quarta-feira, 20 de maio de 2020

STAX MUSEUM OF AMERICAN SOUL MUSIC - BIRTHPLACE OF SOUL MUSIC?


Eu não sou nem quero passar por ser um grande conhecedor de “Soul Music”.

Sei o mais elementar, isto é, que tudo o que na América é “Soul” tem a ver com a Cultura afro-americana, com os estados de Alma de todo um Povo, as suas lutas para se impor, as suas alegrias, os seus sofrimentos…

E que, como quase tudo o que é  Música na América, proveio do “Gospel” e do “Blues”, neste último caso talvez de um “Blues” mais ritmado como é o de Chicago, do que daquele mais despojado do Delta do Mississippi.

E, é claro, bastava-me na altura ouvir uns acordes instrumentais e um tom de voz para perceber de imediato se era “Soul”, ou qualquer outra coisa... 

Agora para ir mais longe na genealogia e na tipologia da “Soul” tenho de recorrer a outras fontes...

E perceber que a correta definição da genealogia da “Soul Music”, tal como sucede com quase todos os géneros musicais na América, é complexa e não consensual. 

Começa por não ser possível definir um “tipo ideal” de “Soul Music” “à la Max Weber”, e por isso considera-se que existem diferentes tipos de “Soul Music”, cada um deles associado a uma determinada região, a uma determinada cidade, a uma determinada editora musical e a um determinado tipo de interpretação, nomeadamente no que respeita à articulação voz/suporte instrumental. Mas não valerá a pena entrar muito por aí...


Quanto à paternidade, uns garantem que é possível encontrar os primeiros genes do que seria a “Soul Music” em muitas das gravações de Ray Charles nos anos 50, para a Atlantis Records, mas sustentam  que foram as primeiras gravações de Solomon Burke em 1961, para essa mesma editora, que marcaram claramente o início de um novo género musical.

Outros contestam, afirmando que o estilo de Solomon Burke desses primeiros tempos da Atlantis pouco se distingue do dos vários “crooners” que então pululavam na música americana e que os primeiros sinais daquilo que viria a ser a verdadeira “Soul” moderna que tanto sucesso teve durante os anos 60 terão de ser encontrados no “Memphis Soul” e nas primeiras gravações de Otis Redding e, posteriormente, de Wilson Picket para a “Stax Records”, de Memphis, a partir de 1962.

Outros ainda dizem que o espírito “Soul” também pode ser encontrado em muitas das gravações da Motown, criada em Detroit em 1959, embora com um estilo mais Pop e ritmado. 

Numa coisa estão todos de acordo: essas três editoras, Atlantis, Stax e Motown, com as suas diversas subsidiárias, foram, no seu conjunto, responsáveis pelo que de mais importante se passou na história da “Soul Music” durante a segunda metade do século passado, e sobretudo a partir do início dos anos 60.
  
 Como vos referi no último texto, vim parar à “Soul” quando tinha 13/14 anos de idade, ou seja, na transição para a segunda metade dos anos 60, quando este género beneficiava de uma enorme projeção à escala planetária.

Mas eu não era um grande conhecedor e, muito menos, um incondicional da música “Soul”.

Ouvia, sobretudo, Otis Redding, Carla Thomas, Aretha Franklin e Sam & Dave.

Suportava muito bem toda aquela panóplia instrumental porque de facto era, na maioria das vezes, muito boa.

Mas quando aquela gente se punha a  berrar demasiado, o que sucedia com muita frequência, a minha tolerância abanava.

Até numa canção tão singela, como era “I Say a Little Prayer”, que terei conhecido primeiro através de Aretha Franklin e não na versão inicial de Dionne Warwick, eu reagia mal quando se chegava à parte do “Forever, forever, you’ll stay in my heart”… Demasiado estridente para mim...

O que eu gostava, verdadeiramente, era do começo, com o suave instrumental e as vozes de fundo

“The moment I wake up
Before I put on my makeup
I say a little prayer for you

While combing my hair, now
And wondering what dress to wear, now
I say a little prayer fo you” 



Mas hoje percebo que aquilo de que verdadeiramente mais gostava era das “baladas soul” de Otis Redding, como “These Arms of Mine”, “I’ve Been Loving You too Long”, “Pain in my Heart”, “You Send Me” e, é claro “The Dock of the Bay”. Coisas que eu sentia que me puxavam ao sentimento, embora ainda não compreendesse muito bem a totalidade das letras… 
 Gostava de ouvir essas músicas sozinho, às escuras. Estendia-me ao comprido na cama e ouvia-as vezes sem conta, umas atrás das outras.  E só muito mais tarde vim a saber que, precisamente devido a esse tipo de canções mais “lamechas”, chamavam a Otis Redding “Mr. Pitiful”... 

Mas então se “Soul,” para mim, era Otis Redding, a interrogação do título não terá qualquer razão de ser…

Quase todas essas gravações de Otis, bem como as de Carla Thomas, Sam & Dave e  outros de quem mais gostava, foram feitas em Memphis, no “Stax Records”, que dispunha, também, de uma brilhante banda residente que depois ganhou fama e se autonomizou: os Booker T & the MG’s.

A “Stax Records” teve uma vida atribulada.  

Foi criada em 1957 por Jim Stewart e começou por se chamar “Satellite Records”, nome que ainda hoje perdura no frontispício do edifício, como podem ver através das fotografias que vos envio.

Inicialmente localizada numa pequena garagem em Brunswick, nos arredores de Memphis, começou por se dedicar à música country, a grande vocação de Jim Stewart,e só mais tarde, por influência do Produtor Chips Moman, adjunto de Stewart, evoluiria para o “Gospel”, o “Blues” e o “Rhythm and Blues”.

Em 1958 a irmã de Stewart, Estelle Axton, associou-se ao projeto com um substancial investimento, e a editora deu um salto em frente com o lançamento da sua primeira canção de “R&B”, “Fool in Love”, pelos Veltones, que foi um relativo sucesso a nível nacional, distribuída pela Mercury Records.

Mas o desenvolvimento da editora exigiria melhores condições logísticas, e em 1960 ela mudou-se para um antigo cinema em Memphis,  no 926 East McLemore Avenue, onde ainda hoje se encontra o Museu.

“Cause I Love You”, interpretada por Rufus Thomas e pela sua filha Carla, marcou um ponto de viragem na vida da editora, porque não só foi a primeira gravação efetuada nos novos estúdios de Memphis, como também marcou o início de um acordo de distribuição com a Atlantis Records, que iria perduraraté 1968. É por isso que muitas das gravações efetuadas pela “Satellite” e pela “Stax” nesses anos seriam distribuídas, a nível nacional e internacional, com o selo da Atlantis.

Pelo facto de na California existir uma outra Editora chamada “Satellite”, a de Memphis foi obrigada a mudar de nome em Setembro de 1961, para “Stax Records”, que resulta da junção dos nomes do irmão Stewart e da irmã Axton.

Por essa mesma altura,  para ultrapassar os  problemas colocados pelas estações radiofónicas que, para não serem acusadas de favoritismo, se recusavam a passar mais de dois discos em simultâneo de uma mesma editora, a “Stax” criou uma subsidiária chamada “Volt Records”.

E foi precisamente na “Volt” que começou a gravar, em 1962, Otis Redding.

A história é muito curiosa e elucidativa de como o acaso tem, por vezes, uma enorme importância na evolução das carreiras...

Embora já estivesse na cena musical há uns tempos e até já tivesse gravado um disco numa obscura editora de Los Angeles, Otis Redding acompanhava o músico Johnny Jenkins, servindo, também, como seu motorista particular.

Por iniciativa da Atlantis Records, que estudava a possibilidade de o integrar na sua lista de intérpretes, Jenkins foi chamado a Memphis para um teste de gravação na “Stax Records”, e chegou lá conduzido por Otis Redding, que assistiu à sessão de gravação.

A sessão acabaria por não se revelar muito produtiva e iria terminar mais cedo do que o previsto, pelo que o representante da Atlantis pediu que dessem a Otis a possibilidade de gravar, também ele, algumas músicas, para se ver se interessavam à editora. Gravou duas, por si escritas: a primeira, “Hey, Hey Baby”, que não suscitou grande admiração, e uma segunda, “This Arms of Mine”, que deixou a audiência rendida e fez com que, de imediato, lhe fosse proposto um contrato de gravação. 

“These Arms of Mine”, uma das canções dele de que mais gosto, foi lançada em “single” em Outubro de 1962  pela subsidiária “Volt Records” e foi um sucesso nacional imediato. Tal como “Hey, Hey Baby”, iria integrar o primeiro álbum de Otis, “Pain in My Heart”, lançado com grande sucesso em 1964.

A partir daí a história é conhecida. Otis Redding teve uma curta carreira recheada de sucessos, vindo a falecer, para grande desgosto meu, a 10 de Dezembro de 1967, com apenas 26 anos de idade, num acidente de aviação perto de Madison, no Wisconsin, para onde se dirigia com a sua banda para um espetáculo. Estava no auge da sua popularidade, após ter sido um enorme sucesso em Junho desse mesmo ano, no “Monterey Pop Festival” 

Mas durante esses anos sessenta o sucesso da “Stax Records”, com outros nomes como Carla Thomas, Isaac Hayes , Albert King, Sam & Dave, Staple Singers ou Booker T. & The MG’s, não mais parou de crescer, até se tornar, como referi no início, uma das “big three” da “Soul Music” nos Estados Unidos.

A morte de Otis Redding viria, no entanto, a marcar uma nova fase da vida da Editora. 

No ano seguinte, em 1968, o contrato de distribuição com a Atlantis foi cancelado mas a “Stax”, com a entrada de um novo coproprietário, continuaria na ribalta, até começar a ter problemas em meados dos anos 70,vindo a cessar a atividade, por insolvência, em 1975.

Em 1978, adquirida pela Fantasy Record, iria retomar a atividade, embora em novas instalações. 

A Fantasy, por sua vez, viria a ser comprada pela Concorde Records em 2004, mas isso não iria pôr em causa a atividade da “Stax” que iria continuar a explorar o seu material antigo pós 1968 (o respeitante ao período 1959 – 1968 continua sob os direitos da Atlantis…) e a produzir novo material de R&B e afins, por intérpretes contemporâneos.  

Com a venda da “Stax” à Fantasy Records as instalações de Memphis foram deixadas ao abandono e posteriormente compradas por uma Igreja da vizinhança, a “Church God in Christ”, que por lá instalou, durante uns tempos, uma espécie de “Sopa dos Pobres”.

Mas esse projeto seria abandonado e as instalações caíram em rápida degradação, até virem a ser adquiridas em 1998 por um grupo de filantropos locais apostados na regeneração de toda essa zona de “south Memphis”, chamada “Soulsville”.

Iniciou-se, então, a recuperação do edifício, tendo em vista a instalação de um museu que honrasse a memória da “Soul Music”, em geral, e a da “Memphis Soul”, em especial,  e que pudesse ombrear com o idêntico Museu da Motown, em Detroit, sendo estes os dois únicos museus que nos Estados Unidosse dedicam exclusivamente à música “Soul”.

O “Stax Museum of American Soul Music” seria aberto ao público emMaio de 2003 e nas suas instalações existe uma réplica perfeita do antigo estúdio de gravação da “Stax” e também uma igreja centenária transplantada do Delta do Mississippi para ilustrar a ligação existente entre o “Gospel” que aí se cantava  e a “Soul Music”.


Para além de outro tipo de material de exibição habitualmente existente em museus desta natureza (filmes e fotografias da época, cartazes, fatos, instrumentos musicais, etc), parece que também lá está o belíssimo Cadillac El Dorado azul-pavão que foi usado por Isaac Hayes.   

E se vos digo “parece” é porque não meti os pés lá dentro e me limitei a ver todo o edifício do exterior…

O que sucede é que, numa das minhas frequentes manifestações de falta de senso em viagem, decidi ir a pé desde o Centro de Memphis até às instalações da “Sun Records”.

Parecia perto, mas é um perto à escala dos Estados Unidos…

Não perdi tudo, porque tive oportunidade de ver um pouco mais de perto aquela Memphis mais antiga e degradada que se vislumbra, por exemplo, no “Mystery Train”, do Jim Jarmusch, mas ao regressar ao Centro e com o estúpido hábito dos Museus na América fecharem, impreterivelmente, às 17h00, só me restavam duas alternativas: ou ia visitar o “Stax Museum” ou o “Memphis Rock ‘n’ Soul Museum” e, com muita pena, optei por este último por me parecer mais variado.

Mais não deixei de ir cheirar o “Stax” à noite, depois do jantar...  

É claro que recordei a minha adolescência, ao imaginar como é que tanta coisa bonita dali saíra direitinha  ao meu quarto da Avª da República...

Quando me fui embora, da noite de Memphis emanava uma estranha luminosidade, num misto de azul, verde, vermelho e cor de laranja…

O hotel ainda ficava longe e eu iria a ouvir, certamente, um CD no carro, como sempre o faço.

Mas não ouvia nada…



Na minha cabeça estava um miúdo de 13/14 anos de idade que pegava num EP de capa acastanhada, punha a tocar a segunda do Lado A, escurecia o quarto e se estendia ao comprido sobre a cama, a pensar não se sabe muito bem em quê…

“These arms of mine,
They are lonely
Lonely and feeling blue

These arms of mine,
They are yearning
Yearning from wanting you

And if you would let them hold you
Oh, how grateful I will be!

These arms of mine,
They arte burning
Burning from wanting you

These arms of mine,
They are wanting
Wanting to hold you

And if you would let them hold you
Oh, how grateful I will be!

Texto e fotografias de Luís Miguel Mira

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