domingo, 31 de maio de 2020

OLHAR AS CAPAS


Capa do JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias nº 1295
De 20 de Maio 2 de Junho de 2020

Neste número do JL, destaque para o centenário de Ruben A. com artigos de Fernando Pinto do Amaral, Dália Dias, Clara Rocha, Guilherme d’Oliveira Martins, três cartas inéditas de Rubea A., uma de Eduardo Lourenço e outra de Sophia Mello Breyner Andresen, que é um poema sobre a sua morte:

Carta a Ruben A.

Que tenhas morrido é ainda uma notícia
Desencontrada e longínqua e não a entendo bem
Quando - pela primeira vez - bateste à porta da casa e te sentaste à mesa

Trazias contigo como sempre alvoroço e início
Tudo se passou em plenos e projectos
E ninguém poderia pensar em despedida

Mas sempre trouxeste contigo o desconexo
De um viver que nos funda e nos renega
- Poderei procurar o reencontro verso a verso
E buscar - como oferta - a infância antiga

A casa enorme vermelha e desmedida
Com seus átrios de pasmo e ressonância
O mundo dos adultos nos cercava
E dos jardins subia a transbordância
De rododendros dálias e camélias
De frutos roseirais musgos e tílias

As tílias eram como catedrais
Percorridas por brisas vagabundas
As rosas eram vermelhas e profundas
E o mar quebrava ao longe entre os pinhais

Morangos e muguet e cerejeiras
Enormes ramos batendo nas janelas
Havia o vaguear tardes inteiras
E a mão roçando pelas folhas de heras

Havia o ar brilhante e perfumado
Saturado de apelos e de esperas
Desgarrada era a voz das primaveras

Buscarei como oferta a infância antiga
Que mesmo tão distante e tão perdida
Guarda em si a semente que renasce.


Sophia de Mello Breyner Andresen em O Nome das Coisas

ANTOLOGIA DO CAIS


Para assinalar os 10 anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar alguns textos que por aqui foram sendo publicados.

OLHARES

Aqui ainda é O Toni dos Bifes.

Um dos restaurantes mais antigos de Lisboa, na Rua Praia da Vitória, junto ao Saldanha.

Carlos de Oliveira morava no prédio ao lado de O Toni dos Bifes.

Almoçava por lá. Depois o Augusto Abelaira ia ter com ele, ou almoçava também, e depois iam para o Monte Carlo onde continuavam a aparecer mais escritores, pintores, cineastas, artistas de teatro e cinema.

Quando ainda havia cafés.

Os cafés eram locais privilegiados para as tertúlias.

 Locais de convívio e de escrita.

Augusto Abelaira terá sido o escritor que mas utilizou os cafés para a escrita dos seus romances.

Era vê-lo mergulhado na escrita/leitura de papeis, cachimbo em riste – podia-se fumar nos cafés, pois então!

Na Cister, na Alsaciana, na Coimbra, que ainda existem.

A primeira fase consiste em escrever, escrever, porque as fases seguintes, de reescrita e montagem, têm de ser em casa. Seria preciso andar com uma mala e espalhar muitos papéis.

Mais ainda:

Como eu escrevo nos cafés, o que eu precisava era que houvesse cafés para, durante a manhã, estar a escrever. Como os cafés vão desaparecendo, a possibilidade de escrever é cada vez menor. Quando todos os cafés tiverem desaparecido de Lisboa eu encerro a escrita. Deixo de escrever, isto é, vou morrer, quando fechar o último café em Lisboa onde possa escrever.


Jorge Silva Melo foi um assíduo frequentador dos cafés de Lisboa.

O seu livro de memórias No Século Passado está cheio de referências:

E era nos cafés, abertos desde manhã cedo e até de madrugada, abertos aos feriados e aos domingos que tudo isso se ia passando.

Também os Dias Comuns do José Gomes Ferreira estão cheios de referências dos cafés que frequentava com os escritores seus amigos e camaradas, cafés que iam fechando – naquele tempo com destino certo de dependências bancárias - e obrigava a arranjar outro refúgio.

Tal como no 4º volume desses Dias Comuns, José Gomes Ferreira conta:

6 de Janeiro de 1968

A Bel comunicou-me este triste recado do Carlos de Oliveira: o café Bocage, nosso ninho de longos anos Avenida da República vai fechar amanhã.

28 de Maio de 1968

Fechou o Martinho.
Que se passa em Lisboa, onde já se respira tão pouco?
O Abelaira telefonou-me, alarmado, a dar-me a notícia fantástica.
- Mas será verdade’ – PERGUNTEI, INCRÉDULO.
- É… - Disse-me o Magalhães Godinho… A notícia vem no jornal da tarde.
Silêncio inquieto diante desta mutilação do fumo do passado.
- E agora?
- Talvez o Paladium  nos restauradores.
- Pois seja o Paladium!


E nisto de cafés, no fechar da página, impossível não ir buscar o João César Monteiro em Uma Semana Noutra Cidade:

São 10 da noite. Estou a escrever no Monte Carlo, onde só há homens. Precisava de apanhar o Fernando para lhe cravar umas aguardentes. É meu desejo estar completamente grosso por volta da meia-noite e com o espírito propenso à obscenidade. Se arranjasse 100 paus ia às putas. Deve ser fabuloso ir às putas na noite de Natal. Duvido é que haja alguém que esteja para me aturar a bebedeira por 100 paus.
"Não estamos em Itália, não há grappa alla ruta, não há comoções nocturnas da Zé, não há nada. Nem sequer o direito ao vómito. Não há nada, mas ainda há vida. Ainda estrebucho, minha senhora. Ainda digo merda e embarco no tudo ou nada do amor. Ainda me jogo inteiro no real e no possível, no confronto entre o que sou e o que podia ser. Ainda simpatizo (ao longe é certo) com as lutas históricas do proletariado de todo o Mundo.

Texto publicado em 21 de Janeiro de 2016

QUANDO DEI COM A FIGURANTE


quando dei com a figurante que dobrava a “star”
ao abrirem-se as portas do elevador
e eu ia a sair
e ela ia a entrar
às 4 da manhã
e reparei que ela estava literalmente pedrada
perguntei-lhe com quê
6 valiuns e vinho branco respondeu
porque tinha sido o último dia de filmagens
por isso pensou que havia de celebrar
metendo-se com alguém da equipa
pedradamente
visto que esta era a sua terra natal
e ela teria de continuar precisamente ali
e a angústia de não passar de uma sósia local
abandonada
numa cidade de onde queria desertar
estava a deitá-la abaixo
se estava
e de repente senti-me mais que envergonhado
por ser actor num filme
por provocar ilusões tão estúpidas
por isso levei-a para o meu quarto
sem qualquer desejo pelo seu corpo
nenhum
e ela ficou desesperadamente desiludida
tentou atirar-se da janela abaixo
eu disse-lhe olha que não vale a pena
não passa de um idiota de um filme
ela respondeu não tão idiota como a vida.


Sam Shepard em Crónicas Americanas

sábado, 30 de maio de 2020

RELACIONADOS


O nº 8 de Notícias deBloqueio é dedicado à poesia africana de expressão portuguesa.

Encontramos poemas de António Jacinto, Mário António, Viriato da Cruz e Agostinho Neto.

Um dos poemas de Viriato da Cruz é O Namoro para o qual Fausto arranjou música e que Sérgio Godinho incluiu no seu álbum De Pequenino se Torce o Destino, editado em 1976, e garanto-vos que é uma maravilha de canção.

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando
de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas

Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seus seios, laranjas - laranjas do Loje
seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo, rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigenia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.

Levei á Avo Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, á porta da fabrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.

Andei barbudo, sujo e descalço,
como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
"-Não viu...(ai, não viu...?) não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair
levaram-me ao baile do Sô Januario
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso
as moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba - dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim !"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.


OLHAR AS CAPAS


Notícias do Bloqueio
Nº 8

Direcção literária: Egito Gonçalves, Papiniano Carlos
                                 Luís Veiga Leitão, António Rebordão Navarro
Gráfica: Álvaro A. Portugal
Gravura: Charles White
Porto, Março de 1961

Mussanda Amigo

Para aqui estou eu
Mussunda amigo
Para aqui estou eu

Contigo
Com a firme vitória da tua alegria
e da tua consciência
             - o ió Kalunga ua mu bangele-le-lelé!
             o ió Kalunga ua mu bangele-le-lelé.

Lembras-te?
Da tristeza daqueles tempos
em que íamos
comprar mangas
e lastimar o destino
das mulheres da Funda,
dos nossos cantos de lamento,
dos nossos desesperos
e das nuvens dos nossos olhos.
Lembras-te?

Para aqui estou eu
Mussunda amigo

A vida, a ti a devo
à mesma dedicação, ao mesmo amor
com que me salvaste do abraço
da jibóia

à tua força
que transforma os destinos dos homens.

A ti devo a vida.
E escrevo versos que tu não entendes!
Compreendes a minha angústia?

Não era isto
o que nós queríamos, bem sei
mas no espírito e na inteligência
nós somos.

Inseparaveis
caminhando ainda para o nosso sonho.

Os corações batem ritmos
de noites fogueirentas
Os pés dançam sobre palcos
de místicas tropicais
os sons não se apagam dos ouvidos,
              o ió Kalinga ua um bangele…
Nós somos.

Agostinho Neto

ANTOLOGIA DO CAIS


Para assinalar os 10 anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar alguns textos que por aqui foram sendo publicados.

IRONIAS DO DESTINO

Guardo dos Suplementos Literários, principalmente os publicados durante a ditadura, as mais gratas recordações.

Raro era o jornal que não tinha o seu suplemento, quase todos publicados às quintas-feiras, uns mais bem trabalhados que outros, mas qualquer um com o seu ponto de interesse.

Para mim o mais interessante, sempre foi o do Diário de Lisboa, e recordo as críticas literárias do Alexandre Pinheiro Torres, do Mário Sacramento, do Álvaro Salema, do Eduardo Prado Coelho.

José Saramago, Vitor Silva Tavares, José Cardoso Pires, foram alguns dos coordenadores do Suplemento do Diário de Lisboa.

Do muito do que por esses suplementos fui lendo, fiquei a conhecer escritores, muitos dos quais nem sequer o nome ouvira.

É o caso deste artigo de Afonso Cautela, a propósito da edição, pela Ulisseia, de uma Antologia do Raul de Carvalho e publicado no Suplemento Literário do Jornal de Notícias de 3 de Março de 1966.

Depois de o ler, fiquei de imediato com a ideia de que Raul de Carvalho era um escritor que teria de conhecer.

O dinheiro era curtíssimo e eu apontava os autores e os livros num caderdinho, na expectativa de uma qualquer oportunidade para os adquirir.

Numa tarde de sábado do ano Abril de 1972, num género de carripana, que do lado direito de quem entrava no Parque Mayer, vendia livros e revistas em 2ª mão, no meiode Corins Tellado, Caprichos, Crónicas Femininas, Plateias e por aí adiante, encontrei a Poesia de Raul de Carvalho, editada em 1955 pela Portugália Editora.

Custou 5$00 que, naquele tempo, ao contrário do que se possa pensar, não era um mero preço.

Precisamente o livro em que está inserido Vem Serenidade, o tal poema que Bénard da Costa diz ser dos mais belos poemas da língua portuguesa.

Sorte de leitor.

Vem, setrenidade,
e lembra-te de nós,
que te esperamos há séculos
sempre no mesmo sítio,
um sítio aonde a morte
tem todos os direitos.

As palavras de Afonso Cautela, que lera em 1966, tinham toda a razão de ser.

Faço os recortes:



Assim se fazia a minha alegria de leitor, aquilo que passa por ser cultura e é amor.


Aconteceu com Raul de Carvalho, com José Gomes Ferreira, com José Saramago, tantos outros.

Descobri-los, ficar uma felicidade apaixonada a rondar pelo corpo e nunca mais deixar de os ter a meu lado.

Dos vinte e cinco livros que Raul de Carvalho publicou 13 são Edição do Autor.

Para além dos custos de composição e impressão, Raul de Carvalho tinha de andar, de livraria em livraria, a colocar os livros, que ficavam em lugares pouco visíveis, a tralha é que tem de ficar bem à vista.

Tardiamente faziam contas com ele e nem todas chegavam a fazê-las.

E Raul de Carvalho sempre viveu com extremas dificuldades: económicas e de saúde.

Um quotidiano de silêncios, humilhações, dificuldades inomináveis, uma descontrolada paixão pelos outros.

Mas com uma fidelidade a si próprio que tanto o maravilhava, comovia e de que tanto se orgulhava.

Viveu numa permanente solidão, uma amarga e dolorosa peregrinação, mas sempre soube de que lado estava a verdade e a justiça.

Era um doente de risco, e sem ter com que pagar a alguém que o acompanhasse na doença, chegou a viver num asilo de caridade em Odivelas.

Hoje, penso que não: que adoeci, que fui
Envelhecendo, que há poucos livros úteis,
Que, para sobreviver, temos de trabalhar…
E o trabalho sem amor mata.
Não penso já no amor, penso na morte.
Não na morte que a todos nos espera, a um canto
do mundo, a um momento, não na morte final
estou pensando agora.

Jorge de Sena colocou-o entre os 100 melhores poetas do Século XX português.

E Baptista-Bastos dele escreveu:

Não o conheço de convívio, de fala, de gesto; conheço-lhe a poesia, porventura a forma mais íntima de lhe escutar a voz, lhe perscrutar as sombras, de entender os seus gritos hirtos, silenciosos, arranhados e feridos. Raul de carvalho. Um dos maiores poetas portugueses vivos, um homem marcado por suave tristeza, solidão proliferante em todos os mansos movimentos e, num escrínio raro, os poemas que escreveu, falando de si como se dos outros, de todos nós, falasse.

Em 1984, quis participar na IV Bienal de Vila Nova de Cerveira com uma comunicação sobre a jovem poesia portuguesa, que não chegou a apresentar.

Na madrugada de 12 para 13 de Agosto, o seu primeiro dia de estadia na vila, foi encontrado caído no chão da casa onde dormia.

Levaram-no para o hospital de Viana de Castelo, mas dada a gravidade do seu estado, encaminharam-no para o Hospital de S. João.

Com alta do hospital, foi repousar para casa do seu amigo Albano Martins, no Porto. Foi aí que uma pneumonia, no dia 3 de Setembro, colocou um ponto final no calvário dos dias atribulados que viveu.

No dia seguinte completaria 64 anos.

Ironias do destino, ou o que lhe quiserem chamar.

Texto publicado no dia 3 de Setembro de 2015.

ROSA QUE NÃO ÉS DO POVO


                                              (Depois de leres Carlos Drummond de Andrade)

Chegou a hora
De ir casa um
Direito à casa
De cada um

Chegou a hora
De calmamente
Por fora – e dentro
Mais rijo e louco
Do que um trovão
Pedir à hora
Que já chegou
Que deixe que
No seu regaço
De esposa pobre
Se deite e aqueça
O coração de cada um

De pois – o mais
Que acontecer
Tudo se passa
Nos desvendados
Balcões de sonho
Onde meditam
Chegada a hora
Ninhos e anjos
Pedras e vícios
Coisas formosas
E outras bem menos


Tudo se perde
Tudo se ganha
Quando aflita
A hora vem
Pé ante pé
Lembrar que o campo
Do coração
É sempre ou quse
Sempre mais móvel
E mais molhado
Do que outras praias
Outros vergéis
Outros clarins
Outros sinónimos
De claramente
Ir pressagiando
Que tudo isso
Milagre ou crime
No fim se escapa
E se mistura
Chegada a hora
Chegada a hora

A luz acesa
O mar defronte
A testa baixa
O corpo doído
O sonho às voltas
E às avessas
A vida aqui
Tão mastigada
E tão comprometida
Que a gente pode
Dizer que não
À vida
As magras mãos
Magras se estendem
E – regressadas
As mãos se cruzam

Estamos lúcidos
A hora passa.

Raul de Carvalho em Um e o Mesmo Livro

sexta-feira, 29 de maio de 2020

ETECETERA


Por isto ou por aquilo a TAP anda sempre pelas páginas dos jornais, pelos noticiários das televisões.

Não é só de agora e quase nunca por bons motivos.

No dia 12 de Agosto de 2009, Manuel António Pina escrevia a sua habitual crónica no Jornal de Notícias.

E era sobre a TAP:

«As más notícias são que a TAP atravessa, segundo o Conselho de Administração de Fernando Pinto, uma "crise gravíssima", tendo tido no ano passado 280 milhões de euros de prejuízos e vendo-se forçada a pedir sacrifícios aos trabalhadores e a recusar-lhes aumentos salariais.
As boas são que, no mesmo ano de 2008, os administradores atribuíram-se "prémios" com que duplicaram os seus vencimentos (Fernando Pinto, por exemplo, levou 816 mil euros, em vez dos miseráveis 30 mil mensais mais regalias que lhe cabiam); e que decidiram entretanto adquirir 42 automóveis topo de gama para si e as dezenas de directores avulsos que enxameiam a empresa, pois deslocavam-se todos em viaturas "velhas" de quatro anos, impróprias das suas altas funções. Trata-se de uma inovadora ideia de gestão: vão-se os dedos mas fiquem os anéis (e comprem-se mais). Deve-se, a inventiva ideia, a Dali que, contava Gala, era nos momentos em que atravessava "crises gravíssimas" que mais gastava, pois, argumentava ele, "a piedade dos vizinhos mata". A TAP pode morrer, mas ninguém há-de ter razões para se apiedar dos seus administradores.»

1

A companhia aérea de baixo custo EasyJet anunciou que vai despedir 4.500 trabalhadores e reduzir a frota, devido à diminuição da procura.
A companhia aérea britânica, que emprega 15 mil pessoas em oito países da Europa, revelou que vai iniciar conversações com os trabalhadores nos próximos dias.

2

Os Estados Unidos ultrapassaram os 100 mil mortos.

3.

Os colombianos criaram camas de hospital de cartão que se transformam em caixões.

4

Sempre vai haver a festa do livro no Parque Eduardo VII.
A 90ª edição da Feira do Livro ocorrerá entre os dias 28 de Agosto e 13 de Setembro, com naturais restricções e condicionalismos, mas os livros sairão à rua.

5

As consequências económicas da pandemia de Covid-19 podem levar cerca de 86 milhões de crianças a mais à pobreza até final do ano, segundo um estudo divulgado hoje pela organização não-governamental Save the Children da UNICEF. No total, serão 672 milhões de crianças afectadas pela pobreza este ano, o que traduz um aumento de 15% em relação à 2019.

6.

A escritora Luísa Costa Gomes sobre a morte de Maria Velho da Costa:

Em vez de chorar o desaparecimento da Maria Velho deviam ler os livros que publicou ao longo da vida. Está tudo nos livros, a voz dela está lá toda, viva».

7.

Pelo menos cinco bairros sociais na Grande Lisboa têm casos de covid-19.
Além dos 32 casos confirmados pela DGS espalhados por três bairros no Seixal (só o da Jamaica e de Santa Marta, em Corroios, foram identificados), há também famílias infectadas no Bairro da Torre (Loures) e Alfredo Bensaúde (Olivais).
Segundo o jornal Público, há em Lisboa 200 bairros ilegais, campo fértil para o vírus.

8.

Fiquem em casa.
Agora podem sair de casa.
Contudo o vírus ainda se passeia por aí e não sabemos quando terminará o seu caminhar.
A sobrevivência está na linha da frente.
Isto não está para acabar e é bem capaz de não acabar bem.
O medo.
Acima de tudo o medo.

9.

A vida é dizer-se adeus a um espelho.

Ramón Gómez de la Serna em Greguerías

SARAMAGUEANDO


Na sua primeira edição, em 1982, Memorial do Convento perdia para Balada da Praia dos Cães de José Cardoso Pires. Em 1984 Amadeo de Mário Cláudio foi escolhido em vez de O Ano da Morte de Ricardo Reis. Dois anos depois, Jangada de Pedra perdeu para Um Amor Feliz de David Mourão Ferreira e em 1989 era a vez de História do Cerco de Lisboa perder para Fora de Horas de Paulo Castilho.

De modo algum estão em causa as obras que foram escolhidas, simplesmente o entusiasmo que os leitores tinham para com as obras de José Saramago, não era acompanhado por uma boa parte dos seus pares.

No dia 23 de Junho de 1992 sabia-se que José Saramago, finalmente  ganhava o Grande Prémio de Romance e Novela  com O Evangelho Segundo Jesus Cristo.

À quinta foi de vez mas sem unanimidade do júri.

José Saramago aceitou o prémio mas o dinheiro ia para os PALOP.

O escritor explicou:

Vistas as circunstâncias – as recentes e as antigas -, e para não juntar o choque de uma recusa ao escândalo de uma exclusão, aceito este prémio sob condição de o seu valor ser usado na compra de autores portugueses contemporâneos a enviar aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) que estejam interessados em os receber.
Peço à APE, ao Pen Clube e à SPA o favor de se encarregarem da selecção das obras e do seu encaminhamento…

Saramagueano que sou, torno-me mais que suspeito na matéria, mas sempre adianto que, tanto com O Memorial do Convento como com O Ano da Morte de Ricardo Reis, houve tremenda injustiça., talvez alguma coisa mais, mas fiquemo-nos pela injustiça.

O editor Francisco Vale recordou:

 Houve uma edição em que estiveram em competição Balada da Praia dos Cães e o Memorial do Convento e José Cardoso Pires ganhou. Era o melhor?
 Essa é uma pergunta complicada porque fui bastante amigo do José Cardoso Pires, que foi meu sogro durante bastantes anos, e Balada da Praia dos Cães é um dos seus melhores romances. Eu gosto muito do Memorial do Convento, que para mim é de longe a melhor obra de José Saramago e é um dos grandes livros da literatura portuguesa de sempre: Portanto, tenho muita dificuldade retrospetiva em fazer justiça nesse caso. Além do mais, o Memorial do Convento criou uma das poucas personagens da literatura portuguesa que ficam - toda gente sabe quem é Blimunda. Que personagens mais há? A Sibila da Agustina talvez, o Delfim do Cardoso Pires, o Malhadinhas do Aquilino... Claro que há também as personagens criadas por Eça em Os Maias, Carlos da Maia e Ega, ou em A Relíquia, Teodorico Raposo, bem como as de Camilo no Amor de Perdição, Simão e Teresa, na Brasileira de Prazins e Maria Moisés, ou as que saíram do universo ficcional de Júlio Dinis e, muito antes dele, do teatro de Gil Vicente.

OLHAR AS CAPAS


O Morto

João Pedro Grabato Dias
Introdução: Eugénio Lisboa
Capa: António Quadros (pintor)
Textos Caliban
Edição do Autor, Lourenço Marque, Setembro de 1971

O passado em que o sonho do senhor se produzia
na petrificação do sonho do escravo
No passado sempre sucessivamente presente
a gorda larva pertinaz do tempo
somando em cada anel cada presente já
passado, e esquecido passado, irremediável e remoto
mas próximo, pouco antes, inda agora, agora e já
O passado caldeado pela fieira de mil milhões
de milhões de variados cadáveres ligados pela seiva
comum, desta engenhosa e materna árvore que chamamos vida.
O passado que inconscientes transportamos
nos corpúsculos do sangue, e cujo peso,
sem terror aparente, avaliamos em nada.

Com tudo isto se fez uma lágrima. Que sistema
económico nos desculparia se a chorássemos?

MAR


Mar do mar
E mar do mundo
Mundo do mar
Vejo ao fundo

Peixes e navios
Que nadam sem parar
Gaivotas e faróis
Nas ondas do mar

Tom azul
Tom verde
Tão brilhante
Tão luzente

O cheiro da maresia
Cheiro ao chegar
Os pés na areia
Sinto ao luar

O mar  forte
O  mar   labiríntico
O mar é livre
Para sempre pacífico

Nas ondas do mar
Mergulho sem parar
Quando me encontro
Já me sinto a voar
  
André Calisto, 10 anos

quinta-feira, 28 de maio de 2020

DA MINHA GALERIA


Audrey Hepburn e Gregory Peck em Férias em Roma.

COLETTA'S


Tínhamos andado a abusar das excelentes carnes do Tennessee e, naquela noite, a Cristina apetecia-lhe algo mais ligeiro para o jantar.

Na véspera tinha jantado alarvemente um BBQ de “ribs”no “Charlie Vergo’s Rendezvous”, uma verdadeira instituição da Gastronomia de Memphis desde 1948, e muito embora não me importasse nada de continuar no mesmo ritmo, a pobre da Cristina, como é habitual, começava a não conseguir acompanhar a minha pedalada...

Sugeri-lhe, então, um restaurante italiano, porque tinha visto que haveria pelo menos um recomendável, o “Coletta’s”.

Afinal não era apenas um, mas dois com o mesmo nome, pertencentes à mesma Família. Um maior, hoje gerido pelos filhos dos proprietários, e outro mais pequeno, agora gerido pelos seus pais. E foi precisamente a este último que o GPS nos conduziu.


Tinha várias salas, mas ficámos logo na de entrada, uma salinha simpática com mesas cobertas com uma daquelas toalhas aos quadradinhos brancos e vermelhos, de que tanto gosto.

Desde o momento da entrada que sentimos alguma deferência e simpatia à nossa volta, o que não estranhámos visto sermos os únicos estrangeiros na sala.

Como é habitual, eu estava sem aparelho no ouvido mas apercebi-me, a determinada altura, que o nome de Elvis Presley estava a sair, frequentemente, da boca da jovem empregada que nos servia.

Perguntei à Cristina o que se passava e ela esclareceu-me que a empregada lhe tinha dito que aquele era um dos restaurantes preferidos do Elvis, em Memphis, que por lá aparecia com muita frequência.

Estranha conversa essa, respondi-lhe eu, porque nos tínhamos limitado a sentar e a pedir a lista, e nem uma palavra acerca do Elvis lhe tínhamos dito.


Daí a pouco, nova investida de Elvis...

Eu escolhi como prato principal uma pizza de BBQ, e ela felicitou-me pela escolha dizendo que era, também, o prato favorito do Elvis...!

Sabendo que, nos seus últimos anos de vida, o “King” se alimentava a grandes “paletes” de hamburgers com mostarda e ketchup, não fiquei lá muito satisfeito com a comparação e com o nível do meu gosto gastronómico, mas era evidente que a pequena nos queria “vender” qualquer coisa que eu ainda não tinha percebido muito bem o que era, não obstante já estar de aparelho no ouvido...


E ainda por ali andou ela às voltas a perguntar-nos se a comida estava boa, sempre com Elvis para a direita e Elvis para a esquerda, apontando para uma pequena sala lá ao fundo e dizendo que era o “reservado” que ele e a sua “entourage” ocupavam quando por lá passavam. Até que a determinada altura se aproximou da mesa o corpulento patrão, certamente descontente com a ineficácia demonstrada pela sua empregada em nos sacar a desejada informação, e então caí em mim e percebi tudo, rapidamente...

Por mera coincidência, era 10 de Agosto e no dia seguinte começava a “semana de Elvis”, ou seja, os dias em que os mais fanáticos dos seus fãs se juntam para o homenagear e assistir a uma cerimónia especial na qual se comemora o aniversário do seu falecimento, no dia 16 de Agosto.


Sorte dos Távoras, pensei eu para com os meus botões... Mais uns dias e a confusão em Memphis seria muito maior e eu não teria andado tão à vontade em todos os lugares por onde andei.

E o que o patrão pretendia de nós era, agora, muito claro... Primeiro queria saber se já pertencíamos à vaga de fãs da “semana do Elvis” e se estávamos ali por o
nome do restaurante lhe ser associado...

Se lhe respondêssemos que sim ficaria satisfeito, porque tal seria a garantia de mais clientes nos dias seguintes...

Se lhe disséssemos que éramos do grupo mas que nunca antes tínhamos ouvido falar do restaurante, certamente que contaria connosco “to spread the message”...


Mas a resposta que ouviu da nossa boca foi aquela que menos desejaria... Que não estávamos em Memphis por causa do Elvis, que fôramos ao seu restaurante por mero acaso e que bem cedo no dia seguinte partiríamos para o Sul...

Despediu-se, desolado, desejando-nos boa viagem.

É claro que não resisti à tentação de dar uma espreitadela ao “reservado do Elvis”.
É uma salinha pequena rodeada de cartazes e fotografias em todas as paredes, mas onde nem sequer se encontra nenhuma daquelas típicas fotos do “herói” rodeado pelos proprietários do restaurante, todos sorridentes e de polegar virado para cima...!


O máximo que por lá se consegue ver é uma foto de Elvis a jogar futebol americano com os amigos num terreiro de Memphis, e outra do corpulento Elvis dos últimos anos a espreitar à janela de uma viatura, com a mulher ao lado, e um talão de fatura do restaurante, sem qualquer discriminação de despesa, autografado por ele.

Sim, é bem possível que Elvis Presley tenha, uma bela noite, jantado no “Colleta’s”...

Texto e fotografias de Luís Miguel Mira

CONVERSANDO


Como leitor fiz descobertas sem mapa, sem bússola, lembro José Gomes Ferreira, José Saramago, mais o Saramago que o Zé Gomes.

Havia a biblioteca do meu pai, havia os suplementos literários, quase todos a publicarem-se à quinta-feira.

Líamos os críticos, colhíamos orientações que eram, ou não, seguidas, mas orientações.

Lembro Eduardo Prado Coelho que terá sido, por aqui, o último moicano da crítica literária.

O Eduardo Prado Coelho era o Eduardo Prado Coelho, como em tempos recuados o João Gaspar Simões era o João Gaspar Simões.

Assim como uma espécie de instituições.

Quando morreram ficámos a saber da falta que nos ficaram a fazer, depois de, amiúde, termos andado a chamar-lhes todos os nomes e dando de barato que por vezes, um e outro, se punham a jeito.

Francisco Vale, que é editor da Relógio d’Água, também jornalista, também escritor, lembra Pierre Bayard que escreveu um livro, Como Falar dos Livros Que Não Lemos.

Deixa no ar que os críticos, por vezes, falam dos livros que nem sequer leram.

Será?

Também nos diz dessa coisa horrorosa de os críticos darem estrelas aos livros que criticam: «a classificação que se justifica nos hotéis, como questão de conforto dos quartos e serviço de bar, e que talvez faça sentido nas estrelas do Guia Michelin, é de todo inadequada para leitura e ensaio.»

Pegando no Expresso, no Público, ressalta que nas poucas críticas (?) que fazem o que por ali se nota é um certo amiguismo, a influência que as editoras mexem e remexem.

Legenda: pintura de Jean-Honoré Fragonard

OLHAR AS CAPAS


A Capital

Eça de Queiroz
Introdução de José Maria D’Eça de Queiroz
Lello & Irmão, Editores, Porto, 1957

Foi deste modo que Artur se achou, por acaso, no meio que devia desenvolver as tendências do seu temperamento. Ao princípio, naturalmente, admirou sobretudo os indivíduos, as personalidades, a fraseologia nova, as excentricidades estranhas; tremeu de entusiasmo, vendo, numa noite de trovoada, na Feira, o próprio Damião tirar o relógio do bolso, um cebolão de prata, e numa atitude de Satã rebelde, dar cinco minutos a Deus para que o fulminasse, e, passados os cinco minutos num grande silêncio do Céu, atirar desdenhosamente o cebolão para a algibeira, dizendo com tédio: «está superabundantemente provado que não há nada lá no Céu», e acrescentar, olhando para a s estrelas: «a não ser algum pó luminosos de Deuses mortos!»

SONETO XXXI


Com loureiro do Sul e orégão de Lota
te coroo, pequena rainha dos meus ossos,
e não pode faltar-te essa coroa
que a terra elabora com bálsamo e folhagem.

Tu és, como aquele que te ama, das províncias verdes:
de lá trouxemos barro que nos corre no sangue,
pela cidade andamos, como tantos, perdidos,
com medo de que fechem o mercado.

Bem-amada, a tua sombra tem perfume de ameixa,
os teus olhos esconderam no sul suas raízes,
o teu coração é uma pomba de mealheiro,

o teu corpo é liso como os seixos na água,
os teus beijos cachos orvalhados,
e eu, a teu lado, vivo com a terra.


Pablo Neruda em Cem Sonetos de Amor

Legenda: pintura de Dimitry Lisichenko

quarta-feira, 27 de maio de 2020

DESRESPEITOS EDITORIAIS


Quem gosta de ler, compra livros pelo motivo primeiro desse gosto.

Mas também compro livros pelos seus começos, pelos seus finais, por um qualquer pedacinho perdido nas páginas e que calhou logo ler no folhear do livro na livraria, pela beleza das capas.

Era o tempo em que se folheavam livros no silêncio monástico das livrarias, o tempo em que os livreiros espalhavam pelos escaparates, à medida que iam chegando, as novidades e nunca por qualquer cunha ou pagamentos por debaixo da mesa de quem quer que seja.

É inadmissível que as editoras estraguem as capas dos livros com a prensagem de dizeres como um prémio com que o livro, ou o autor, tenha sido distinguido.

Gosto da capa que a equipa da Editorial Caminho concebeu para Os Livros Que Devoraram o Meu Pai de Afonso Cruz.

Mas não posso gostar de que no topo faça parte da capa que o livro é Prémio Literário Maria Rosa Colaço 2009 e no fundo do lado direito esteja que o livro faz parte do Plano Nacional de Leitura.

O prémio e  o Plano Nacional de Leitura são coisas recomendáveis e abonatórias, mas não têm que estar pespegadas na capa do livro.

Nos tempos em que se respeitavam os livros, estas coisas de prémios ou afins, surgiam numa cinta, envolvendo o livro, que se descartava e, quem quisesse, guardava dentro do livro.

Vou buscar este exemplo:


Pouco depois da atribuição do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago, a Caminho publicou o 5º volume de Cadernos de Lanzarote, não estragou a capa do livro com a atribuição do prémio e colocou a tal cinta que referia o Premio e que ainda guardo no interior do livro.
Não sei o que as gentes das editoras pensam sobre estes incidentes, mas por mim não deixam de ser um total desrespeito pelos autores dos livros, os autores das capas, pelos leitores.  

terça-feira, 26 de maio de 2020

CONVERSANDO


Cronicando para o Público, Ana Cristina Leonardo, dando conta dos dias de quarentena, desde o concelho mais envelhecido do país, no coração daquilo a que muitos chamam o Portugal deprimido, do vírus espera-se que passe, lamenta que não seja tempo de compotas e também que nas cidades são poucos os que lêem em tempos de quarentena até chegar o tempo de contar:
«Um vizinho entediado confessava há dias: “Fui até ali abaixo, sentei-me debaixo de uma alfarrobeira, dei dois peidos e voltei para casa”. Não é vida.»

OLHAR AS CAPAS


Os Livros Que Devoraram o Meu Pai

Afonso Cruz
Editorial Caminho, Lisboa, Fevereiro de 2019

No outro dia sentei-me no cadeirão e comecei a folhear o livro o Fahrenheit 451. Percebi que essa era a temperatura a que arde o papel. O livro conta a história, passada no futuro, dum mundo onde os livros são proibidos e queimados. É um livro cheio de papel queimado. Os bombeiros, nesse universo criado por Ray Bradbury (o autor), não servem para apagar fogos. Pelo contrário, servem para os atear, fazem fogueiras para queimar livros. Mas nesse mundo, tal como em todos os mundos que se prezem, há pessoas subversivas, capazes de fazer coisas extraordinárias pela liberdade de pensamento. Havia, nesse lugar, quem arriscasse a vida só pelo prazer de ler. Essas pessoas guardavam livros, escondiam-nos em suas casas.
A personagem principal desta história é um bombeiro, um tal Montag, que, aos poucos, se vai insurgindo contra o seu próprio trabalho de queimar literatura. Começa a ter curiosidade por ler e, um dia, salva uns livros da fogueira e desata a lê-los. Montag acaba por se tornar um foragido e, no final, encontra um grupo de pessoas que o ajudam. São homens que não têm livros, pois tê-los poderia significar o fim das suas vidas, mas não prescindiram da literatura. Tiveram uma ideia muito curiosa: passaram a viver como vagabundos e a decorar livros. Cada pessoa decorava um e até passava a ser conhecido pelo título do livro. Eram livros humanos.
Conheci, junto dessas pessoas, literatura de todo o tipo. Eram uma biblioteca com pernas e sorrisos.