Na abertura de Jangada,
Romeu Correia deixou indicações para os eventuais encenadores da sua peça.
Pormenores importantes e chamo a atenção para o parágrafo final em que Romeu
Correia evoca toda a ambiência do rio que olhou desde criança e que tanto amava:
«Esta farsa é o derradeiro conflito de uma família
pequeno-burguesa, vítima de preconceitos de classe que não lhe diziam respeito
e da solidão do lugar onde sempre permanecera.
Três mulheres dialogam sobre o destino (as duas mais
idosas teimosamente amarradas a um passado morto; a terceira, que é jovem e
viva, rebela-se contra o marasmo e o erro quotidiano e reivindica a felicidade
que o meio ambiente lhe nega).
Ao longo de duas horas – será esta a duração da farsa?
– por vezes assistimos a cenas retrospectivas de quando a família era completa
e todos viviam contentes com a sua sorte. E há então figuras que rejuvenescem a
ainda uma outra que entra na pele de sua mãe para mais urgente e cómoda
exemplificação.
Estamos, portanto, diante de uma farsa trágica, que se
desenrola no seguinte cenário único:
Na mole de uma fábrica (edifício alto e facetado, com
três ou quatro janelas em lugar de evidência e a característica chaminé de
tijolo, tendo, como fundo, as paredes de uma rocha) há um compartimento, no
rés-do-chão, utilizado para residência. Percebe-se que as três mulheres que o
habitam estão ali por anuência caritativa dos donos da indústria, pois o espaço
de que dispõem é limitado por pilhas de caixotes e outros materiais
arrecadados. Uma divisória de pano pode ocultar uma boa metade do fundo do
cubículo. Numa lateral deve ver-se alguns degraus da escada de pedra que dá
acesso ao cais. Por todo o espaço ser pouco para s cenas retrospectivas (e aqui
a tal divisória de pano pode correr, mostrando-nos um melhor recheio doméstico
dos dias passados), as figuras descem com frequência para um terraço anexo,
gradeado por um varandim, donde divisam o estuário do rio, o céu imenso e a
cidade.
Quanto a adereços e mobiliário, tudo isso fica ao
gosto de perícia do encenador, pois as rubricas e o diálogo ao longo da farsa
são suficientes como indicação ( E não é verdade que a luz, a cor ou a
penumbra, sobre velhos caixotes, podem sugerir coisas maravilhosas, quando o
passado é acção?).
Há ainda uma sugestão de ambiente: quem vive num cais
à beira de um rio navegável ouve com frequência o apito distante ou perto de
navios e o grasnar das aves marinhas…»
Legenda: Romeu Correia no Café «O Farol», fotografia de autor desconhecido, tirada do blogue Largo da Memória de
Luís Eme.
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