quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

SARAMAGUEANDO


O Partido, a que José Saramago pertenceu até à sua morte, não apreciou
a independência política que o escritor desenvolveu durante o PREC, mais concretamente enquanto foi sub-director do Diário de Notícias.

Álvaro Cunhal só depois de ter lido Levantado do Chão reconheceu o escritor que Saramago era e tenha, a partir daí tenha modificado o relacionamento pessoal e, politicamente, ter permitido a sua independência.

Já antes, em vida de Álvaro Cunhal, Saramago terá discordado dele algumas vezes, interpretando a História de forma diferente. Escreveu Saramago numa crónica:

«A esta distância, porém, já tudo parece esfumar-se, até as razões com que, sem resultados que se vissem, nos pretendíamos convencer um ao outro. O mundo seguiu o seu caminho e deixou-nos para trás.»

Muitas vezes, em textos, em diversas entrevistas, José Saramago abordou o facto de ser comunista:

 «Às vezes refleti sobre o facto de ainda ser comunista. Claro que sou e não consigo imaginar-me sendo algo diferente. Mas percebi que precisava acrescentar algo a esse ditado sou comunista e acrescento que sou um comunista libertário. Como escritor, acredito que nunca me separei da minha consciência como cidadão. Eu acredito que onde um vai, o outro deve ir. Não me lembro de ter escrito uma única palavra que contradissesse as convicções políticas que defendo, mas isso não significa que eu já tenha colocado a literatura ao serviço directo da ideologia que é minha. Significa, sim, que quando escrevo, em cada palavra, procuro expressar a totalidade do homem que sou. Repito: não separo a condição de escritor da de cidadão, mas não confundo a condição de escritor com a do militante político.
Se alguma vez me tivesse sentido mal no partido, tinha saído, e se um dia me sentir mal, saio. As minhas discordâncias, que são sérias, e em alguns casos sobre pontos essenciais, não foram suficientes para abandonar o partido. Creio que por causa da minha própria convicção, e sem esforço. É o único parido onde a minha convicção está à vontade e tem suficiente resposta.»

Mais uma achega:

«Eu tenho o partido que tenho, e não tenho outro. Se estou dentro, tenho de enfrentar todas as consequências. Na minha relação com o PCP não entro em conta com a minha “base social de apoio” (a expressão é do Eduardo Prado Coelho) enquanto escritor, ou cidadão. Se tiver de acontecer que o facto de o PCP não ter feito a sua “perestroika” afecte a minha vida pública como escritor, não é por isso que deixo o meu partido. Não, não deixo o partido.»

Ainda uma outra achega:

«O partido como um sol, como um deus, não significa que, uma vez por outra, quando se está ao sol, não se procure a sombra, e que mesmo aqueles que crêem em Deus não tenham as suas dúvidas. Não estou em crise de fé, nem me refugiei na sombra,  O que acontece é que a minha relação com o partido é muito mais saudável do que isso. Eu não considero que o meu partido – e isso põe-se em relação ao PCP como se poderia por em relação a qualquer outro -, eu não considero que o meu partido seja competente em matéria literária e, em geral, artística. Por muito respeito que eu tenha, e tenho, com os meus camaradas com as responsabilidades directas e imediatas do meu partido, não os considero realmente tão competentes ao ponto de me poderem dizer como se faz, e se o que fiz está a bem feito ou mal feito. Prefiro que gostem daquilo que faço, mas se porventura acontecer não gostarem, paciência…»

Baptista-Bastos escreveu: «Saramago foi um comunista desobediente; nunca dissidente porque não tolerava as derivas morais, periodicamente em moda. Esteve sempre onde a consciência o determinava».

Um aspecto interessante do livro de Joaquim Vieira sobre José Saramago, reside no passo em que, a págs. 510, é aflorado o apoio que José Saramago deu a Jorge Sampaio quando este se candidatou à Presidência da República.

Sérgio Ribeiro:

«Quando o Saramago apoia o Sampaio para a Presidência da República, diz-mo a mim num almoço. Saiu do restaurante a dizer-mo “vou apoiar o Jorge Sampaio.» E eu: “Ó Zé, há um candidato do partido, tu conhece é um militante conhecido.”Ele não estava de acordo. Eu posso não estar de acordo, mas a partir do omento em que há uma decisão tomada por nós, esse constrangimento aceito-o.»

É José Luís Judas, ex-militante do PCP, que revela até que ponto Saramago estava consciente do que dizia e o quanto o Partido percebeu e consentiu nesse procedimento de Saramago:

«Ele não o fez contra o PCP, mas de forma convicta em conformidade com o PCP. De certeza que falou antes com alguém do PCP. Aquilo foi feito em cumplicidade, não tenho dúvidas. Era um sinal de que o partido estava de acordo. Eu sei como funcionava o PCP (quem sugeriu o apoio do Partido Comunista a Sampaio para a Câmara Municipal de Lisboa fui eu). Sampaio também não estava interessado em que o PCP o apoiasse publicamente. Devem ter dito ao Saramago (o Cunhal fazia essas coisas muito bem): “Dá sinal ao homem de que a gente está com ele”.»

Remate conclusivo de Joaquim Vieira:

«E o facto é que a desistência de Jerónimo de Sousa, à beira das urnas, a favor de Sampaio mostraria que Saramago tivera razão antecipada, pelo que o PCP também nunca mais tocaria no assunto.»

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