São muitos dias
(e alguns nem tantos como
isso...)
e começa a fazer-se tarde
de um modo
menos literário do que
soía,
(um modo literal e inerte
que, no entanto, não posso
dizer-te
senão literariamente).
Mas não há pressa, nem se
vê ninguém a correr;
a única coisa que corre é
o tempo,
do lado de fora, porque
dentro
a própria morte é uma
maneira de dizer.
Caem co’a calma as
palavras
que sustentaram o mundo,
e nem por isso o mundo
parece
menos terreno ou
impermanece.
Restam, é certo, alguns
livros,
algumas memórias, algum
sentido,
mas tudo se passou noutro
sitio
com outras pessoas e o que
foi dito
chega aqui apenas como um
vago ruído
de vozes alheias, cheias
de som e de fúria:
literatura, tornou-se tudo
literatura!
E a vida? (Falo de uma
vida
muda de palavras e de
dias, uma vida nada mais que vida;
haverá uma vida assim para
viver,
uma vida sem a si mesma se
saber?)
Lembras-te dos nossos
sonhos? Então
precisávamos (lembras-te?)
de uma grande razão.
Agora uma pequena razão
chegaria,
um ponto fixo, uma
esperança, uma medida.
Manuel António Pina de Atropelamento e Fuga em Poesia Reunida
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