quarta-feira, 31 de agosto de 2011

OS CROMOS DO BOTECO

O TEMPO DAS CEREJAS


                         

Um energúmeno invadiu o “ O Tempo das Cerejas”, o interessante e, felizmente!, também discutivel, blogue que Vitor Dias vinha mantendo na blogosfera.

Mas como não há machado que corte a raiz ao pensamento, Vitor Dias abriu já o “O Tempo das Cerejas2”.

Fica aqui o aviso à navegação que o autor lançou a todos os viajantes:

“Um burlão apoderou-se da minha conta de gmail - vmcdias2007@gmail.com - (para a qual não vale a pena escrever mais). Como essa conta gmail estava umbicada com o meu blogue «o tempo das cerejas» fiquei sem acesso como administrador ao blogue e, por isso, nem sequer lá posso colocar qualquer aviso aos seus leitores.

Salvo qualquer acto do burlão, em príncipio, todo o histórico de «o tempo das cerejas» continuará a poder ser consultado por eventuais interessados.

Mas a sua continuação e actualização, a contra-gosto meu, terá de ser feita a partir de agora aqui em http://otempodascerejas2.blogspot.com/ , num produto naturalmente ainda mal amanhado e incompleto.
Naturalmente que ficaria muito grato a todos os blogues que queiram noticiar esta alteração ou que, pelo menos queiram acrescentar aos seus links este «o tempo das cerejas2», se possível e não lhes custar muito, mantendo o link para o original «o tempo das cerejas»

IDÍLIO EM BICICLETA




“O frio era mais e mais intenso, o piso, apesar de se poder considerar de luxo comparativamente às últimas semanas, ganhava uma fina – por vezes não tanto – camada de gelo ou neve e a progressão era lenta e árdua. Talvez o pior tenha sido mesmo as expectativas… e quando vislumbrei a verdadeira estrada de asfalto e a real descida, quase me esqueci do frio que me tolhia por completo o corpo, literalmente dos pés à cabeça… para trás ficava a etapa mais árdua da viagem… so far.”

Texto e imagens de Idílio Freire

terça-feira, 30 de agosto de 2011

ITINERÁRIOS


Em 2003, a Adraga foi considerada, pelo diário britânico “The Times” uma das 20 melhores praias da Europa.

O meu pai teve, em Almoçageme, uma casa alugada ao ano e, em Agosto de 1968, pela primeira vez vi a Adraga.

Uma praia quase desértica, pescadores à beira-mar, nas rochas, a pescarem sargos. Quando a maré vazava os percebes ficavam à disposição para serem apanhados. Nunca comi outros tão saborosos.

O restaurante da Suzete, hoje a armar ao pingarelho-cee, era uma tasca de terra batida com umas canas a tapar o sol. A electricidade ainda não chegara lá abaixo e o frigorífico trabalhava a gás. Os sargos saíam da imensidão do oceano para o prato e também nunca comi outros tão saborosos. Os vegetais para as grandes saladas que apareciam à mesa, provinham das hortas do pai da Suzete: as alfaces, os tomates, os pepinos, os pimentos não tinham uma gota de químicos. O vinho justamente chamava-se “Adraga”, mais para o palhete do que para o tinto, e sabia a uvas.

Este postal é o mais antigo que há aqui pela casa, não tem qualquer data, mas já é posterior a 1968, porque se vê a então tasca da Suzete, com o aspecto que hoje apresenta.

E, obviamente, os automóveis não eram na quantidade que o postal mostra. Hoje é muito pior, e foi por causa da quantidade de automóveis que a carreira, ainda não era “Rodoviária”, impossibilitada de dar a volta para regressar, deixou de ir de Almoçageme à Adraga.

POSTAIS SEM SELO


Agora sei que o amor existe, conheço o rosto dele, os seus olhos, o seu corpo, sei que me ama. E tenho medo dele, como sei que ele tem medo de mim, porque somos o lado negro um do outro, o rosto da morte um do outro.

Ana Teresa Pereira em Até que a Morte nos Separe

Legenda: cena do filme “Cega Paixão”  de Nicholas Ray.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

FILMES DAS NOSSAS VIDAS

13 personalidades escolheram 13 filmes, vão apresentá-los e debaterem-nos com os espectadores .

Segundas-feiras de Julho, Agosto e Setembro

21h30, na Rua da Achada (Lisboa)

Esta é a programação para o mês de Setembro:

Segunda-feira, 5 de Setembro, 21h30
Bullitt
de Peter Yates (1968, 114 min.)
escolha de João Rodrigues

Segunda-feira, 12 de Setembro, 21h30
Gente ao domingo
de Robert Siodmak (1930, 74 min.)
escolha de Miguel Castro Caldas

Segunda-feira, 19 de Setembro, 21h30
Outro país
de Sérgio Tréfaut (2000, 52 min.)
escolha de António Loja Neves

Segunda-feira, 26 de Setembro, 21h30
Um homem sem passado
de Aki Kaurismäki (2002, 97 min.)
escolha de Manuel Mozos


Mais informação em Casa da Achada/Mário Dionísio

IDÍLIO EM BICICLETA


“O deserto de Dali impressiona mais pelas caricatas rochas “plantadas” na suave paisagem de areia, do que pela dimensão. Dizem os “guias” que aquelas singulares rochas isoladas, que parecem ter brotado do deserto, como cactos, terão sido “cuspidas” pelo vulcão vizinho. Seja como for, é uma visão surreal, o conjunto de monólitos gigantes que salpicam o deserto arenoso, como se tivessem sido ali colocados cuidadosamente.
Primeiro avista-se o Licancabur, nos seus 5916 metros, depois a extensa laguna blanca e a cordilheira que a rodeia, finalmente, no sopé do Licancabur, surge a famosa laguna verde, menos verde do que a recordo. Parece que a cor verde lhe advém não apenas da composição química das águas mas também da exposição simultânea ao vento e ao sol. Quanto ao sol, não sei se será constante, mas vento seguramente não lhe faltará, como atestam as pequenas ondas e a espuma branca que esvoaça em grandes flocos de algodão.”

Texto e imagem de Idílio Freire

POSTAIS SEM SELO


“Nunca, mas nunca, podemos voltar as costas ao oceano.”

Rip Torn, actor norte-americano.

domingo, 28 de agosto de 2011

MATINÉ DAS 3


Se há filmes que não necessitam de quaisquer palavras, “Guerra e Paz” é um deles.

Realizador: Henry King (1956)
Com: Audrey Hepburn, Henry Fonda, Mel Ferrer, Vittorio Gassman, Anita Ekberg, John Mills.

OS CROMOS DO BOTECO

PARA CURAR-ME O FEITICEIRO


Para curar-me, o feiticeiro
pintou tua imagem,
no deserto:
areia de oiro - teus olhos,
areia vermelha - a tua boca.
areia azul para os cabelos,
e branca, branca areia, para as minhas lágrimas.

Pintou durante o dia, e tu
crescias como uma deusa
sobre a imensa tela amarela.
E pela tarde o vento dispersou
tua sombra colorida.
E, como sempre, na areia
nada ficou senão o símbolo das minhas lágrimas:
areia prateada.

Ìndios da América do Norte – Versão de Herberto Helder.

sábado, 27 de agosto de 2011

SARAMAGUEANDO


Em Julho de 1966 José Saramago publicou “Os Poemas Possíveis”.

Não está indicada a tiragem, mas deverá ter andado pelos 1.500 exemplares.

Vendeu-se com relativa facilidade e adquiriu o estatuto de “esgotado”.

Na sua coluna de “Crítica Literária”, publicada no “Diário de Notícias” de 8 de Dezembro de 1966, João Gaspar Simões, pouco dado a entusiasmos com gente mais nova do que ele, escreveu:

“E não nos detemos: continuaremos a aplaudir. Diante de nós está um homem passante dos quarenta anos que pela primeira vez vem ao proscénio da poesia e desde logo nos brinda com um livro que, embora se intitule de Os Poemas Possíveis – o que quer dizer que há poemas impossíveis -  nos persuade de que valeu a pena aproveitar a possibilidade de que beneficiou tão excepcional engenho poético. Sim, José Saramago, nem chega depois, nem chega antes: chega quando era mister que chegasse. (… ) E aqui está como um poeta quadragenário, num país de de líricos adolescentes, e numa hora em que o funambulismo já não tem mais saltos mortais para dar em cima do trapézio das palavras, avança até ao proscénio do teatro do mundo que é a poesia verdadeira e nos obriga de pé, gritar bravo! bravo! O que parecia morto não morreu. Ainda há poetas vivos, ainda há poetas homens. Este, pelo menos, pode proclamar alto e bom som:

“terrestre sou e deste amor terrestre.
homem me cumpro homem,
“oemas faço.”

Passados 16 anos sobre a sua publicação, José Saramago acedeu a que se fizesse uma 2ª edição do livro, e teve o cuidado de escrever no prefácio:
“Aparece esta edição de “Os Poemas Possíveis” dezasseis anos depois da primeira. Não é assim tanto comparando com os dezasseis séculos que sinto ter juntado à minha idade de então. (…) Poesia datada? Sem dúvida. Toda a criação cultural há-de ter logo a sua data, a que lhe é eimposta pelo tempo que a produz (…) Poesia do dia passado, da hora tardia, poesia não futurante. E contra isto não haveria remédio. Salvo tentar trazê-la até ao seu autor, hoje, por cima de dezasseis anos e dezasseis séculos. Assim foi feito, e esta edição aparece não só revista, mas emendada também. Quase tudo nela é dito de maneira diferente, diferente é muito do que por outra maneira se diz, e não faltaram ocasiões para contrariar o que radicalmente fora escrito. Mas nenhum poema foi retirado, nenhum acrescentado. É então outro livro? É ainda o mesmo? Eu diria (e com este remate me dou por explicado) que o romancista de hoje decidiu raspar com unha seca e irónica o poeta de ontem, lacrimal às vezes. Ou, para usar expressões menos metafóricas, procurou tornar “Os Poemas Possíveis” possíveis outra vez. Ao menos.”

IDÍLIO EM BICICLETA


“Cerrilhos surge frente a um morro esbranquiçado. O pequeno aglomerado de casas, de adobe vermelho e cobertura de colmo, funde-se no solo arenoso, também ele avermelhado. Há uma tienda onde comprar bebida, diz-me um ancião especado na praça da aldeia. Afinal a tienda vende bolachas e refrescos mas não água mineral – na aldeia ninguém tem água mineral, e esta é a única “tienda”. Começo por comprar vários pacotes de bolachas e uma garrafa de dois litros de sumo com um colorido “apelativo”.
Sento-me na prancha de madeira, frente ao muro ensolarado, e começo a devorar bolachas e sumo, no intervalo do interrogatório que os dois jovens irmãos me vão fazendo. Mas eu estou preocupado com a água… como fazer sem água? É verdade que ainda tenho um litro, mas não posso arriscar continuar sem mais alguma. Pergunto-lhes se não bebem água e dizem-me que bebem refresco. Insisto se nunca bebem água e lá dizem que sim, mas fervida. Pego na deixa e digo-lhes que era isso que eu queria, água fervida. Então o mais velho dos dois irmãos ausenta-se dizendo que vai ferver água para mim. Ao fim de uma longa espera, surge com uma enorme chaleira cheia de água quente – que espero tenha fervido uns minutos… Claro que está demasiado quente para verter nas garrafas de água e tenho de esperar mais um pouco, para que arrefeça.”

Texto e imagem de Idílio Freire

POSTAIS SEM SELO


Amarra o teu barco a um porto que ande à deriva. Assim podes viajar enquanto estás parado.

Caderno de Pensamentos do Sr. Anacleto da Cruz.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

OLHAR AS CAPAS


Crónicas da América – Na Rota dos Grandes Espaços da Música e do Cinema

Luís Miguel Mira
Capa Hugo Neves
Fonte da Palavra Editora
Março 2010

Não vos podia falar de comboios, “neons” e outras fantasias, sem vos contar, também, do meu fascínio por faróis. Quem conhece o meu gabinete de trabalho sabe que tenho pendurado na parede um belo “poster” com todos os faróis de França pintados à mão. Uma maravilha…! E não faltaram sempre lá por casa (pelas diversas casas…), ao longo dos tempos, faróis de artesanato de todo o tamanho e feitio.

Tenho alguma dificuldade em situar no tempo esse gosto, mas tenho quase a certeza que tudo começou no Cabo da Roca…


Quando os meus pais tinham a quinta de Sintra, costumávamos ir dar passeios de carro pela costa. Uma vez fomos ao Cabo da Roca e o Trancoso, que era um grande amigo do meu pai e nosso vizinho na quinta, contou-me umas histórias fantásticas acerca dos faroleiros: que alguém tinha de lhes levar comida que eles puxavam com uma corda, mas, depois, tinham de ficar isolados na sua torre frente ao mar, sem poderem ver nem falar a ninguém durante muito tempo. E contou-me que o dono do farol era seu amigo e que um dia me haveria de levar lá…

Poucos anos mais tarde, o meu pai já tinha vendido a quinta e passávamos os três meses de férias em Paço d’Arcos, de inícios de Julho a finais de Setembro. E também me lembro de por lá me contarem histórias do mesmo estilo a propósito do Bugio.

Paço d’Arcos, naquele tempo, faz-me lembrar “As Férias do Sr. Hulot”. Um microcosmos em que toda a gente se conhecia e se encontrava na praia, de manhã, e no café do jardim, à tardinha depois da sesta, onde as senhoras iam coscuvilhar e fazer “tricot”, enquanto a rapaziada ia brincar para o parque infantil ou em corridas de “caricas”, que não eram mais do que as cápsulas dos refrigerantes tapadas por cima com miolo do pão, para lhes dar mais peso e consistência. À noite passeava-se nos jardins e na marginal, dava-se uma olhadela ao que se passava no ringue de patinagem e os mais crescidos iam ao cinema do largo (a mim só me calhou uma vez…).

Não faltava também, em Paço d’Arcos, um Senhor Capitão, não um velho reformado, como no filme do Tati, mas um no activo, porque era o responsável pelo quartel da marinha que lá existia e, penso, ainda existe. Nunca soube o verdadeiro nome do Senhor Capitão, nem da mulher, que eram ambos amigos dos meus pais. Para mim eles eram, apenas, o Senhor Capitão e a Senhora do Senhor Capitão.

Em conversa com o Senhor Capitão eu devo ter metido a colherada do Bugio, porque ele prometeu que me levava lá. E desta vez tive sorte. Levou mesmo! Não me lembro de termos atracado, mas tenho bem na cabeça a imagem de andarmos lá à volta, de barco, juntamente com os meus pais, os meus irmãos e a minha prima Lena.

Um fascínio grande terá nascido um pouco de tudo isso, e é provável que também se tenha alimentado das “Aventuras dos Cinco”. O certo é que, quando comecei a ter a minha autonomia em viagens em Portugal e no estrangeiro, nunca deixei de fazer um desvio para ir ver um farol que soubesse existir na região, sempre que tivesse oportunidade disso.

Não é, assim, de estranhar que tenha feito um “desviozito” de 100 Km para ir ver o farol de Point Reys, considerado um dos mais célebres de toda a Califórnia. E em boa hora o fiz. É um lugar imponente, sem nada á volta a não ser grandes extensões de terreno verdejante, uma ou outra quinta meio abandonadas que parecem fazer o tempo recuar cem anos, pequenas enseadas e enormes extensões de areal absolutamente deserto, mesmo em Julho e num dia de muito sol. Segundo os especialistas, este lugar é, também, um dos melhores pontos de observação de baleias e de aves selvagens da costa da Califórnia..
Ao longa da costa ainda tive a oportunidade de ver mais alguns faróis: o de Big Sur, que se vê muito ao longe na fotografia; o belíssimo farol de Point Pinos em Monterey; o velho farol de S. Francisco, no interior de Fort Point, hoje completamente desactivado; e o da ilha de Alcatraz.

De música sobre faróis não me lembro de grande coisa, embora saiba de um velho “blues”, que nunca ouvi, cujo nome era, precisamente, “Lighthouse Blues” .

No Cinema as memórias são mais vivas, a começar por aquele que é capaz de ser o mais célebre deles todos: “Gardiens de Phare”, que Jean Grémillon realizou em 1929. Mas, sem sombra de dúvida, o que mais me fascina e que não deixaria de levar para a tal ilha deserta é “The Portrait of Jennie”, que William Dieterle realizou em 1948 para David O. Selznick. E o filme até me faz suportar a Jennifer Jones, eu que não vou muito à bola com dela…

“The Portrait of Jennie” faz parte daquele restrito tipo de filmes mistos de “fantástico” e de “amor louco”, de que eu tanto gosto: “7th Heaven”, “Petter Ibbetson”, “The Ghost and Mrs Muir”, “The Dragonwick”, “Pandora”, “The Portrait of Dorian Gray”, … Sempre que os vejo dou comigo a perguntar, como se pergunta logo no início do “Portrait”: What is time? What is space? What is life? What is death?... E a estranha citação de Euripedes, que vem logo a seguir, cola que nem uma luva a cada um dos filmes que acabei de referir:

Quem sabe se viver não é morrer,

E aquilo que os mortais chamam de Vida não será, afinal, a própria Morte…

Mas, perguntar-me-ão vocês agora: o que é que isto tudo tem a ver com mares, marés, faróis e marinheiros…? Muito, garanto-vos…

POSTAIS SEM SELO


“Agarra um pedaço de vento e pergunta-lhe por onde passou. Se não responder, liberta-o.”

Anacleto da Cruz em “Caderno de Apontamentos”

ITINERÁRIOS



Nomes de ruas em Barroselas.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

COISAS EXTINTAS OU EM VIAS DE...


Os "Grandes Armazéns do Chiado", o "Grandella" antes do incêndio de 25 de Agosto de 1988.

LISBOA EM FOGO


A 25 de Agosto de 1988, um pavoroso incêndio destruiu a alma de Lisboa.

Todo o Chiado ardeu: o Grandella, os Armazéns do Chiado, a Perfumaria da Moda o Eduardo Martins, a Casa Batalha, de 1635, o estabelecimento mais antigo do país, a Casa José Alexandre, as Discotecas Melodia e do Carmo a Ferrari, a Pompadour, a Charcutaria Martins e Costa, a Jerónimo Martins, a Valentim de Carvalho, a mais antiga editora discográfica portuguesa, cujos arquivos históricos foram destruídos pelo incêndio.

 Câmara Municipal de Lisboa, presidida por Nuno Abecassis, o governo, chefiado por Cavaco Silva, prometeram a pronta reedificação do Chiado, o arquitecto, Siza Vieira foi encarregado do projecto de recuperação, mas durante mais de dez anos, a mais nobre zona de Lisboa foi um mar de ruínas e desolação.

Diversos obstáculos impediram os trabalhos de recuperação. Os principais problemas foram de ordem jurídica, questões de propriedade e não só. Só a questão relacionada com o Grandella e os Armazéns do Chiado levou anos a ter uma decisão judicial.




O fogo deflagrou, por volta das quatro da madrugada, numa montra dos Armazéns Grandella e foi combatido por todas as corporações de bombeiros de Lisboa, bem como dos arredores, os autotanques do Aeroporto da Portela. Mais de 1600 bombeiros, estiveram envolvidos no combate às chamas.

Para além dos elevadíssimos prejuízos monetários, há a lamentar a destruição de edifícios históricos, muitos deles construídos no tempo pombalino.

Duas pessoas morreram, mais meia centena ficaram feridas, dezenas de desalojados e mais 2000 trabalhadores ficaram desempregados. Muitos deles tiveram dificuldade em encontrar novo posto de trabalho e alguns nunca o conseguiram.

Ladrões, disfarçados de bombeiros, tentaram pilhar lojas devastadas pelo incêndio, mas foram detidos pela Polícia.




A reportagem “Diário Popular” referia as dificuldades encontradas pelos bombeiros na Rua do Carmo, e destacava as palavras de um bombeiro-graduado:

 ”Nero deitou fogo a Roma e Abecasis a Lisboa. Se a merda das esplanadas da Rua do Carmo não tivesse sido lá posta, o material circulante tinha espaço de manobra pelos dois lados e isolávamos o Grandela. Acontece que isso é impossível, como toda a gente sabe. Vocês, nos jornais, denunciaram isso, mas agora é tarde. Não há nada a fazer.”

Miguel Esteves Cardoso no “Independente”

“Uma catástrofe é mais assustadora quando se compreende que não é um acaso ou um azar. Uma catástrofe é mais violenta quando se compreende que se podia prever e que poderá  repetir-se. Quando o presidente da Câmara de Lisboa, com uma grandiloquência deslocada e copiada, disse “A vida continua”, apetece responder que aí está, precisamente o mal. A grande catástrofe é continuar como continuamos, sem cuidar das nossas coisas.”

Desabafo-lamento do vereador Ribeiro Teles:

 “Eu é que era o pateta que tinha a mania das catástrofes, não era?”

O Chiado tem, hoje, uma nova cara.

Mas, naturalmente, não voltou ao encanto e “glamour” dos tempos antes do incêndio.

Para muitos, o velho Chiado é apenas memória. Uma boa memória, diga-se.

VAGUEANDO PELA CIDADE







Caracol da Graça em Lisboa

IDÍLIO EM BICICLETA



“Procurei o abrigo de duas paredes, montei a tenda e cozinhei a dose de massa com o resto do segundo litro de água…desta vez iria dormir com a inquietação de não saber se estava na rota certa e onde estaria Cerrillos…
O interior da tenda repousava na escuridão da madrugada, ainda noite, quando os meus ouvidos despertaram com a ilusão de um ténue som musical… acordei de mansinho, incrédulo com a alucinação auditiva e, duvidando da minha sanidade, procurei readormecer. Mas ou a loucura aumentava dentro da tenda, ou o som crescia lá fora. E poucos segundos depois o som era perfeitamente audível, ainda que não muito nítido, parecendo estar muito próximo da tenda. Levantei-me, abri a porta interior e espreitei, de esguelha, pela pequena janela da “parede” exterior da tenda. Especado a menos de um metro, estava um homem totalmente enroupado, só se vislumbrando os olhos castanhos. Debaixo do braço transportava o roufenho rádio, de onde brotava um ruído musical. Abri a tenda, estiquei o pescoço e dei-lhe os bons dias. Ele olhava em redor, com ar curioso, para os meus apetrechos. Pelo meu lado, fui explicando que estava a caminho de Cerrilhos, o dia chegou ao fim e, como necessitava de um abrigo, decidi montar ali a tenda. Ele acrescentou que morava perto, por detrás daquele pequeno cerro, indo a caminho de casa… Antes de desaparecer e me devolver o silêncio da manhã, acrescentou, fazendo um gesto largo com o braço livre, que Cerrilhos era logo adiante, podendo seguir por aquele caminho. Despedimo-nos e a música foi-se diluindo na distância dos passos, que se afastavam.
Fiquei uns minutos a matutar naquele encontro irreal… Na profundeza do deserto, no centro do nada, num casebre totalmente fechado e abandonado, mas onde uma pele de ovelha, a respectiva cabeça e garganta, ainda gotejam sangue fresco, a música difusa de um rádio a pilhas entra de mansinho pela tenda, quebrando a penumbra da madrugada ainda escura. De onde vem e para onde vai aquele homem, invisível no gelo do alvorecer? Apareceu apenas para me dizer que Cerrilhos “é já ali”, atrás do cerro e que posso seguir “por aquele caminho”…”

Texto e imagem de Idílio Freire

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

POSTAIS EM SELO


Meu pai foi ferroviário, sempre fomos pobres.

Pablo Neruda

UMA CHAMA NÃO CHAMA A MESMA CHAMA



“uma chama não chama mesma chama
há uma outra chama que se chama
em cada chama que chama pela chama
que a chama no chamar se incendeia

um nome não nome o mesmo nome
um outro nome nome que nomeia
em cada nome o meio pelo nome
que o nome no nome se incendeia

uma chama um nome a mesma chama
há um outro nome que se chama
em cada nome o chama pelo nome
que a chama no nome se incendeia

um nome uma chama o mesmo nome
há uma outra chama que nomeia
em cada chama o nome que se chama
o nome que na chama se incendeia”

E.M. de Melo e Castro

Legenda: mural em Valaparíso, fotografia de Idílio Freire

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?



Eram assim os cartazes que anunciavam os filmes que nos cinemas dos meus tempos de adolescente estavam em exibição, ou seriam exibidos em outros dias:
“HOJE”, “A SEGUIR”.
O espectáculo, a magia do cinema, começava nneste olhar, e eram longos os minutos em que se ficava frente a estes cartazes.
Em alfarrabistas e afins, é possível encontrar alguns destes cartazes.
Pedem uma pipa de massa.
Estes, estão em exibição na mansarda bicaense do Luís Miguel Mira.
E pertencem a dois filmes de culto.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

À CONVERSA...


Perguntaram-lhe:

Um homem que viveu intensamente a noite, o debate, que lhe diz o fim das tertúlias dos cafés, como a do café Gelo?

Respondeu:

As pessoas agora preferem o “e-mail”, os “blogues”, o “Facebook”. Mas, curiosamente,
Hoje recebo “mails” de pessoas que nunca me escreveram uma carta.

Júlio Pomar em entrevista à “Notícias Sábado”

UM HOMEM TALHADO À MEDIDA DE UM POVO


Pressente-se que o V Governo Provisório está por um fio.

A 18 de Agosto de 1975, Vasco Gonçalves , no pavilhão da Escola D. António da Costa em Almada, e com transmissão directa pela televisão e rádio,  discursa:

“No dia em que se escrever a história destes últimos quinze meses, e se trouxerem a lume as graças e as manhas de alguns dos seus autores e figurantes, uns cujos nomes andam nas gazetas nacionais e estrangeiras, como paladinos da revolução e da liberdade, outros conspirando nos corredores e nos cantos da sombra, haverá decerto quem fique surpreendido. No entanto, para a grande maioria do nosso povo, a quem não se pode enganar eternamente a boa-fé, as revelações que se fizerem não serão mais do que a confirmação daquilo que ele já há muito suspeita.”

Mário Castrim na sua crónica de televisão no “Diário de Lisboa” de 19 de Agosto:

“Vasco Gonçalves um trabalhador entre companheiros trabalhadores. Um homem talhado à medida de um povo.”

O “Expresso” , na sua edição de 23 de Agosto:

“O discurso de Almada: um homem só rodeado pelos fantasmas que ele próprio criou.”

A 21 de Agosto Otelo Saraiva de Carvalho e Carlos Fabião reúnem-se, em Coimbra, com os comandantes das unidades da Região Militar Centro. O objectivo é a discussão de um “documento síntese” que pretende conciliar as posições assumidas no Documento do Copcon com o Documento do Grupo dos Nove.

Outros militares reúnem-se em Lisboa, nas instalações do antigo Ministério do Ultramar, com o mesmo objectivo. A reunião estende-se pela madrugada dentro. Um oficial do COPCON diz à reportagem do “Diário de Lisboa”:Uma longa reunião que termina Idêntica reunião, com outros militraes reúne-se , longamente, no antigo Ministério do Ultramar em Lisboa.

De uma notícia do “Diário de Lisboa:

“Discutimos, discutimos.”

 “E então?”

“Não chegámos a acordo, como é óbvio!”

José Saramago no seu Apontamento” no “Diário de Notícias” “ de 23 de Agosto:

“Em nossa humílima opinião, o primeiro-ministro Vasco Gonçalves é homem para o socialismo, o único entre as figuras históricas do M.F.A. Se é político para um dia ou para dez anos, não futuramos. Apenas prevemos que saindo ele não haverá socialismo em Portugal. Apenas prevemos que ficando ele talvez haja tempo para que se preparem, na boa prática, os futuros dirigentes populares que hão-de construir, firmar e defender a sociedade socialista portuguesa. Ninguém pode fazer o socialismo sem o povo, e o povo não o poderá fazer enquanto este jogo-de-cabra-cega ou de quatro-cantinhos empatar o caminho. A responsabilidade é hoje tão grande como isto: ajudar o primeiro passo para o socialismo ou ser o seu coveiro.”

IDÍLIO EM BICICLETA







“O dia em que calcorreei os trilhos em redor de Tupiza, foi um dos mais memoráveis e surpreendentes desta viagem. Não só pela beleza dos cantos e recantos em que literalmente me perdi, mas pela surpresa absoluta das paisagens que encontrei, das incríveis formações rochosas, da monumentalidade da puerta del infierno, do cañon del duende, da quebrada seca, do valle de los machos…e especialmente pelo festival das cores mutantes ao longo do dia, dos vermelhos, laranjas, brancos, cinzas.
No hotel Mitru opera a empresa Tupiza Tours, que não só proporciona viagens pelos locais turísticos dos arredores, como oferece tours de vários dias, cruzando o sudoeste da Bolívia, percorrendo a zona das “lagunas” e subindo ao Salar de Uyuni. E os motoristas da Tupiza Tours foram de uma grande simpatia e disponibilidade, dando-me várias indicações e sugestões sobre o percurso que eu pretendia seguir. Mas acima de tudo tentaram dissuadir-me de o fazer. Sugeriram insistentemente que prosseguisse para a fronteira argentina, pois Villazon está a apenas 90 quilómetros de excelente estrada de asfalto, com clima mais ameno e na minha rota para sul, para Ushuaia. Mas San Pedro de Atacama e as suas rosas, que o Sepúlveda fez o favor de me inculcar na cabeça e no coração, é mais que uma teimosia, é uma obsessão poética…claro que não há rosas neste tempo, mas há Atacama.

Depois de tomar o mais alarve pequeno-almoço de que tenho memória, no buffet do Mitru, como se pudesse acumular no estômago ali alimentos e energia para a semana seguinte..., fiz-me à estrada. Na minha rota ficava a Quebrada Palala, nada impressionante comparando com o que já tinha visto e, no fim da primeira dura e extensa subida do dia, Sillar, mais um vale de abundantes formações arenosas, pacientemente esculpidas pelo vento. Mas o mais marcante de Sillar era mesmo a subida, desta vez em espiral, que trepava monte fora, perdendo-se para além do meu olhar. E já nem faltava o intenso vento, do contra, como viria a ser sempre nos próximos dias…”

Texto e imagens de Idílio Freire

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

OS CROMOS DO BOTECO


VAGUEANDO PELA CIDADE

Papaelaria O Clipão na Avª Mouzinho de Albuuquerque em lisboa.

UM BOM PRIMEIRO-MINISTRO


O nosso último passear pelo Verão Quente de 1975 deixou-nos perante os acontecimentos que rodearam a divulgação do “Documento dos Nove”.

Dado o carácter transitório do V Governo, o “Grupo dos Nove” apresenta a Costa Gomes o “Plano Político do MFA”, elaborado por Melo Antunes.

Otelo Saraiva de Carvalho dá o seu acordo. Começam, então, as diligências para constituição do VI Governo Provisório, tarefa que, por sugestão de Melo Antunes, é entregue a Carlos Fabião.

Numa entrevista publicada no jornal espanhol “ABC”, Mário Soares afirmou que Melo Antunes daria um bom primeiro-ministro.

Nesta entrevista, Mário Soares nega que o Partido Socialista esteja a aplicar as tácticas e a estratégia da social-democracia europeia e sobre o Partido Comunista, diz: “o que nos divide em Portugal não é Marx, mas Lenine e sobretudo Estaline.”

O general Spínola, numa entrevista à BBC  afirma  que: “o povo português é anti-comunista. As Forças Armadas são o povo em armas. Logo, as Forças Armadas são, também elas, anti-comunistas”

A 13 de Agosto os militares do COPCON tornam público um documento de resposta ao documento do  “Grupo dos Nove”: “Autocrítica Revolucionária do COPCON e Proposta de Trabalho para um Programa Político.”

Com a CIA a trabalhar activamente em Lisboa, o secretário de estado norte-americano Henry Kissinger, afirmou no Alabama que avisara formalmente a União Soviética de que não permitirá a sua ingerência nos assuntos de Portugal.

Eduardo Prado Coelho num artigo em “O Jornal” de 15 de Agosto de 1975:

“Creio que era Cohn-Bendit que dizia que as barricadas não servem para mais nada a não ser para uma coisa saber quem está de um lado e quem está do outro.

As últimas barricadas confundiram tudo: os que deveriam estar num lado estavam nos dois.

Traumatismos destes implicam grandes remédios para se apagarem.
A cura é lenta.

Convém começar a reconhecer que a multiplicação de comunicados, as tomadas de posição de direcções e o alarido dos meios de comunicação nem sempre correspondem a efectivas movimentações de massas”

Legenda: título de "A Capital" de 11 de Agosto de 1975.

domingo, 21 de agosto de 2011

AVISO À NAVEGAÇÃO


Por uns breves dias vamos para um lugar onde não há internet.
Ficam agendados alguns posts, e a porta do cais fica aberta para poderem entrar, porque pode ser que à beira-mar, não se ouça o toque da campainha.
Voltem sempre!

MATINÉ DAS 3

Na passada terça-feira passram 34 anos sobre a morte de Elvis Presley.
Necessariamente a matiné de hoje tinha que ser com um filme do Rei

POSTAIS SEM SELO


É triste escrever cartas. E, se não  para que se escreveriam cartas.

Manuel S. Fonseca

IDÍLIO EM BICICLETA





“Estou exausto, o piso promete muita areia e mais de vinte quilómetros me separam de Tupiza. Um trio de rapazes, não miúdos, mas jovens de 18 ou mais anos, jogam ao berlinde na rua poeirenta. Paro e pergunto-lhes se há um alojamento onde possa ficar. Olham-se surpreendidos e dizem-me que não, que ali não há nada, mas incentivam-me a prosseguir para Tupiza, pois está perto e é sempre “bajada”. Estamos conversados sobre o que esta gente entende por “perto” e também por “pura bajada”, mas o certo é que não tenho alternativa – na verdade ainda não é tarde e posso pedalar mais duas horas antes que escureça.
Como sempre, a bajada está repleta de subidas, ainda que seja predominantemente a descer, é verdade, o piso é terrivelmente mau, oscilando a areia e a “chapa ondulada”. E já perto de Tupiza, há mais uma subida para a sossega, que me obriga a caminhar e empurrar a Dempster. Mas também desta vez, depois da tempestade há-de vir a bonança e Tupiza há-de surgir do nada. No hotel Mitru começam por me pedir 100 bolivianos por noite, mas consigo ficar por 50 e um duche quente, e a certeza de que ficarei um ou dois dias a descansar, fazem olhar para a jornada finda com um sorriso e não um esgar!!
Tupiza é o faroeste. Já ontem, de Salo para cá, me tinha surpreendido com a morfologia e as cores das estranhas formações arenosas que ladeavam o caminho e que, afinal, não passavam de uma pequena amostra daquilo que viria a admirar em redor do povoado. Mas Tupiza não é o faroeste apenas pelos canyons, gargantas, penhascos e montanhas de intensos coloridos, onde predomina o vermelho e onde se imaginam cowboys, pistoleiros, ladrões e sherifes. É o faroeste também porque cá se escreveu uma célebre estória de gansters e pistoleiros… foi pouco a norte do povoado que, em 1903, a dupla Butch Cassidy e Sundance Kid perpetraram o assalto a Carlos Peró, o gerente local da Aramayo Company, levando o dinheiro dos salários dos mineiros. E foi em San Vicente, escassa centena de quilómetros a norte, que ambos encontraram “o fim da estrada” e as balas que lhe deram a imortalidade…”

Texto e imagens de Idílio Freire

sábado, 20 de agosto de 2011

JANELA DO DIA



1.

Sabendo-se o que a casa gasta, PS e PSD, entre si, não diferem em nada, desde já se fica a saber qual o final deste filme.

O ministro Miguel Relvas convidou Mário Crespo para correspondente da RTP em Nova Iorque, soube o “Expresso” de fontes fidedignas. O ministro mandou alguém dizer que Crespo não fora convidado, apenas sondado.

É nisto que dá a pequenez dos nossos governantes, dos nossos jornalistas, do que quer que seja.

Como diria o Jorge de Sena: badalhoquices.

2.

Os espanhóis manifestaram-se veementemente, a polícia, sem qualquer necessidade, carregou sobre as pessoas que protestavam contra os gastos que o estado espanhol teve de despender com a visita papal.

Outros os tempos em que os papas apenas saíam do Vaticano para umas curtas férias em Castel Gandolfo.

Ficavam mais baratas.

Pelo menos para os países que o Papa visita.

3.
Não funciona, ninguém sabe dizer se algum dia funcionará, o valor total do investimento do projecto português de alta velocidade ferroviária totalizou 116,1 milhões de euros até ao final de 2010.

O ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, afirmou que o Governo português tomará uma decisão sobre a rede de alta velocidade portuguesa em Setembro.

4.
As imposições da troika vão dando os primeiros passos.

Julho foi o pior mês de sempre para o consumo privado em Portugal, que caiu 3,4% nesses 31 dias. a maior queda mensal de sempre desde que o Banco Central começou a compilar estes dados em 1978.

O Banco de Portugal já dizer que estamos pior do que no auge da intervenção do FMI em Portugal em 1983.

Entretanto a Federação do Comércio veio dizer que o desemprego no sector já ultrapassou os 100 mil trabalhadores, resultante do fecho de cerca de 100 empresas por dia

Outros dados recentemente divulgados pelo Ministério da Justiça, revelam que o encerramento de empresas em Portugal subiu 23 por cento no primeiro trimestre deste ano, tendo desaparecido 1250 lojas de comércio, 720 imobiliárias e 423 restaurantes.

OS CROMOS DO BOTECO

SARAMAGUEANDO



Data de 10 de Novembro de 1966, o primeiro recorte do longo “Dossier José Saramago” que aqui pela casa se passeia.

É uma entrevista ao “Jornal de Notícias”, feita por Serafim Ferreira, e a propósito da publicação de “Os Poemas Possíveis”.

Da introdução da entrevista:

“O poeta não tem idade; o poeta é a vida; o poeta fala pelos outros; comunica e enche de calor o mundo despovoado dos que não têm voz e não sabem cantar; o poeta enche o mundo; o poeta  é o cantor da Tempo superiormente entendido como entidade mítica que marca, de forma inexorável, a evolução da Humanidade, os passos dos homens nas suas paragens sem destino. O poeta aparece quando pode ou quando deve – o poeta, qualquer poeta, é sempre aquele homem que deseja comunicar aos outros homens o mundo da sua própria experiência.”

O jornalista pergunta a que se deve o facto de aparecer tão tarde com um livro de poemas. Saramago responde:

“Se escrevi este livro tão tarde foi porque o não podia ter escrito antes. O homem que nos meus poemas se exprime tem hoje qaurenta e três anos. Faz versos desde a  adolescência (o que não surpreenderá ninguém) e quase nada conserva do que fez. Amadureceu com os anos e com a experiência do que viu e do que observou – e nisto não se distingue dos mais homens. Podia ter assim continuado. Se necessidade sentia de exprimir-se, ela não era suficientemente forte, Mas, acontecimentos pessoais que, por pessoais, não interessa aqui referir, operaram em mim um súbito ajustamento de quanto de vago, disperso ou apenas esboçado me habitava. Esta é a explicação do nascimento e publicação deste livro.”

Serafim Ferreira fala a Saramago da necessidade de os escritores abordarem um conteúdo que reflicta as preocupações e ansiedades do nosso tempo, e  obtém a resposta:

“Cada um de nós vai cantando com a voz que tem… De resto afigura-se-me que, hoje, importa mais o que se diz do que a maneira como se diz. Daí terem o terem perdido audiência (e pelo caminho que o mundo leva, creio que para sempre) os poetas que fizeram da poesia mera prenda de salão ou de sociedade, como o tricô ou o tiro aos pombos.”

No findar da entrevista o jornalista pergunta quais os projectos a realizar no futuro.

“Os Poemas Possíveis não é o meu primeiro livro. Vai para vinte anos, publiquei um mau romance que acabou, sem glória, ao lado de muita coisa boa, nos tabuleiros. Ganhou assim uma difusão que doutra maneira não teria… É que o negócio dos arrematadores, para que fosse suficientemente rentável, uma “distribuição” tão eficiente que chegasse à mais escondida das nossas aldeias. Quero crer que não ficou um livro por vender.
Quanto a projectos não os tenho, pelo menos a curto prazo. Continuarei a escrever, ao sabor dos meus “choques”. Outros livros? É possível. Tudo é possível. E quem sabe se um segundo livro de poemas não virá a ter o “verlainiano" título de “Provavelmente?”

Foi o que veio a acontecer: “Provavelmente Alegria” seria o segundo livro de José saramago, publicado, pelos “Livros Horizonte”, em 1970, três anos e mais qualquer coisa, depois desta entrevista.