domingo, 21 de julho de 2019

OLHARES


Há 50 amos lembra-se que passou toda uma noite para ver, numa televisão a preto e branco, o primeiro homem pisar a lua,
Não conseguiu ver quase nada. Quando chegavam imagens eram trémulas e cheias de sombras. O resto era conversa em estúdio televisivo, comentadores diversos, tudo coordenados pelo José Mensurado.
Depois teve de apanhar a primeira automotora para as Caldas da Raínha.
Pela tarde comprou os vespertinos que pouco adiantavam. A capa do República, para além do acontecimento, lembrava que o jornal tinha sido visado pela Comissão de censura.
Anos mais tarde, Miguel Torga há-de escrever no seu Diário:

«O homem desceu na lua. Ensacado num fato espacial e de foguetão no rabo, tanto teimou que conseguiu pôr os pés fora da terra. E lá anda aos saltos, a lutar com a imponderabilidade, ridículo, mas triunfante. Como é natural, vivi intensamente as diversas fases da viagem, e foi num misto de alívio e orgulho que ouvi a notícia do seu desfecho feliz. Agora, porém, passada a ansiedade e o entusiasmo, sinto-me triste. Que monótonas e desconsoladas aventuras nos restam no mundo! Primeiro, comandadas por  computadores depois em vez de sonhos de arredondamento da fraternidade, propósitos objectivos de alargamento da solidão...»

Sem comentários: