sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

OLHAR AS CAPAS


A Cidade de Cobre

Gil de Carvalho
Edições Cotovia, Lisboa, Outubro de 2001

Comprámos um frango na venda do outro lado da cerca e fizemos a refeição no alpendre que ficava nas traseiras. Para ver a tua palmeira, bebíamos vinho novo e comíamos queijo seco barrado com colorau, e azeitonas, por copos vidrados e com os garfos de aço cru e mal temperado. A pequena lama negra posta assim no rosto de ambas era proveniente de uma mistura inusitada a meio do riacho, no fundo do Parque Real, vedado agora. Arabescos, salpicados de algum vermelho e espantalhos. Via-te agora transformada numa monja de cabeça quase rapada, e belos seios, por baixo da veste amarela, extraviada, pelas privações do comunismo. Faço a vénia e prossigo a descida para o rio, íngreme e seca. O meu cão é Pirgos, de seu nome, e ladra sem cessar. Urino de seguida junto à porta baixa do convento abandonado, e trancado, boa parte do ano. A tua palmeira ainda lá está. Diria que é a única coisa de pé naqueles locais que para nós foram, durante algum tempo sagrados.

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