quarta-feira, 31 de julho de 2019

A CASA É A SOMBRA DO VIAJANTE


Talvez as viagens, todas as viagens, se façam principalmente pelo lado de dentro. Talvez, quem sabe?, o viajante, procurando um mundo, caminhe sempre de regresso a casa.
Porque tudo o que o viajante deixou atrás de si o segue. A casa é a sombra do viajante. Ele próprio é, provavelmente, apenas a sua sombra.

Manuel António Pina em Crónica, Saudade da Literatura

Legenda: pintura de Claude Monet

terça-feira, 30 de julho de 2019

OLHAR AS CAPAS


Debaixo de Algum Céu

Nuno Camarneiro
Capa: Rui Garrido
Leya, Lisboa, Março de 2013

O problema é desenhar a vida em forma de montanha, dar um cume à vida e querer atingi-lo como se o seu sentido dependesse desse acto. O sentido da vida, a existir, há-de ser como o sentido de uma montanha, e não muda por lhe chegarmos ao topo ou nos perdermos pelas encostas. Penso assim porque fiquei a meio, pior ainda, porque fiquei a escassos metros do topo. Mas o provlema de atingir um objectivo é decidir o que fazer depois de o atingir, e em nada é diferente a minha situação por o não ter atingido. Com que devo preocupar-me agora, que não tenho com que me preocupar?

segunda-feira, 29 de julho de 2019

POSTAIS SEM SELO


É boa. Tenho vários livros quase esgotados. Disse-mo a Maria da Piedade. Portanto, tenho compradores. Resta saber se tenho também leitores. Porque é coisa muito diferente.

Vergílio Ferreira em Conta-Corrente, Volume IV

OLHAR AS CAPAS



Histórias Para meninos Sem Juízo

Jacques Prévert
Tradução Pedro Tamen
Capa: Etienne Delessert
Ilustrações: Elsa Henriquez
Editorial Teorema, Lisboa, Dezembro de 1985

E os burros presos, vendo o homem a chorar, pensam que é o remorso que lhe puxa as lágrimas.
“Vão deixar-nos ir embora”, pensam os burros, mas os homens levantam-se e começam a falar todos ao mesmo tempo com grandes gestos.
Coro dos homens: “Estes animais não servem para comer, dão gritos desagradáveis, têm orelhas ridículas e compridas, são de certeza estúpidos e não sabem ler nem contar; vamos chamar-lhes burros porque tal nos agrada, e serão eles a transportar os nossos embrulhos.
“Nós é que somos os reis. Em Frente!”
E os homens levaram os burros.

DO BAÚ DOS POSTAIS


Corcovado.
Mais um postal enviado pela Cristina e pelo Miguel.

AO MENOS UMA VEZ


Nenhum homem deveria passar a sua vida sem experimentar ao menos  uma vez a salutar e até enfadonha solidão de um ermo, exclusivamente dependente de si próprio e aprendendo assim, portanto, a conhecer a sua verdadeira e oculta. – Aprender, poe exemplo, a comer quando tem fome e a dormir quando tem sono.

Jack Kerouac em ViajanteSolitário

EPIGRAMA


Há só mar no meu País.

Não há terra que dê pão:
        Mata-me de fome
        A doce ilusão
De frutos como o sol.

Uma onda, outra onda,
O ritmo das ondas me embalou.
Há só mar no meu País:
         E é ele quem diz,
         É ele quem sou.

Afonso Duarte emOssadas

domingo, 28 de julho de 2019

OLHAR AS CAPAS


Autografia e Outros Poemas de Pena Capital

Mário Cesariny
Assírio & Alvim, Lisboa, Março de 2007

Autografia I

sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra

o meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado
à morte!
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que
existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro
outro moreno
e nunca se encontrarão
conheço a tua voz como os meus dedos
( antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa )
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
e eu o pico Everest
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente - tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris - já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião - não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais - também, já por cá
passaram.
Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra
uma carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde
passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnifica irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha-férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-las semi-mortas à linha

E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou
em franca ascensão para ti O Magnifico
na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais
nem
lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu
partido de manhã encontrado perdido entre
lagos de incêndio e o teu retrato grande!

sábado, 27 de julho de 2019

POSTAIS SEM SELO


Cada homem traz um mar dentro de si.

Eduardo Olímpio em A Menina da Carreira de Manique

ETECETERA


Havia histórias de encantar, histórias de deixar os olhos muito abertos, histórias de impossibilidades mas em que a gente catraia acreditava.
Fez agora 50 anos que o Homem pisou a lua.
Mas muito antes, TinTim já lá estivera.
A catraiada leu e viu.

1.

O meu avô dizia que a profissão de advogado é pau para toda a obra.
O advogado Pedro Pardal Henriques, condutor de carros de luxo, assentou praça como  vice-presidente de um recente sindicato de motoristas de camiões de matérias perigosas, algo incomum no movimento sindical.
Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP-IN, disse: «Criar sindicatos está a ser uma área de negócio.»
Vieira da Silva, Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, disse que estes novos sindicatos «são um factor de perturbação.»
O advogado Pardal foi a cara que apareceu frente às televisões naqueles dias em que os camionistas em greve paralisaram o país por aumentos salariais e melhores condições de trabalho,
Em recente congresso, o advogado Pardal disse que era preciso aproveitar as eleições, que estão à porta, para reivindicar mais aumentos.
Em Agosto vão fazer nova greve.
O governo entrou em ziguezague.
O que vai acontecer ainda não está muito claro.
A greve é um direito dos trabalhadores mas todos temos que estar atentos ao oportunismo dos advogados pardal.

2.

O centro do país volta a ficar em chamas… apesar de tudo.
Dramático!

3.

Numa maratona parlamentar, a Assembleia da República, aprovou um projecto de resolução do Partido Comunista que recomenda a classificação da obra de José Afonso como de interesse nacional.
A proposta reuniu o apoio de todos os partidos com excepção  do Partido Socialista que se absteve,
Do porquê das razões da abstenção o PS remeteu-nos para uma declaração de voto.
Não li.
Mas também não vou querer ler.

DO BAÚ DOS POSTAIS


Outro postal da Argentina enviado pela Cristina e pelo Miguel.

OLHAR AS CAPAS


A Menina da Carreira de Manique

Eduardo Olímpio
Capa: H. Mourato
Edições Maria da Fonte, Lisboa, 1978

Vem no banco de trás. Um molho de livros, papéis, apontamentos. Uma mão cheia de amanhã. Tem os cabelos grandes e loiros como os cabelos das moiras de antigamente. Cabelos de fada, da princesa que esperava fechada num castelo.
E uns olhos tudo: olhos trigo, olhos horizonte, ternura, aconchego. E esperança, esperança: olhos mundo inteiro.
Quando a camioneta chega à minha paragem a menina da carreira de Manique já lá vem, sentada: mês se eu for para as outras paragens mãos antes, mais primeiro, ela também lá está pálida e morena, sentada no seu banco de todos os dias: menina do princípio do mundo, ao princípio da manhã está presente. Olho-a.
É o meu doce pequeno-almoço, olhar a menina da carreira de Manique, Menina só de olhar. Menina de semear suavidade nas arestas do dia que nos irá matar.
Entretanto o sol desgrenha-se, amarelado, da banda de lá do Tejo e os cabelos, o rosto, os olhos-tamanho-do-mundo da menina que já vem do princípio da madrugada inundam o autocarro duma luz que nos conforta. Penso: quando o céu se tornar numa impossível cúpula de ferro, quando as cigarras emigrarem para as sibérias do silêncio, quando o vento me despentear a fé, resta-me a menina da carreira de Manique para olhar.
E o mundo estará cheio de sol.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

SARAMAGUEANDO


José Saramago sempre entendeu que para que se possa conhecer melhor a obra de um escritor, é necessário publicar a correspondência trocada com os seus pares.

Saramago vai mais longe, e na longa conversa que manteve com João Céu e Silva, diz:

Tenho milhares de cartas e costumo dizer que a obra completa de um escritor só estará realmente completa publicando-se uma selecção das cartas dos leitores porque – fala-se tanto da teoria da recepção – é naquelas cartas que se vê realmente o que é a recepção. Em casa devemos ter umas duas mil cartas de leitores que é preciso classificar e ordenar.

Humberto Werneck que fez uma entrevista a José Saramago, cuja transcrição pode ser lida no ÚltimoCaderno de Lanzarote revela que «Saramago escreve pela manhã e no final da tarde a sua quota diária de literatura, nunca mais de duas páginas ao som de Mozart, Bach ou Beethoven, e responde a algumas das cartas, cerca de 100, em média, que lhe chegam todos os meses de vários cantos do mundo.»

No dia 8 de Agosto de 1998, entrada do Último Caderno de Lanzarote, Saramago volta ao assunto das correspondência que manteve com os seus leitores.

«Um dia deixei consignado nestes Cadernos a única ideia em tudo original que até aí tinha produzido (e suspeito que desde então não consegui espremer da cabeça outra de quilate semelhante), aquela luminosíssima ocorrência de que na publicação da obra completa de um escritor deveria haver um volume ou mais com as cartas dos leitores. Fala-se, discute-se, discorre-se sobre as teorias da receção (empurrando portas abertas?), e parece que ninguém repara no inesgotável campo de trabalho que oferecem as caretas dos leitores.»

José Saramago deixou-nos há 8 anos e penso que já correu o tempo suficiente para se tivesse dado andamento a essa ideia das cartas dos seus leitores.

Também não se compreende muito bem porque ainda não existe a publicação da correspondência com os seus pares-

Olhe-se o meritório trabalho que Mécia de Sena tem feito com a correspondência que Jorge de Sena manteve com uma série de intelectuais do seu tempo.

A única correspondência de Saramago publicada, é a que manteve com José Rodrigues Miguéis durante o tempo em que foi responsável literário da editora Estúdios  Cor.

O volume publicado com a correspondência de Jorge Amado não é muito significativo na medida em que não abrange cartas e apenas reúne trocas avulsas de faxes.

OLHAR AS CAPAS


Os Romances de Alves Redol

Alexandre Pinheiro Torres
Capa: Vitorino Martins
Colecção Margens do Texto nº 7
Moraes Editores, Lisboa Novembro de 1979

Redol faleceu a 29 de Novembro de 1969, há quase dez anos. Impõe-se que as novas gerações não ignorem o maior romancista das massas trabalhadoras que até hoje houve em Portugal. Oxalá o presente volume possa ser considerado o primeiro modesto contributo para uma tarefa urgente: o início dos estudos redolianos. Que este apelo não caia em cesto roto, são os nossos votos.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

VELHAS CANÇÕES


Nunca houve uma mulher como Gilda.
Gilda era Rita Hayworth num tempo em que havia filmes.
Uma canção «Amado Mio», muitos anos depois revisitada por Pink Martini, uma orquestra que me foi revelada pelo meu filho Mário, que nos levou a vê-los ao vivo na   Aula Magna, 11 de Novembro de 2005, Como éramos tão novos!...


quarta-feira, 24 de julho de 2019

OLHAR AS CAPAS



3 À Porta do Lobo

Rex Stout
Tradução: Mascarenhas Barreto
Capa: Lima de Freitas
Colecção Vampiro nº 172
Livros do Brasil, Lisboa s/d

Achava-me pois, nessa noite de terça-feira, dia 1 de Abril, coligindo números telefónicos, na cozinha da casa de quatro andares de Schriver, na 11th Street, a ocidente da 5th Avenue. Wolf e eu tínhamos sido convidados  pelo dono da casa e, embora Wolfe não goste de comer com estranhos e saiba que mais do que seis a uma mesa estragam uma refeição, compreendera que, se declinasse o convite, magoaria com isso o amor próprio de Fritz; de resto, se ficasse em casa, quem lhe cozinharia o jantar? Apesar de tudo, teria ficado furioso se estivesse a par de um pormenor que ciosamente Fritz e eu lhe tínhamos oculto: o serviço de mesa devia ser feito por doze raparigas, uma para cada convidado.

O REGRESSO


Como quem, vindo de países distantes fora de
si, chega finalmente aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar,
o passado no passado, o presente no presente,
assim chega o viajante à tardia idade
em que se confundem ele e o caminho.

Entra então pela primeira vez na sua casa
e deita-se pela primeira vez na sua cama.
Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,
cidades, estações do ano.
E come agora por fim um pão primeiro
sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.

Manuel António Pina em Comose Desenha Uma Casa

terça-feira, 23 de julho de 2019

POSTAIS SEM SELO


Existem duas espécies de pessoas neste mundo. Pessoas a quem as coisas acontecem e pessoas que as fazem acontecer,

Horace McCoy em OBisturi

DO BAÚ DOS POSTAIS


No Verão passado, a Cristina e o Miguel foram passar férias para os Estados, Unidos.
Este ano, escolheram a Argentina e o Brasil.
Por aqui vão ficar esses postais,

OLHAR AS CAPAS


Avieiros

Alves Redol
Publicações Europa-América, Lisboa, Setembro de 1976

- Já sabes cantar, Tóino? Se sabes cantar, canta…
- Podem ouvir no barracão.
- Então, vamos para longe. Encosta à margem; lá acima atravessas para o outro lado.
- Queres ir à lenha comigo? – perguntou o Tóino, resoluto.
Ela passou as pernas para dentro do barco, foi sentar-se no banco de remar e ficou à espera. As sombras das árvores já não manchavam o manto que cobria o Tejo.
De remos ao ombro ele, aproximou-se. Meteu-os nos toletes e pediu-lhe que se deitasse à ré. Os moças da barca podiam vê-la; quando passassem para a outra margem, ele sabia onde, deixava-a remar sozinha.
Com os pés nus fincados na estribeira, o rapaz puxou os punhos dos remos para o peito e o saveiro galgou, rápido, como nunca soubera navegar desde que o calafate o dera pronto para o rio. Tóino da vala deitava o olhar sobre o corpo da companheira estendida no paneiro da popa. Já cantara uma vez para outra rapariga e sabia onde havia um sítio para a levar.
Um pássaro voou na noite. Passou-lhe por cima da cabeça, foi esconder-se num salgueiro, isolado, e trinou de lá uns gorjeios sem sol.
- Canta, Tóino! – pediu a rapariga. – Canta a do coração…
- Um homem só canta quando tem mulher…
- Podes cantar…
Tóino da Vala largou os remos ao acaso e foi deitar-se ao pé dela.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

CANÇÃO AO MAR


Deixa escrever-te, verde mar antigo,
Largo Oceano, velho deus limoso,
Coração sempre lírico, choroso,
E terno visionário, meu amigo!

Das bandas do poente lamentoso
Quando o vermelho sol vai ter comtigo,
- Nada é mais grande, nobre e doloroso,
Do que tu, - vasto e húmido jazigo!

Nada é mais triste, trágico e profundo!
Ninguem te vence ou te venceu no mundo!...
Mas tambem, quem te pode consolar?!

Tu és Força, Arte, Amor, por excelência! -
E, com tudo, ouve-o aqui, em confidência;
- A Musica é mais triste inda que o Mar!

Gomes Leal

Legenda: monumento a Gomes Leal no Cemitério do Alto de São João

domingo, 21 de julho de 2019

POSTAIS SEM SELO


Apenas eu, só eu, tenho o novelo. Leitor: o labirinto é duro de roer. Estás disponível?

Eduardo Guerra carneiro em É Assim Que se Faz a História

OLHARES


Há 50 amos lembra-se que passou toda uma noite para ver, numa televisão a preto e branco, o primeiro homem pisar a lua,
Não conseguiu ver quase nada. Quando chegavam imagens eram trémulas e cheias de sombras. O resto era conversa em estúdio televisivo, comentadores diversos, tudo coordenados pelo José Mensurado.
Depois teve de apanhar a primeira automotora para as Caldas da Raínha.
Pela tarde comprou os vespertinos que pouco adiantavam. A capa do República, para além do acontecimento, lembrava que o jornal tinha sido visado pela Comissão de censura.
Anos mais tarde, Miguel Torga há-de escrever no seu Diário:

«O homem desceu na lua. Ensacado num fato espacial e de foguetão no rabo, tanto teimou que conseguiu pôr os pés fora da terra. E lá anda aos saltos, a lutar com a imponderabilidade, ridículo, mas triunfante. Como é natural, vivi intensamente as diversas fases da viagem, e foi num misto de alívio e orgulho que ouvi a notícia do seu desfecho feliz. Agora, porém, passada a ansiedade e o entusiasmo, sinto-me triste. Que monótonas e desconsoladas aventuras nos restam no mundo! Primeiro, comandadas por  computadores depois em vez de sonhos de arredondamento da fraternidade, propósitos objectivos de alargamento da solidão...»

OLHAR AS CAPAS


Escritos de Juventude

Albert Camus
Prefácio: Paul Viallaneix
Tradução: José Carlos Gonzalez
Capa: Infante do Carmo
Livros do Brasil, Lisboa s/d

Os homens constroem as suas vidas sobre a velhice. A essa velhice eivada de coisas irremediáveis querem proporcionar a ociosidade que os deixa indefesos. Querem chegar a contramestres para se reformarem num chalezinho. Mas uma vez atingida a idade sabem que isso é falso. Precisam dos outros homens para se protegerem.
É nos homens que o homem se refugia. E aquele que se proclama o mais solitário, o mais anarquista, é precisamente aquele que mais arde por se mostrar aos olhos do mundo. O que conta são os homens. As gerações sucedem-se, começam e acabam umas nas outras, nascem para morrer e renascer. Um dia, uma velha sofreu. E daí? O seu destino não apresenta senão um interesse restrito. Ela própria não confia senão no homem. Deus de nada lhe serve, a não ser para afastar dos homens e para a deixar sozinha. Ela não quer isso. Ela chora.
Um homem, uma velha, outras mulheres falaram, e as suas vozes apagam-se lentamente, progressivamente, abafadas pelo clamor universal dos homens, que bate com força. Como um coração presente em toda a parte.

CANÇÃO


Tu eras neve.
Branca neve acariciada.
Lágrima e jasmim
no limiar da madrugada.

Tu eras água.
Água do mar se te beijava.  
Alta torre, alma, navio, 
adeus que não começa nem acaba.

Eras o fruto
nos meus dedos a tremer.
Podíamos cantar
ou voar, podíamos morrer.

Mas do nome
que maio decorou,
nem a cor
nem o gosto me ficou. 

Eugénio de Andrade de Até Amanhã em Poemas

sábado, 20 de julho de 2019

SENHOR SE DA TUA PURA JUSTIÇA


Senhor se da tua pura justiça
Nascem os monstros que em minha roda eu vejo
É porque alguém te venceu ou desviou
Em não sei que penumbra os teus caminhos

Foram talvez os anjos revoltados.
Muito tempo antes de eu ter vindo
Já se tinha a tua obra dividido

E em vão eu busco a tua face antiga
És sempre um deus que nunca tem um rosto

Por muito que eu te chame e te persiga.

Sophia de Mello Breyner Andresen de Mar Novo em Cem Poemas de Sophia

sexta-feira, 19 de julho de 2019

POSTAIS SEM SELO


Aquele que vê sem ser visto, ouve sem ser ouvido, pensa sem ser pensado, conhece sem ser conhecido, e para além de quem nada veja, ouça, pensa ou conheça – esse é o teu próprio Eu.

Brihadaraniaka Upanishad, epigrafe em Novas Andanças do Demónio de Jorge de Sena.

OLHAR AS CAPAS



Novas Andanças do Demónio

Jorge de Sena
Capa: João da Câmara Leme
Colecção Contemporânea nº 93
Portugália Editora, Lisboa, Agosto de 1966

Este conto é um conto breve. É mesmo brevíssimo. De resto, se não fosse breve, muitíssimo breve, correria o risco de não ser um conto. A obrigação principal dos contos, mais que dos homens, é conhecerem os seus limites.

PANCADAS DE MOLIÉRE


Ivone Silva foi uma extraordinária actriz do teatro de revista.
Ficaram célebres as suas rábulas, com Camilo de Oliveira, Agostinho, Agostinha, na série televisiva Sabadabadu.
Os restos mortais de Ivone Silva encontram-se no Cemitério do Alto de São João.
Alguém, volta e meia, vai lá deixar, aberta, uma garrafa de vinho.


Esta é a capa de um EP onde se pode ouvir o dueto Os Agostinhos.

quinta-feira, 18 de julho de 2019

OLHAR AS CAPAS



Os Afluentes do Silêncio

Eugénio de Andrade
Capa: Armando Alves
Editorial Inova, Porto, Dezembro de 1968

Esta morte, assim sem mais nem menos, que um amigo me comunica, entala-se-me na garganta. «Morreu o Manuel Ribeiro de Pavia. Levou-o uma pneumonia que o foi encontrar depauperado por uma vida quase de miséria. Passava fome! Tinha uma única camisa! Não pagava o quarto há não sei quanto tempo! E nós a falarmos-lhe de poesia…» Assim é: passava realmente fome. Todos nós o sabíamos. E ele a falar-nos de pintura, de poesia, da dignificação da vida. É justamente nisto que residia a sua grandeza. Não falava da sua fome – de que, feitas bem as contas, veio a morrer. A fome não consta de nenhum epitáfio.

SARAMAGUEANDO


Falando numa linguagem simples se dirá que José Saramago não brincava em serviço.
Quis ser escritor e consegui-o. A pulso e num longo percorrer por um caminho de pedras.
Página 544 de Rota de Vida:

«Zeferino Coelho: «Ele não frequentava café ou tertúlias, Estava em casa.»
«Ele não era homem de andar nas noitadas», garantirá Esmeralda Cardoso e Silva. A secretária de Zeferino Coelho entenderá mesmo que, num meio – o literário – em que os encontros de grupo eram tão naturais como o pão de cada dia, Saramago, talvez porque «nos anos 60 e assim não era muito bem aceite pela intelectualidade, não era um dos pares:: «O Mário Ventura comentava: 2Ele era um vaidosos, a gente ia para os copos, e ele nunca ia.» O Cardoso Pires e outros andavam nos copos até de manhã. Mas isso não era com o Saramago, embora ele gostasse de gin e de muito bom vinho branco.» E também é um facto que algumas dessas amizades eram mais aparentes do que reais, caso do próprio Cardoso Pires – algo que não escapava ao ouvido de Esmeralda: «O Luiz Pacheco até dizia: 2Por cada prémio que o Saramago ganha , o Cardoso Pires deita abaixo uma garrafa de uísque.» O que não era difícil. Aquilo eram uns ódios…» O que Correia Jesuíno confirmará: «Eu érea muito amigo do José Cardoso Pires, que não gostava nada do Saramago. Começava por dizer que não tinha lido os livros dele.
O editor da Caminho achará que, sobretudo, Saramago fugia à ideia de estar a desperdiçar o tempo.»

Legenda; José Saramago, Piteira Santos, Maria Rosa Colaço, Fernando Lopes Graça, Manuel da Fonseca, José Cardoso Pires e Urbano Tavares Rodrigues desfilando na Avenida da Liberdade.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

OLHAR AS CAPAS


O Enigma do Crime no Jardim

S. S. Van Dine
Tradução: Fernanda Pinto Rodrigues
Capa: Lima de Freitas
Colecção Vampiro nº 309
Livros do Brasil, lisboa s/d

Foi, simultaneamente, um crime peculiar e implausível, planeado com tanta astúcia que só por grande acaso – ou talvez devesse dizer por intervenção fortuita – se deslindou.

RECOMENDADO POR PESSOAS MUITO SENSATAS


Há alturas em que não posso deixar de pensar no passado. Sei que o presente é o lugar para se estar. Foi sempre o lugar para se estar. Sei que me foi recomendado por pessoas muito sensatas que permanecesse no presente o mais possível, mas o passado apresenta-se. O passado não vem como um todo. Vem sempre em partes.

CHAMINÉS


Quando as pernas se deslocavam com facilidade, eram bem mais ágeis, entendeu que iria à cata das velhas chaminés de padarias, de fábricas várias.

Ficaram por aqui algumas.

Foi quando passou perto, que lhe ocorreu que o crematório do Alto de São João tem chaminé.

Foi aí que se construiu, corria o ano de 1925, o primeiro forno crematório.

Em data, que não conseguiu apurar, foi desactivado.

Os motivos ele sabe: exigências da Igreja, às quais Salazar deu amplo ámen.

Mais do que qualquer Ricardo Salgado, a Igreja foi mesmo entidade dona disto tudo e ainda lança laços que pretendem atrasar o já de si lento desenvolver de ideias novas. Ainda…

Em 1985, já não havia Salazar, e contra a vontade da Igreja, o crematório foi reactivado.

Hoje a cremação está generalizada e, convenhamos que é um outro asseio.

Ao ponto de ter caído quase no esquecimento o dito de se estar «com os pés para cova», substituído por um estar «com os pés para fogueira».

O destino é apenas um, e a morte, a velha morte, dizem os sábios, é o último desses destinos.

Espantou-se Ibsen: «Já? Mal tinha começado a habituar-me à vida.»

Maiakovski afiançava que não é difícil morrer, viver é muito mais e exigia, a um qualquer químico do futuro: «A primeira coisa que farás é ressuscitar-me, a mim que tanto amava a vida».

O malandro do Woody Allen diz que não tem medo da morte, só não quer lá estar quando isso acontecer.

A conclusão de tudo é a morte.

O que agora escreve, sente-se mortal. Apenas não quer cair numa cama feito vegetal inútil porque os médicos, a igreja, não o deixam morrer, quando ele decidir que assim terá de ser.

terça-feira, 16 de julho de 2019

OLHAR AS CAPAS


As Viúvas das Quintas-Feiras

Claudia Piñero
Tradução: Artur Lopes Cardoso
QuidNovi Editora, Matosinhos, Fevereiro de 2008

Fora para a varanda e instalara-se lá, numa espreguiçadeira, disposto a beber. Agarrei numa cadeira, sentei-me a seu lado e esperei, olhando ma mesma direcção, calada. Queria que me contasse qualquer coisa. Nada de importante, nem divertido, nem sequer precisava de que me dissesse alguma coisa com sentido, apenas que falasse comigo, que fizesse a parte que lhe competia nessa troca de palavras mínimas em que, com o passar do tempo, se haviam transformado as nossas conversas. Um acordo tácito de frases feitas encadeadas, palavras que iam enchendo o silêncio, com o propósito de nem sequer ter de se falar do silêncio. Palavras ocas, carapaças de palavras. Quando me queixava, Ronie argumentava que falávamos pouco porque passávamos demasiado tempo juntos, que não podia haver muito que contar se não nos separávamos durante grande parte do dia. E era assim desde que Ronie ficara sem trabalho, seis anos antes, e não voltara a ter outro emprego, exceptuando alguns projectos que acabavam por nunca se concretizar. A mim não me interessava descobrir porque é que a relação se fora descascando de palavras, mas sim porque é que só recentemente me dera conta de que o silêncio se instalara na casa, como um familiar afastado que não temos outro remédio senão hospedar e cuidar. E porque é que não me doía. Talvez porque a dor foi conquistando o seu lugar pouco a pouco, em silêncio. «Vou buscar um copo», disse. «Traz gelo, Virginia», gritou Ronie, depois de eu ter saído.

segunda-feira, 15 de julho de 2019

RELACIONADOS


Gosto de visitar as escadas, aqui do bairro, que servem de local de venda de livros, discos, quinquilharias. Cada vez em menor número, mas ainda há algumas.
Numa dessas visitas encontrei este bonito livro de Kate DiCamillo.
Mas logo nas primeiras páginas encontro estas palavras:


No Natal de 2007, os avós Celeste e Ismael, ofereceram à sua neta este livro esperando que ela gostasse.
Não gostou.
O livro está como se tivesse saído da livraria.
Provavelmente, só foi aberto para os avós escreveram as palavras de carinho pela sua neta naquele Natal de 2007.
Os miúdos não lêem. Este é um drama que começa a tomar contornos de algo que não sabemos, claramente, como vai ser, mas que não augura nada de bom.

Legenda: ilustração De Bagram Ibatoulline, o médico restaurando o coelho de porcelana.

OLHAR AS CAPAS


A Odisseia de Edward Tulane

Kate DiCamillo
Tradução: Telma Pires
Capa: Bagram Ibatoulline
Ilustrações: Bagram Ibatoulline
Edições Gailivro, Lisboa, Outubro de 2007

Era uma vez um coelho de porcelana que fora muito amado por uma menina. Um dia, o coelho partiu numa viagem pelo oceano, caiu borda fora e foi salvo por um pescador. Enterraram-no no lixo e foi encontrado por uma pequena cadela. Vagueou durante muito tempo acompanhado por amigos vagabundos e trabalhou durante um curto espaço de tempo como espantalho.
Era uma vez um coelho que amou uma criança e a viu morrer.
Esse mesmo coelho dançou nas ruas de Memphis. Quebraram-lhe a cabeça em vinte e um pedaços e foi restaurado por um médico de bonecas.
O coelho jurou a si mesmo que nunca mais iria cometer o erro de voltar a amar.
Era uma vez um coelho que dançava num jardim primaveril com a filha da, agora, mulher que tanto o amara no início da sua odisseia. A pequena criança andava à roda com o coelho. Por vezes, os dois moviam-se tão rápido que parecia que iam descolar e levantar voo. Outras vezes, parecia que ambos, simplesmente, possuíam asas.
Certa vez, oh maravilhosa vez, um coelho encontrou o seu caminho de regresso a casa!

domingo, 14 de julho de 2019

DITOS & REDITOS


O verdadeiro burro não é quem erra, é quem insiste no erro.

Ser livre é depender apenas do que se gosta.

Cegos que guiam cegos.

Espaços que não têm lugar.

Sempre a mesma cisma: perguntar e ouvir.

A poesia é a forma mais elevada da escrita.

Depois das sopas, molham-se as bocas.

O destino é um pobre funcionário.

sábado, 13 de julho de 2019

SARAMAGUEANDO


Pode ser da minha vista, mas tenho a opinião de que Objecto Quase é um livro bem interessante. Difícil, é certo, mas interessante.

José Saramago numa entrevista publicada no semanário Extra de 1 de Junho de 1978:

«Com o Objecto Quase quis fazer um livro contra a alienação e creio tê-lo conseguido. Não é um livro fácil. Fácil seria não passar do primeiro grau da denúncia e apostar na preguiça do leitor. Não o fiz e nunca farei. O leitor também escreve o livro quando lhe penetra o sentido, o interroga. Ler um livro não é ver televisão. O leitor não pode ser esponja inerte que absorve sem esforço nem escolha tanto a água pura como as piores poluições. «Objecto Quase» é um livro com o qual e contra qual o leitor tem de lutar.»

É isto que torna José Saramago um escritor que apetece ler, mesmo que com dificuldade as páginas se ultrapassem, chega-se a um final feliz pelo desafio que o escritor nos lança.

Maria Alzira Seixo: «Trata-se de um conjunto de contos onde fantástico e certas componentes da ficção científica se misturam, criando uma atmosfera conjunta de maravilhoso que muitas vezes se constrói a partir de uma fissura insólita, ou desmesurada, do mais banal quotidiano ou do acontecimento mais efectivamente demonstrável.»

O livro guarda o conto «Cadeira» que é uma variação literária e política sobre esse momento histórico em que Salazar se lança para uma cadeira de lona, espalha-se e bate com a cabeça no empedrado da esplanada do Forte de Santo no Estoril.

«Já aí vêm buscar o velho. Aquele raspar de unhas, aquele choro, é das hienas, não há ninguém que não saiba. Vamos até à janela. Que me diz a este mês de Setembro? Há muito tempo que não tínhamos um tempo assim.»

Peguemos agora nas linhas que Joaquim Vieira em Rota de Vida dedica a Objecto Quase. 

Palavras que provém de conversas com o editor Nelson de Matos e um tal Carlos que se diz amigo de Saramago.

As palavras do editor reflectem a circunstância de ter privado política e literáriamente com José Saramago e permitido que o futuro Nobel da Literatura batesse à porta de um concorrente e este tenha apostado no então escritor desconhecido. São palavras que nascem de uma infindável dor de cotovelo. Quanto ao tal «amigo»… fácil  se torna concluir que a amizade não passeia por ali.

«A memória que Nelson de Matos conserva da sua segunda experiência editorial com a obra de Saramago é que «as críticas ao Objeco Quase foram todas más – e o livro era mauzote»: «Ainda foi pior que o primeiro, um insucesso total, Foi pior a sensação que tive com o Objecto Quase, que me pôs completamente os cabelos em pé, porque esse eu achei um péssimo livro, mas também o publiquei.»
Não era mais encomiástica a apreciação de Carlos Duarte a Objecto Quase: «Nós mantínhamos uma boa relação de amizade, nessa altura em que ele passou as passas do Algarve. Lembro-me de que Saramago publicou um livrinho de contos, que me ofereceu, e eu cheguei a casa e disse à minha mulher: “Coitado do Zé, ele não tem futuro como escritor”.»

sexta-feira, 12 de julho de 2019

OLHARES


Frase de um cartaz na Rua Morais Soares.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

PRAÇA DA CANÇÃO


No dia 2 de Maio de 1974 chegou do exílio, em Argel, bateu à porta do PS que lhas escancarou.
Com ele vinha outro exilado, Fernando Piteira Santos, a quem um dia perguntaram porque se não tinha filiado no Partido Socialista e aquele que perguntou, ouviu a resposta: “Porque sou socialista”. 

No prefácio à 2ª edição de Praça da Canção, Mário Sacramento lembrava  a  notícia-crítica que escrevera, em 1965:

«Não me levem a mal se, apoiado num livro que pode considerar-se de estreiam, me afortunar a dizer que com Manuel Alegre nasceu o maior poeta do neo-realismo português.»

Numa carta datada de 12 de Fevereiro de 1973, Carlo Vittorio Cattaneo  contava a Jorge de Sena:

«No encontro romano, Alexandre O’ Neill, aos que lhe pediam uma opinião sobre Manuel Alegre (que conta muitos admiradores em Itália) respondeu muito duramente que Alegre não é um poeta ou, no máximo, pode-se-lhe chamar poeta somente porque escreve versos. Você também é desta opinião? A resposta interessa-me precisamente por causa do sucesso que Alegre tem com os leitores italianos.»

Em carta, datada de 7 de Março de 1973, Jorge de Sena responde:

«O que o O’Neill disse do M. Alegre é a opinião que eu também tenho. Não direi que o homem não é poeta, mas é sem dúvida um poeta muito menor. Não entendo o sucesso italiano dele, a menos que seja pelo tom «popular» e «engagé» que ele mistura muito bem para cantigas à guitarra.»

Carlo Vittorio Cattaneo publicará em 1975 «La Nuova Poesia Portoghese» e em Janeiro de 75 lembra a Jorge de Sena: «Manuel Alegre, se bem que poeta medíocre, me serve como exemplo de poesia política.»

A antologia dos poetas traduzidos por Vittorio Catttaneo inclui Herberto Helder, Ruy Belo, Pedro Tamen, Manuel Alegre, Armando Silva Carvalho, Fiama Hasse Pais Brandão, Luiza Neto Jorge, Gastão Cruz, Nuno Guimarães, João Miguel Fernandes Jorge, António Franco Alexandre, Joaquim Manuel Magalhães, Nuno Júdice.

QUOTIDIANOS


As cerejas estão a acabar.
Parece que o Verão chegou a Portugal.
A corrupção alastra nas autarquias.
Não há meio de sabermos o que se passou realmente no roubo de armamento em Tancos.
Vítor Constãncio recebe de reforma do Banco Central Europeu 17 mil euros e 17 mil de Portugal. O que fez na estranja não é público, o que (não) fez em Portugal vai-se sabendo aos poucos, mas perdeu a memória e Joe Berardo continua a rir-se.
Soube-se agora que a campanha de Cavaco Silva á presidência da República beneficiou de dez cheques de 25.000 euros provenientes do saco azul gerido por Ricardo salgado no BES.
Soube-se hoje que somos menos, que estamos mais envelhecidos e que a taxa de pobreza diminuiu um pouco mas continua elevada e que afecta os jovens até aos 18 anos e os adultos com mais de 65 anos.
As televisões, diariamente, ocupam horas e horas e horas e horas de futebol.
Hélia Correia, uma escritora portuguesa, venceu o com o seu livro Um Bailarino na Batalha venceu o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores. Talvez alguma televisão tenha gasto 3 segundos com a notícia.
Dizem que a chuva talvez volte amanhã.
A certeza é que quando as cerejas acabarem, só as voltaremos a ver lá para o Natal, vindas do Chile, a preços astronómicos.
No dia 20 de Julho, um sábado, às 21H30 irei rever, na Cinemateca, Belarmino, esse belo filme de Fernando Lopes.
No meio disto tudo, lembrar que Mário de Carvalho começa assim o seu livro Fantasia para Dois Coronéis e uma Piscina:

«Assola o país uma pulsão coloquial que põe toda a gente em estado frenético de tagarelice, numa multiplicação ansiosa de duos, trios, “ensembles”, coros. Desde os píncaros de Castro Laboreiro ao Ilhéu de Monchique fervem rumorejos, conversas, vozeios, brados que abafam e escamoteiam a paciência de alguns, os vagares de muitos e o bom senso de todos. O falatório é causa de inúmeros despautérios, frouxas produtividades e más-criações.
Fala-se, fala-se, fala-se, em todos os sotaques, em todos os tons e decibéis, em todos os azimutes. O país fala, fala, desunha-se a falar, e pouco do que diz tem o menor interesse. O país não tem nada a dizer, a ensinar, a comunicar. O país quer é aturdir-se. E a tagarelice é o meio de aturdimento mais à mão.»

AGREDIDOS PELO ACORDO


A regra é que os mais velhos traíram a memória da língua, e os mais novos vivem bem no mundo do Big Brother. O tecido cultural do país, agredido pelo acordo, não é feito de excepções mas sim da regra, e a contínua enunciação das excepções só serve para esconder a rera. Pode-se ser culto sem saber quem era Ulisses, ou Electra, ou Lear, ou Otelo, ou Bloom? Não, não pode. Como não se pode ser culto sem perceber a inércia, ou o princípio de Arquimedes. E, no caso português, sem ter lido umas frases de Vieira, ou saber quem era Simão Botelho, Acácio, o sr. Joãozinho das Perdizes, ou Ricardo reis, ele mesmo. E não me venham dizer que sabem outras coisas. Sabem, mas não chega, são menos, são diferentes, e não tem o mesmo papel de nos fazer melhores, mais donos de nós próprios e mais livres. Sim, livres, porque é de liberdade que se está a falar.

José Pacheco Pereira no Público

quarta-feira, 10 de julho de 2019

OLHAR AS CAPAS


O Santo Enfrenta o Tigre

Leslie Charteris
Tradução: Mascarenhas Barreto
Capa: Lima de Freitas
Livros do Brasil, Lisboa s/d

Baycombe é uma aldeia situada na costa setentrional de Devon, tão isolada da civilização que mesmo no pino do verão é poupada à invasão dos veraneantes de toda a espécie, magros e gordos, altos e baixos. Portanto. Havia uma certa desculpa para um homem que só ali tivesse vivido durante três dias – mesmo, na pior das hipóteses, para um homem tão invulgar como Simon Templar.
Pouco tempo depois da instalação de Simon Templar em Baycombe, esta aldeia calma e pacífica entrou numa atmosfera de grande agitação  e começaram a acontecer coisas que, como veremos, horrorizaram e espantaram os seus habitantes, se bem que, à chegada, Simon Templar tivesse encontrado Baycombe tão insípida como sempre fora durante os últimos seiscentos anos.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

RELACIONADOS


Neste número 5 das Notícias do Bloqueio encontramos poemas de:

José Fernandes Fafe,
António Reis,
Daniel Filipe
Jorge Carrera Andrade, poemas traduzidos por António Rebordão Navarro

Em separata, um desenho de Querubim Lapa a ilustrar o poema Dies Irae de Miguel Torga.