanças.
Alguém perguntou como
era possível tanta e tanta gente quando meses antes, semanas antes, dias antes,
eram tão poucos aqueles que apareciam para escrever palavras de ordem nas
paredes da cidade, colar cartazes, distribuir uns panfletos impressos a
stencil…
Será a memória curta?
Apaga-se com facilidade?
O apagamento de
memória é chocante.
Deste dia até ao 1º
de Maio, é provável que muitos devem ter dormido, mas não se lembram bem. Uma
semana de loucura já ninguém me tira, posso não ser feliz mas poucos chegaram
tão perto disso a que chamam felicidade.
É preciso ter vivido
os anos terríveis, o tempo do desprezo, um tempo de ratazanas, para que aquele
dia tivesse sido o que foi, um navio de sonho, uma nave de loucos,
protagonistas duma enorme esperança, depois figurantes de um grande desencanto.
Terá sido assim há
tanto tempo?
A ditadura acabou por
ser derrubada por militares que antes desprezávamos.
Dezassete horas e 45
minutos bastaram para abater um regime que oprimiu o povo português durante 47
anos, 10 meses, 34 dias e algumas horas.
Teremos feito tudo
para que as novas gerações fossem mais felizes?
Vale a pena assinalar
a data quando nos esquecemos de ensinar a importância que aquele dia nos
trouxe? Olham-se as pessoas de hoje, os jovens de hoje, formam um grupo largo e
variado mas, olhando bem, estamos todos muito mal no retrato de conjunto…
Algures, numa dobra
da história, alguma coisa falhou. O cantor, de viola às costas, acabou por
dizer que houve alguém que se enganou.
A culpa é de todos, a
culpa não é de ninguém.
Naqueles dias, quase
poderíamos dizer que a paisagem mudara para sempre.
As paisagens até
podem mudar, o resto… o resto… o resto… é uma chatice… um busílis de questão…
O escritor perguntava
e respondia: para que serve a utopia? Serve para que eu não deixe de caminhar.
Um dia voltaremos a
encontrar-nos todos no imponderável azul celeste.
E recomeçamos a busca
dum país liberto, duma vida limpa e dum tempo justo.
Mas será que ainda
verei alguém desenhar os nomes daqueles que, na sombra, nos lixaram a festa?
Montagem concedida
com textos de:
Jorge Silva Melo, Virgílio Martinho,
Baptista-Bastos, José Saramago, Rui Cardoso Martins, Chico Buarque, Manuel
António Pina, Manuel Gusmão, Rodrigues da Silva, João Gobern, José Mário
Branco, Eduardo Galeano, Mário Dionísio, Cristina Carvalho, Sophia de Mello
Breyner Andresen.
Dito
já que começaram as iniciativas que visam
registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei
pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um
parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo
dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam
a Biblioteca da Casa.
Isto foi o que se escreveu a abrir as
hostilidades de reler os livros de Saramago e escolher sublinhados.
Ao quarto ou quinto dia de escolhas foi
avisado dizer que se iria também entrar nos livros sobre José Saramago, e pelas
inúmeras entrevistas que deu, algumas em papel de revista ou jornal, algumas já
coligidas em diversos livros.
Hoje peguei na conversa que
Baptista-Bastos teve, em Lanzarote, com José Saramago – José Saramago: Aproximação a Um Retrato.
Na abertura do livro, prefácio a que
chamou A Ilha Ardente, escreveu Baptista-Bastos:
«Todos nós vivemos em ilhas. Todos nós
vivemos cada vez mais em ilhas. As nossas ilhas particulares começam quando
desistimos de existir em continente, ou quando nos obrigaram a levar a adoração
a outros deuses. Quer-se dizer: as nossas reclusões são deliberadamente
procuradas ou rudemente impostas.»
Em Madrid, antes de rumar a Lanzarote, o
Bastos esteve numa esplanada da Gran Via à conversa com o seu amigo Pablo Del
Amo que lhe disse: «Sabes aquela de que
nenhum homem vive numa ilha, mesmo que viva numa ilha?»
Baptista-Bastos termina o prefácio:
«Voltámos a conversar sobre as ilhas: as
solitárias ilhas que muitos homens albergam nos solitários corações. Mas também
entender que o grande mundo está cada dia menor, cada dia mais pequeno, e que,
frequentemente, o grande mundo é uma pequena e solitária ilha. Habitada por
cegos, como Saramago nos disse, numa parábola admirável. Diz: “viver em
Lanzarote é, afinal, viver num bairro de uma grande ilha que é o pequeno mundo
em que todos vivemos.”»
O argentino Claudido Hochman, um sábio
de ilhas, por aqui deixou escrito:
«Quem levarias para uma ilha
deserta? A Solidão. Só a Solidão? Sim, é uma boa companhia.»
«Há pessoas que vivem numa ilha sem
nunca terem estado numa ilha. Rodeia-as um mar de silêncio.»
Para mim, a Ribadouro, esquina
do fundo da Rua do Salitre com a Avenida da Liberdade, está sempre agarrada
ao Belarmino, filme
do Fernando Lopes, ali pensado, escrito, encenado, discutido.
Também conhecida pela Universidade do Tremoço.
O José Cardoso Pires em A Balada da
Praia dos Cães: «O chá na cervejaria Ribadouro: Isto não é uma cervejaria, é uma baía de
cascas de tremoços com canecas à deriva. Chulos do Parque Mayer a atacarem o
fastio na perna da boa santola, chauffeurs de praça a combinarem a sua
bandeirada de jogo num casino clandestino para os lados de Arroios ou para
Campolide que são bancas de entendidos por onde a polícia faz que não vê. Um
galador de coristas a puxar fumaças à distância. A dono Lurdes abortadeira.
Mestres-de-obras a arrrotar! Oh, senhores.»
Quantos finos, quantos bifes com ovo a
cavalo, quantas conversas pela noite dentro, a esperança vã de mandar Salazar
borda fora.
O que ainda tivemos de esperar!...
Hoje, a Ribadouro está
mais voltada para os turistas, para uma classe específica, gente que
encheu os bolsos de dinheiro para, nos tempos que correm, nos acusarem de que
andámos a viver acima das nossas possibilidades.
Já não anda por lá a malta do Parque
Mayer, gente do jazz, das escritas, dos jornais, o clã da Ribadouro.
Assim de memória, alguma da rapaziada
desse clã: Fernando Lopes, Canto e Castro, Manuel de Azevedo, Baptista-Bastos,
Manuel da Fonseca, José Cardoso Pires, Alexandre Vieira, Carlos de Oliveira,
rapazes, outros já entradotes, que, no fundo, só queriam assaltar a
felicidade, felicidade que, como dizia o Saint-Just, era possível.
Esperanças, sonhos, amores, desamores,
frustrações, andaram por aquelas mesas, juntamente com cervejas,
tremoços, cafés, o que calhava.
Não consigo passar junto à Ribadouro, sem
que os passos se encaminhem para o balcão, beber um copo de cerveja
clara, Sagres, naturalmente, olhar as mesas, agora atoalhadas para
turistas e gente fina, e sentir o rumor das conversas, não deixando de seguir
os ditames do José Gomes Ferreira:
«Saudades de não poder inventar o
futuro. Às mais variadas horas, desde as sete da manhã até ao fim da tarde.»
Morrem as
personalidades e somos invadidos por arremessos de genialidade e outras
variantes.
Há semanas,
aquando da morte de Eduardo Lourenço e um panegírico traçado por Clara Ferreira
Alves no Expresso, António Guerreiro
abriu, no Público, o seu Livro de Reclamações e colocou o texto que acima se
lê.
Das duas-páginas-duas
que Clara colocou semanário, Guerreiro destaca:
«Eis
como me lembro dele. Uma casa, a minha. Em Lisboa. Um longo corredor cheio de
estantes, e lá andava Eduardo Lourenço a cirandar à cata de livros.»
Um dia, Eduardo
Lourenço foi a casa da Clara, que é em Lisboa e tem um longo corredor cheio de
estantes, e por lá andou a olhar livros.
Que dizer?
António
Guerreiro disse tudo.
Lembro-me, a
propósito de quê? Das enormes duas páginas da Clara no Expresso? - de um livro
de Baptista-Bastos, O Secreto Adeus, em
que Raquel pergunta ao jornalista Álvaro Moreira:
«
- É verdade que vocês já têm biografias escritas de celebridades que estão com
os pés para acova?
-
Sim, temos algumas.
-
E se uma celebridade morre de repente, sem ninguém esperar?
-
Nesse caso, o chefe encarrega um redactor de escrever a história.
-
Um redactor especializado? Por exemplo, morre um escritor; é um jornalista
especializado em assuntos literários quem lhe faz a biografia?
Claro
que não era. Não havia jornalistas especializados em coisíssima nenhuma. Os que
se especializavam faziam-no por conta própria, e depois, nunca os encarregavam
daquilo para que estavam mais indicados. A maioria das vezes, até, a informação
para o leitor era incorrecta ou filtrada através da simpatia ou antipatia
política, pessoal ou artística, ou feita sem perfeito conhecimento de causa.»
1.
Voltaram a
enfiar-nos num confinamento.
Hoje
registaram-se 156 mortes e 10. 556 pessoas infectadas.
Há quatro dias
que morrem em média 6 pessoas por hora.
Tempos dementes.
Angústia para
aqui, angústia para ali…
Vou voltar a
perder o fio à meada
Voltarei a reler
A Peste de Camus, voltarei a reler O Ensaio Sobre a Cegueira de Saramago?
Para assinalar os 10
anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar
alguns textos que por aqui foram sendo publicados.
1º DE MAIO
Joaquim
Vieira foi director de uma revista que se publicava aos sábados,
simultaneamente, no Diário de Notícias e no Jornal de
Notícias.
Por um 25 de
Abril, publicou um texto a que chamou: O QUE FALTA CUMPRIR.
Onze
pontos, algumas coisas que ainda não sucederam em Portugal para dar
sentido ao 25 de Abril:
ELEGER
políticos que ponham o serviço público à frente de quaisquer
outros interesses.
AUMENTAR a
produtividade a todos os níveis, do sector público ao privado, para nos
podermos intitular europeus de pleno direito.
ACABAR com a
pequena corrupção, que favorece a permissividade, levando inevitavelmente à
grande corrupção (a qual, por sua vez, carece de repressão mais eficaz e
intransigente).
CUMPRIR
o direito à saúde, entre outras coisas acabando com as listas de espera
hospitalar.
APOSTAR em
métodos de educação que cativem os jovens, de forma que a universalidade do
ensino obrigatório seja mais do que mera intenção escrita no papel.
ADMINISTRAR
uma justiça célere, que em tempo útil promova a condenação dos culpados, a
ilibação dos inocentes e o ressarcimento das vítimas ou dos seus herdeiros.
REFORMAR
a função pública, para que agilize a máquina do Estado e resolva os
problemas dos cidadãos; e para que os seus quadros sejam recrutados só por
avaliação de competência.
PLANEAR cada
projecto público tendo como prioridade um país onde se viva melhor.
DEFENDER o
ambiente como património nacional, protegendo-o das agressões urbanísticas e
desenvolvimentistas sem ceder a pressões.
PROTEGER as
crianças e os jovens de todo o tipo de agressão. e exploração, até a nível
familiar.
ESTIMULAR os
cidadãos a informar-se melhor e facilitar o seu acesso às manifestações
culturais que devem informar-se melhor e facilitar o seu acesso às
manifestações culturais, que devem ser multiplicadas por forma a disponibilizar
ao público mais alternativas.
Parafraseando
alguém à espera de ser libertado enquanto se derrubava um regime: portugueses,
mais um esforço para ser verdadeiramente revolucionários.
Nem
revolucionários conseguimos ser, quanto mais verdadeiros
revolucionários.
Passado um tempo,
bem perto dos dez anos, olha-se a lista elaborada por Joaquim Vieira,
e constatamos que nem só nada disto aconteceu como, em grande maioria,
regredimos a situações bem dramáticas.
Quem neste 25 de
Abril saíu às ruas, apesar da alegria, dos encontros, dos abraços, dos beijos,
dos cravos no peito, no cabelo ou na mão, os punhos no ar, adivinhava-se uma
certa melancolia, quase tristeza, sentimentos que, normalmente, acontecem a
gentes derrotadas.
Mas não deve ser
isso...apenas a minha velha tendência para o pessimismo...
Final da crónica
que Baptista-Bastos, publicou, esta semana, no Jornal de Negócios:
Trinta e nove
anos depois de Abril, que resta do "dia inicial inteiro e limpo"?
Cantado por Sophia. A vitória de um capitalismo que se não confronta com nada;
o regresso dos ódios ancestrais à Alemanha; a traição dos partidos socialistas;
o retorno da violência nazi-fascista; a escassa força do comunismo; o
recrudescimento de uma arrogância da chamada elite dominante (atente-se nas
declarações dos banqueiros) que julgávamos definitivamente arredado do nosso
horizonte. A Europa, dominada pelo Partido Popular Europeu, onde se acoitam as
expressões mais hediondas da extrema-direita, e da direita encolhida, impõe
normas violentíssimas aos países sob tutela. Portugal está entre as baias de
uma política desordenada e sem direcção. O grupo do PSD, que trepou ao poder
nos andaimes da mentira, da omissão e do desprezo, não passa de uma enunciação
sórdida do que de mais suportável existe. Resta-nos a força de não-querer, a
energia que advém da nossa história de resistentes. E nunca esquecer de que o
25 de Abril existiu, embora estes que tais desejem apagá-lo.
Ferreira
Fernandes e Catarina Carvalho pediram a demissão dos cargos que ocupavam na
direcção do Diário de Notícias e a administração aceitou o pedido.
Perspectiva-se o
accionamento da lay-off nos vários títulos que fazem parte da Global Média e os
directores entenderam que não tinham condições para continuar.
«A partir de amanhã, a edição em papel só sairá aos
domingos.
Nos restantes dias terá uma edição digital.
Dizem que é um passo em direcção ao futuro, um
futuro mais firme.
Na quinta-feira, na «Quadratura do Círculo» ,
José Pacheco Pereira disse: o Diário de Notícias acabou!
Ferreira
Fernandes não está nada de acordo e, hoje,
num texto bem esgalhado, explica a Pacheco Pereira o tal futuro mais firme.
Não serei tão taxativo como Pacheco Pereira, mas, face
a esta mudança, também tenho as minhas dúvidas.
O meu avô paterno, republicano histórico, odiava
o Diário de Notícias, como então se dizia, o jornal das sopeiras e só
lia O Século.
Segui-lhe as pisadas e, também, muito raramente
passei as mãos pelas suas páginas.
O Diário de Notícias apenas foi o meu jornal
enquanto os nomes de Luís Barros e José Saramago estiveram no cabeçalho do
jornal.
De Abril a Novembro de 1975: os dias dos dias.»
Nestes Dias
cruéis que vamos vivendo, é mais uma notícia triste.
Sim,
aproximam-se péssimos dias para o Diário de Notícias-on line que ainda
hoje destacava esta notícia:
«Choque de desemprego será o maior de que há registo
em Portugal.»
Péssimas e arrepiantes
notícias para todos os órgãos de informação, sejam da imprensa escrita, da rádio,
da televisão.
Sou de um tempo
em que o jornalismo era uma profissão respeitável, ler um jornal não era dar o
tempo por perdido, era um gesto importante. Também
não existiam on-lines e havia a necessidade de
olhar o que se passava no país e no mundo, mesmo sabendo que o lápis azul da
censura, frequentara as pilhas de jornais que se amontoavam, ainda não havia
quiosques, no ardina da esquina.
Existiam também
as entrelinhas que, magistralmente, alguns jornalistas sabiam utilizar, assim
fintando os-incultos-quase-analfabetos-coroneis-da-censura.
Recordo, não com
jornais, mas uma história da rádio, contada por Luis Flipe Costa:
Em 17 de Maio de
1967, Palma
Inácio realizou o assalto ao Banco de Portugal da Figueira da Foz, o
que seria o primeiro acto político da LUAR. Obviamente a notícia foi proibida
pela censura, mas sabia-se, por portas travessas, o que tinha acontecido, e no
noticiário da uma da manhã do Rádio Clube Português, o jornalista Luís
Filipe Costa aproveitou a leitura do boletim meteorológico para concluir a sua
apresentação:
"Felizmente, há luar".
Baptista-Bastos,
Capitão de Médio Curso:
«Mais do que uma instituição pública, o jornal é uma
declaração de amor, um momento, e a sua arte reside justamente na virtude de
chegar na hora, na criação do contraponto entre o que permanece e o que vai
acontecendo.
A solidão do jornalista decorre da fraternidade por
ele jamais recusada, da responsabilidade por ele aceite como princípio ético,
da severidade imposta pelo comércio das ideias feito com outros homens. Mas a
solidão do jornalista é intermediária, porque reflecte uma época também
intermediária, onde o poder, a força e a riqueza têm menor importância do que a
ciência. Sendo acto, sonho, declaração de amor, o jornal é também uma ciência –
eis porque os tiranos temem o prestígio do jornal que vê claro e escreve vivo:
a felicidade apoia-se na verdade, a ilusão assenta na mentira.»
Nicolau Santos,
aqui:
«Hoje. Ao fundo, um homem sai de um gabinete. O
gabinete do chefe. Do ex-chefe. Do ex-chefe que ainda é chefe, ex é ele:
ex-empregado. Acaba de ser despedido. É um de um rol de muitos, um nome a mais
numa lista, uma fila a menos numa folha de cálculo. Sai calado, pelo espaço
aberto, outros olhos viram-se primeiro para ele, depois para baixo. Outro nome
é chamado, lá vai ele, o mesmo gabinete, o mesmo destino. Hoje a empresa não é
uma empresa, é um matadouro. Morrem empregos. Saiu nas notícias e tudo. É um
dia na vida.»
Faz-nos
companhia, uma velha e gloriosa canção dos Byrds: «Turn, Turn, Turn.»
Um tempo para
nascer, um tempo para morrer, um tempo, a canção não o diz mas escrevo eu, para
acreditar que não é possível viver sem jornais em papel, um aceno longo ao meu
pai que, no tempo da ditadura, foi jornalista, fechava o jornal madrugada fora
dentro, numa correria louca para não perder os comboios que levavam o jornal
para a província, hoje sabemos que os jornais cada vez estão mais pobres,
arrastam-se num amontoado reles de notícias inventadas pelas redes sociais,
copiadas pelos estagiários, em que se nota à vista desarmada que de há muito,
foram perdidos os princípios… e assim sendo…
1.
Donald Trump cumpriu com o que havia ameaçado. A sua Administração suspendeu o
financiamento à Organização Mundial da Saúde.
O Presidente dos Estados Unidos, país que é o maior doador da OMS, acusa esta
organização internacional de falhar decisões no momento adequado.
Richard Horton,
chefe de redacção da revista médica The Lancet:
«A decisão do presidente Trump de suspender o
financiamento à OMS é simplesmente isso - um crime contra a
humanidade. Todos os cientistas, todos os profissionais de saúde, todos os
cidadãos devem resistir e revoltarem-se contra esta terrível traição à
solidariedade social.»
2.
A China manteve
o surto de Covid-19 em segredo durante seis dias. A Associated
Press revelou o conteúdo de vários
documentos que indiciam que o vírus foi mantido em segredo da população durante
seis dias.
No dia 14 de
janeiro, altura em que foi detetado o primeiro caso de infeção pelo novo
coronavírus na Tailândia, o ministro da Comissão Nacional de Saúde da
China avisou vários responsáveis, entre eles o presidente, Xi Jinping, para o
possível cenário de pandemia através de uma videoconferência.
Mas o presidente
da China só alertou a população para a gravidade do vírus no dia 20 de Janeiro,
seis dias depois e nessa altura mais de 3000 mil pessoas já tinham sido
infectadas
3.
O número de
trabalhadores abrangidos pela medida de lay-off simplificado, lançada pelo
Governo para responder à pandemia de Covid-19, abrange actualmente já mais de
930 mil trabalhadores. O número de desempregados situa-se nos 353 mil.
4.
Os negros
números:
Portugal regista
599 mortos.
O número de vítimas mortais em França, subiu para 17.167, a Itália regista
21.465 mortos.
Em Espanha já
morreram 18.579 pessoas, na Grã-Bretanha 12.868 mortos, enquanto os Estados
Unidos chegaram ao número de 25.757 óbitos. Só em Nova Iorque já se registaram
7.905 mortes.
«Tradicionalmente, define-se o jornalismo como a
profissão, a arte ou a missão de dar conta da realidade. O que, convenhamos,
envolve uma humildade equívoca. O jornalismo é também um sistema de linguagens
que, conscientemente ou não, integra e contamina todas as componentes da dita
realidade, não poucas vezes transfigurando as suas formas de percepção e
verosimilhança. Desde meados da década de 1990, tudo isso passou a ser vivido,
e bem ou mal pensado, também através da Internet, prevalecendo a
ideia segundo a qual o mundo virtual seria tão só uma reconfiguração técnica do
mundo clássico (?) em que vivíamos ou julgávamos viver. Chegados aqui,
enfrentamos a mais gelada das evidências: a realidade integra o virtual. Como é
que uma profissão, uma arte ou uma missão consegue viver perante tão cruel
omnipresença?»
Legenda: João
César Monteiro no dia em que soube que o Diário de Lisboa ia deixar de se publicar a partir do dia 30 de Novembro de 1990.
Depois de um domingo-de-páscoa-quase-paraíso, regressámos
ao calvário da chuva, do cinzentismo.
A chuva faz falta e se agora nem de casa podemos sair,
que chova.
Ouçamos o som da chuva a cair.
Saibamos receber a chuva porque os campos dela precisam,
enquanto vamos lembrando aquele poema do José Gomes Ferreira e como música para
hoje, ficamos com Morning Mood de Peer Gynt, composto por Edvard Grieg
para a peça, com o mesmo nome, de Henrik Ibsen, que não nos fala de chuva, antes
do nascer do sol no deserto.
Chove...
Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?
Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.
1.
Por vezes, ficamos com a ideia de que não há país mais
provinciano que o nosso.
Não é verdade.
Há muitos mais.
Serão todos?
Deparamo-nos com o primeiro-ministro Boris Johnson, publicamente, a agradecer ao enfermeiro português que dele tratou enquanto esteve
hospitalizado nos cuidados intensivos.
Desconheço se o enfermeiro teve alguma reacção, mas
gostava que tivesse dito que foi para isso que estudou e o ensinaram, e tanto acompanharia
na doença sua excelência, como um qualquer sem abrigo da cidade de Londres.
Cada um de nós é a pessoa mais importante para si
próprio. O orgulho pelo nosso trabalho, o ser solidário com os outros.
Não sei se disse, fujo dos pormenores, mas quase ao mesmo
tempo me disseram que Marcelo Rebelo de Sousa já falou com Luís Pitarma, o
enfermeiro, e sublinhou o especial reconhecimento apresentado por Boris
E o Cristiano Reinaldo, também já falou com o enfermeiro
Luís?
2.
Título do Jornal de
Notícias:
«Profissionais de
saúde são dos mais mal pagos da Europa.»
Não só os profissionais de saúde, todos os trabalhadores,
exceptuam-se os do costume, de há muito, são dos mais mal pagos na Europa.
3.
Um total de 761 reclusos já foram libertados em todo o
país, no âmbito das normas excepcionais e de perdão de penas aplicadas à
população prisional devido à pandemia.
4.
Os Número negros:
No mundo, o número de mortos cifra-se em 118.984 mortes.
Portugal regista 535 mortes.
Em Itália são 20,465 mortes, em Espanha 17.849 mortes, em
França 14.967 mortos.
No Reino Unido já morreram 11.329 pessoas.
Os fornecedores das funerárias do país avisaram que não
têm stocks de sacos para cadáveres. A espera para a compra destes materiais
vindos de fora é de semanas. O sistema de saúde britânico diz ter material
suficiente, mas os trabalhadores avisam que estão a embrulhar corpos em
lençóis.
Os Estados Unidos elevaram o número de mortos para
22.020.
A 28 de Fevereiro, o irresponsável Donald Trump dizia:
«Dentro de dias, os 15 casos que há nos EUA
vão ficar reduzidos a zero.»
Trump ameaça despedir Anthony Fauci, especialista em
doenças infeciosas, por, mais de uma vez, ter dito que se as restrições
tivessem sido impostas mais cedo, mais vidas teriam sido salvas.
5.
«Cansa-me tanto, escrever. Cansa-me porque escrever
não é recapitular a memória: é destruir a memória. A memória é a última coisa
que nos sobra, quando estamos assustados, tão, que recompor a memória é uma
grande falta de pudor. A memória é uma autobiografia às avessas, que oculta
coisas secretas.
Não sei se alguém vai entrar por aquela porta, trazida
por um perfume, um som, uma esperança. Sei que todos nós fomos lançados para
destinos contrários.»
O Partido, a
que José Saramago pertenceu até à sua morte, não apreciou
a independência
política que o escritor desenvolveu durante o PREC, mais concretamente enquanto
foi sub-director do Diário de Notícias.
Álvaro Cunhal
só depois de ter lido Levantado do Chão reconheceu o escritor que Saramago era
e tenha, a partir daí tenha modificado o relacionamento pessoal e,
politicamente, ter permitido a sua independência.
Já antes, em
vida de Álvaro Cunhal, Saramago terá discordado dele algumas vezes,
interpretando a História de forma diferente. Escreveu Saramago numa crónica:
«A esta
distância, porém, já tudo parece esfumar-se, até as razões com que, sem
resultados que se vissem, nos pretendíamos convencer um ao outro. O mundo
seguiu o seu caminho e deixou-nos para trás.»
Muitas vezes,
em textos, em diversas entrevistas, José Saramago abordou o facto de ser
comunista:
«Às
vezes refleti sobre o facto de ainda ser comunista. Claro que sou e não consigo
imaginar-me sendo algo diferente. Mas percebi que precisava acrescentar algo a
esse ditado sou comunista e acrescento que sou um comunista libertário. Como
escritor, acredito que nunca me separei da minha consciência como
cidadão. Eu acredito que onde um vai, o outro deve ir. Não me lembro
de ter escrito uma única palavra que contradissesse as convicções políticas que
defendo, mas isso não significa que eu já tenha colocado a literatura ao
serviço directo da ideologia que é minha. Significa, sim, que quando
escrevo, em cada palavra, procuro expressar a totalidade do homem que
sou. Repito: não separo a condição de escritor da de cidadão, mas não
confundo a condição de escritor com a do militante político.
Se alguma vez me tivesse sentido mal no
partido, tinha saído, e se um dia me sentir mal, saio. As minhas discordâncias,
que são sérias, e em alguns casos sobre pontos essenciais, não foram
suficientes para abandonar o partido. Creio que por causa da minha própria
convicção, e sem esforço. É o único parido onde a minha convicção está à vontade
e tem suficiente resposta.»
Mais uma achega:
«Eu tenho o partido que tenho, e não
tenho outro. Se estou dentro, tenho de enfrentar todas as consequências. Na
minha relação com o PCP não entro em conta com a minha “base social de apoio”
(a expressão é do Eduardo Prado Coelho) enquanto escritor, ou cidadão. Se tiver
de acontecer que o facto de o PCP não ter feito a sua “perestroika” afecte a
minha vida pública como escritor, não é por isso que deixo o meu partido. Não,
não deixo o partido.»
Ainda uma outra achega:
«O partido como um sol, como um deus,
não significa que, uma vez por outra, quando se está ao sol, não se procure a
sombra, e que mesmo aqueles que crêem em Deus não tenham as suas dúvidas. Não
estou em crise de fé, nem me refugiei na sombra,O que acontece é que a minha relação com o
partido é muito mais saudável do que isso. Eu não considero que o meu partido –
e isso põe-se em relação ao PCP como se poderia por em relação a qualquer outro
-, eu não considero que o meu partido seja competente em matéria literária e,
em geral, artística. Por muito respeito que eu tenha, e tenho, com os meus
camaradas com as responsabilidades directas e imediatas do meu partido, não os
considero realmente tão competentes ao ponto de me poderem dizer como se faz, e
se o que fiz está a bem feito ou mal feito. Prefiro que gostem daquilo que
faço, mas se porventura acontecer não gostarem, paciência…»
Baptista-Bastos
escreveu: «Saramago foi um comunista desobediente; nunca dissidente porque
não tolerava as derivas morais, periodicamente em moda. Esteve sempre onde a
consciência o determinava».
Um aspecto
interessante do livro de Joaquim Vieira sobre José Saramago, reside no passo
em que, a págs. 510, é aflorado o apoio que José Saramago deu a Jorge Sampaio
quando este se candidatou à Presidência da República.
Sérgio
Ribeiro:
«Quando o Saramago apoia o Sampaio para
a Presidência da República, diz-mo a mim num almoço. Saiu do restaurante a
dizer-mo “vou apoiar o Jorge Sampaio.» E eu: “Ó Zé, há um candidato do partido,
tu conhece é um militante conhecido.”Ele não estava de acordo. Eu posso não
estar de acordo, mas a partir do omento em que há uma decisão tomada por nós,
esse constrangimento aceito-o.»
É José Luís
Judas, ex-militante do PCP, que revela até que ponto Saramago estava consciente
do que dizia e o quanto o Partido percebeu e consentiu nesse procedimento de
Saramago:
«Ele não o fez contra o PCP, mas de
forma convicta em conformidade com o PCP. De certeza que falou antes com alguém
do PCP. Aquilo foi feito em cumplicidade, não tenho dúvidas. Era um sinal de
que o partido estava de acordo. Eu sei como funcionava o PCP (quem sugeriu o
apoio do Partido Comunista a Sampaio para a Câmara Municipal de Lisboa fui eu).
Sampaio também não estava interessado em que o PCP o apoiasse publicamente.
Devem ter dito ao Saramago (o Cunhal fazia essas coisas muito bem): “Dá sinal
ao homem de que a gente está com ele”.»
Remate
conclusivo de Joaquim Vieira:
«E o facto é que a desistência de
Jerónimo de Sousa, à beira das urnas, a favor de Sampaio mostraria que Saramago
tivera razão antecipada, pelo que o PCP também nunca mais tocaria no assunto.»
Pronto. É uma história de amor, triste como o costume.
As histórias de amor alegres não são para contar. As verdadeiras acabam sempre
mal, duma maneira ou doutra. Com a Irene ao lado, algures em Setúbal, meti n’Os
Namorados três parágrafos melancólicos. É tudo o que me resta da Fátima.
Escrever, para mim, não é sacrifício: é um prazer. É também um acto
moral e social. Eu sempre achei que a criação literária é uma criação
comprometida, , ainda que a pessoa não esteja comprometida, digamos no sentido
partidário. Mas está comprometida com todo um ideal de justiça, de liberdade,
de visão social do mundo. Tudo isso representa um comprometimento sem o qual a
literatura acto moral e social. Tudo isso representa um comprometimento sem o
qual a literatura para mim não existe.
Da entrevista dada a
Baptista-Bastos e publicada no Diário
Popular de 30 de Setembro de 1976
A noite de que neste livro se fala é a de 24 para 25 de Abril de 1974. Aqui
se diz algum pouco do que aconteceu ou podia ter acontecido por trás das
janelas iluminadas das redacções e das tipografias, enquanto na rua o regime
fascista principiava a cair. Entram jornalistas de alto e baixo, tipógrafos, o
director de uns, o administrador de todos. Não há retratos, mas talvez se
encontrem retratos. Tal como na vida dos dias todos, uma gente é boa, outra
ruim, outra não sabe o que seja nem sabe o que é. Estes são firmes, aqueles são
fracos provavelmente porque nunca se lhes pediu a humana ousadia de o não
serem. Não será uma história verdadeira, mas é, com certeza, uma história sem
mentira.
José Saramago na
contracapa de A Noite
José Saramago
nunca se considerou um jornalista.
Numa entrevista
a Mário Vieira de Carvalho, Diário de Lisboa, 1 de Junho de 1978 justifica a
afirmação:
«Não é jornalista um homem que não passou pela
tarimba, pelos rudimentos da profissão, pelos tribunais, pela polícia, pela
reportagem de rua, pela entrevista, pela rotina frustradora, pela excitação de
sacar uma notícia primeiro que a concorrência. Entrei para o jornalismo pela
porta das administrações, convidado para exercer função de opinante, no caso do
«Diário de Lisboa», e de director-adjunto do «Diário de Notícias», com
acréscimo de função de editorialista. Com isto não se faz um jornalista mesmo
tendo-me eu sempre esforçado por entender os claros e escuros duma profissão,
cheia de alçapões.»
A Noite constitui a primeira experiência
teatral de José Saramago, respondendo a um pedido de Luzia Maria Martins que o
«achou capaz de escrever uma peça» e
a quem o livro é dedicado.
Possivelmente, por falta de apoios financeiros, Luzia Maria Martins não conseguiu
colocar A Noite em cena pela sua
companhia Teatro Estúdio de Lisboa sedeadoa no Teatro Vasco Santana, na
antiga Feira Popular, em Entrecampos.
A Noite é o
segundo volume da colecção «O Campo da Palavra», da Editorial Caminho, o
primeiro volume é Círculo Aberto, livro de poemas de António Ramos Rosa.
Estamos em 1979, Zeferino Coelho sabia que os livros que
José Saramago tinha publicado na Moraes Editora tiveram parcos resultados
editoriais, mas arriscou e, no ano seguinte, mais arriscará com a publicação de
Que farei com Este Livro e com Levantado do Chão.
«Não sou um
escritor de êxito comercial, não sou o que se chama um bom negócio editorial»
disse Saramago na já citada entrevista a Mário Vieira de Carvalho
Sabemos hoje o que veio a acontecer.
Nelson de Matos também sabe, e quanto lamentou o golpe de
asa que lhe faltou ou lhe negaram por não publicar Levantado do Chão.
Ser editor é um desassossego, ainda e sempre um
desassossego.
Legenda: capa de A
Noite publicado pela Porto Editora. A caligrafia da capa é da autoria de Baptista-Bastos.
Esperávamos, ansiosos,
pela serenidade de Setembro mas acontecem-nos temperaturas agostonianas.
Resta-nos hoje um, breve, mergulho na segunda entrevista que o Crocodilo que Voa guardou de Luiz Pacheco,
publicada em O Inimigo de Abril de
1994 e teve a conduzi-la Baptista-Bastos: «Olhó
Pacheco! Sacana Libertino Escritor»:
Fala de outros
autores:
O Saramago. Gosto imenso do Saramago como pessoa, como camarada do
partido, e pelas suas capacidades de trabalho. Devo-lhe muitos favores e
finezas e atenções.
O Saramago é o grande vencedor do 25 de Novembro. Escrevia umas coisas
no Diário de Lisboa e no Diário
de Notícias, confundiu o Beckett com o
Ionesco, enfim, coisas a esquecer. E aquele Manual de Pintura e Caligrafia é uma chatice. Ele tem um romance que
escamoteia, Terra do Pecado, e eu não
sei porque é que ele não o republica, não o envergonha nada, aquele romance
datado, em comparação com outros da mesma época. Daqui a cinquenta anos, depois
da morte dele, vai haver um editor espertalhão que o publicará… Mas o Saramago
avançou com o Memorial do Convento, e
é o grande impacte. Mas temos de ter cuidado com o que dizemos.
Que significa essa
precaução?
É que há toda uma maquinaria editorial, E um tipo sabe que, se mete lá
a mão, levam-nos o braço e o corpo todo, se possível a alma e o resto… a
pilinha… Já antes do memorial, o Saramago tinha publicado Levantado do Chão, ao qual dediquei uns artigos no Diário
Popular, que me impressionou muito. E até as peças de teatro dele são coisas
muito giras. Que Farei com Este Livro?,
está muito acima do que por aí se faz. Republicou, mais tarde, na Caminho, a
sua poesia, um horror!, e ele bem sabe que é um horror. O Memorial é excepcional. O Ano da Morte de
Ricardo Reis é uma montagem bem feita. A
Jangada de Pedra não consegui ler aquilo
de fio a pavio. O Evangelho li duas
páginas e pensei. «Nunca li a Bíblia,
já não vou ler isto!» É muito comprido. Já não tenho tempo nem vista. Dei-o ao
meu filho.
E os outros? Já que
estamos numa espécie de listagem.
Gajos que considero fora da carroça: o Ferreira de Castro, o Fernando
Namora, o Lobo Antunes (que já não consigo ler, não leio mesmo), o Vergílio
Ferreira. Este é um grande escritor, lá isso é, e tem uns três livros muito bem
conseguidos, é um tipo de craveira mental, mas tem deixado escapar alguns
disparates indesculpáveis. E isso é muito triste num escritor como o Vergílio
Ferreira, que também não posso detestar.