O Partido, a
que José Saramago pertenceu até à sua morte, não apreciou
a independência
política que o escritor desenvolveu durante o PREC, mais concretamente enquanto
foi sub-director do Diário de Notícias.
Álvaro Cunhal
só depois de ter lido Levantado do Chão reconheceu o escritor que Saramago era
e tenha, a partir daí tenha modificado o relacionamento pessoal e,
politicamente, ter permitido a sua independência.
Já antes, em
vida de Álvaro Cunhal, Saramago terá discordado dele algumas vezes,
interpretando a História de forma diferente. Escreveu Saramago numa crónica:
«A esta
distância, porém, já tudo parece esfumar-se, até as razões com que, sem
resultados que se vissem, nos pretendíamos convencer um ao outro. O mundo
seguiu o seu caminho e deixou-nos para trás.»
Muitas vezes,
em textos, em diversas entrevistas, José Saramago abordou o facto de ser
comunista:
«Às
vezes refleti sobre o facto de ainda ser comunista. Claro que sou e não consigo
imaginar-me sendo algo diferente. Mas percebi que precisava acrescentar algo a
esse ditado sou comunista e acrescento que sou um comunista libertário. Como
escritor, acredito que nunca me separei da minha consciência como
cidadão. Eu acredito que onde um vai, o outro deve ir. Não me lembro
de ter escrito uma única palavra que contradissesse as convicções políticas que
defendo, mas isso não significa que eu já tenha colocado a literatura ao
serviço directo da ideologia que é minha. Significa, sim, que quando
escrevo, em cada palavra, procuro expressar a totalidade do homem que
sou. Repito: não separo a condição de escritor da de cidadão, mas não
confundo a condição de escritor com a do militante político.
Se alguma vez me tivesse sentido mal no
partido, tinha saído, e se um dia me sentir mal, saio. As minhas discordâncias,
que são sérias, e em alguns casos sobre pontos essenciais, não foram
suficientes para abandonar o partido. Creio que por causa da minha própria
convicção, e sem esforço. É o único parido onde a minha convicção está à vontade
e tem suficiente resposta.»
Mais uma achega:
«Eu tenho o partido que tenho, e não
tenho outro. Se estou dentro, tenho de enfrentar todas as consequências. Na
minha relação com o PCP não entro em conta com a minha “base social de apoio”
(a expressão é do Eduardo Prado Coelho) enquanto escritor, ou cidadão. Se tiver
de acontecer que o facto de o PCP não ter feito a sua “perestroika” afecte a
minha vida pública como escritor, não é por isso que deixo o meu partido. Não,
não deixo o partido.»
Ainda uma outra achega:
«O partido como um sol, como um deus,
não significa que, uma vez por outra, quando se está ao sol, não se procure a
sombra, e que mesmo aqueles que crêem em Deus não tenham as suas dúvidas. Não
estou em crise de fé, nem me refugiei na sombra, O que acontece é que a minha relação com o
partido é muito mais saudável do que isso. Eu não considero que o meu partido –
e isso põe-se em relação ao PCP como se poderia por em relação a qualquer outro
-, eu não considero que o meu partido seja competente em matéria literária e,
em geral, artística. Por muito respeito que eu tenha, e tenho, com os meus
camaradas com as responsabilidades directas e imediatas do meu partido, não os
considero realmente tão competentes ao ponto de me poderem dizer como se faz, e
se o que fiz está a bem feito ou mal feito. Prefiro que gostem daquilo que
faço, mas se porventura acontecer não gostarem, paciência…»
Baptista-Bastos
escreveu: «Saramago foi um comunista desobediente; nunca dissidente porque
não tolerava as derivas morais, periodicamente em moda. Esteve sempre onde a
consciência o determinava».
Um aspecto
interessante do livro de Joaquim Vieira sobre José Saramago, reside no passo
em que, a págs. 510, é aflorado o apoio que José Saramago deu a Jorge Sampaio
quando este se candidatou à Presidência da República.
Sérgio
Ribeiro:
«Quando o Saramago apoia o Sampaio para
a Presidência da República, diz-mo a mim num almoço. Saiu do restaurante a
dizer-mo “vou apoiar o Jorge Sampaio.» E eu: “Ó Zé, há um candidato do partido,
tu conhece é um militante conhecido.”Ele não estava de acordo. Eu posso não
estar de acordo, mas a partir do omento em que há uma decisão tomada por nós,
esse constrangimento aceito-o.»
É José Luís
Judas, ex-militante do PCP, que revela até que ponto Saramago estava consciente
do que dizia e o quanto o Partido percebeu e consentiu nesse procedimento de
Saramago:
«Ele não o fez contra o PCP, mas de
forma convicta em conformidade com o PCP. De certeza que falou antes com alguém
do PCP. Aquilo foi feito em cumplicidade, não tenho dúvidas. Era um sinal de
que o partido estava de acordo. Eu sei como funcionava o PCP (quem sugeriu o
apoio do Partido Comunista a Sampaio para a Câmara Municipal de Lisboa fui eu).
Sampaio também não estava interessado em que o PCP o apoiasse publicamente.
Devem ter dito ao Saramago (o Cunhal fazia essas coisas muito bem): “Dá sinal
ao homem de que a gente está com ele”.»
Remate
conclusivo de Joaquim Vieira:
«E o facto é que a desistência de
Jerónimo de Sousa, à beira das urnas, a favor de Sampaio mostraria que Saramago
tivera razão antecipada, pelo que o PCP também nunca mais tocaria no assunto.»
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