sábado, 13 de julho de 2019

SARAMAGUEANDO


Pode ser da minha vista, mas tenho a opinião de que Objecto Quase é um livro bem interessante. Difícil, é certo, mas interessante.

José Saramago numa entrevista publicada no semanário Extra de 1 de Junho de 1978:

«Com o Objecto Quase quis fazer um livro contra a alienação e creio tê-lo conseguido. Não é um livro fácil. Fácil seria não passar do primeiro grau da denúncia e apostar na preguiça do leitor. Não o fiz e nunca farei. O leitor também escreve o livro quando lhe penetra o sentido, o interroga. Ler um livro não é ver televisão. O leitor não pode ser esponja inerte que absorve sem esforço nem escolha tanto a água pura como as piores poluições. «Objecto Quase» é um livro com o qual e contra qual o leitor tem de lutar.»

É isto que torna José Saramago um escritor que apetece ler, mesmo que com dificuldade as páginas se ultrapassem, chega-se a um final feliz pelo desafio que o escritor nos lança.

Maria Alzira Seixo: «Trata-se de um conjunto de contos onde fantástico e certas componentes da ficção científica se misturam, criando uma atmosfera conjunta de maravilhoso que muitas vezes se constrói a partir de uma fissura insólita, ou desmesurada, do mais banal quotidiano ou do acontecimento mais efectivamente demonstrável.»

O livro guarda o conto «Cadeira» que é uma variação literária e política sobre esse momento histórico em que Salazar se lança para uma cadeira de lona, espalha-se e bate com a cabeça no empedrado da esplanada do Forte de Santo no Estoril.

«Já aí vêm buscar o velho. Aquele raspar de unhas, aquele choro, é das hienas, não há ninguém que não saiba. Vamos até à janela. Que me diz a este mês de Setembro? Há muito tempo que não tínhamos um tempo assim.»

Peguemos agora nas linhas que Joaquim Vieira em Rota de Vida dedica a Objecto Quase. 

Palavras que provém de conversas com o editor Nelson de Matos e um tal Carlos que se diz amigo de Saramago.

As palavras do editor reflectem a circunstância de ter privado política e literáriamente com José Saramago e permitido que o futuro Nobel da Literatura batesse à porta de um concorrente e este tenha apostado no então escritor desconhecido. São palavras que nascem de uma infindável dor de cotovelo. Quanto ao tal «amigo»… fácil  se torna concluir que a amizade não passeia por ali.

«A memória que Nelson de Matos conserva da sua segunda experiência editorial com a obra de Saramago é que «as críticas ao Objeco Quase foram todas más – e o livro era mauzote»: «Ainda foi pior que o primeiro, um insucesso total, Foi pior a sensação que tive com o Objecto Quase, que me pôs completamente os cabelos em pé, porque esse eu achei um péssimo livro, mas também o publiquei.»
Não era mais encomiástica a apreciação de Carlos Duarte a Objecto Quase: «Nós mantínhamos uma boa relação de amizade, nessa altura em que ele passou as passas do Algarve. Lembro-me de que Saramago publicou um livrinho de contos, que me ofereceu, e eu cheguei a casa e disse à minha mulher: “Coitado do Zé, ele não tem futuro como escritor”.»

2 comentários:

Seve disse...

Realmente é isto que torna José Saramago um escritor que apetece ler. É por isso que digo e repito que Saramago é o melhor escritor português depois de Camões (e não digo melhor para eventualmente ressalvar um pouco da minha imensa ignorância).

Seve disse...

A propósito de Saramago, ainda ontem na RTP1 vi um imbecil a (tentar) entrevistar uma mulher inteligente (Pilar) e a dizer baboseiras atrás de baboseiras, absolutamente incapaz de manter uma conversa sobre um tema que poderia ter dado pano para mangas, e que vi com muita tristeza ser absolutamente intratado por, repito, um completo imbecil. Uma tristeza!