sexta-feira, 26 de agosto de 2011

OLHAR AS CAPAS


Crónicas da América – Na Rota dos Grandes Espaços da Música e do Cinema

Luís Miguel Mira
Capa Hugo Neves
Fonte da Palavra Editora
Março 2010

Não vos podia falar de comboios, “neons” e outras fantasias, sem vos contar, também, do meu fascínio por faróis. Quem conhece o meu gabinete de trabalho sabe que tenho pendurado na parede um belo “poster” com todos os faróis de França pintados à mão. Uma maravilha…! E não faltaram sempre lá por casa (pelas diversas casas…), ao longo dos tempos, faróis de artesanato de todo o tamanho e feitio.

Tenho alguma dificuldade em situar no tempo esse gosto, mas tenho quase a certeza que tudo começou no Cabo da Roca…


Quando os meus pais tinham a quinta de Sintra, costumávamos ir dar passeios de carro pela costa. Uma vez fomos ao Cabo da Roca e o Trancoso, que era um grande amigo do meu pai e nosso vizinho na quinta, contou-me umas histórias fantásticas acerca dos faroleiros: que alguém tinha de lhes levar comida que eles puxavam com uma corda, mas, depois, tinham de ficar isolados na sua torre frente ao mar, sem poderem ver nem falar a ninguém durante muito tempo. E contou-me que o dono do farol era seu amigo e que um dia me haveria de levar lá…

Poucos anos mais tarde, o meu pai já tinha vendido a quinta e passávamos os três meses de férias em Paço d’Arcos, de inícios de Julho a finais de Setembro. E também me lembro de por lá me contarem histórias do mesmo estilo a propósito do Bugio.

Paço d’Arcos, naquele tempo, faz-me lembrar “As Férias do Sr. Hulot”. Um microcosmos em que toda a gente se conhecia e se encontrava na praia, de manhã, e no café do jardim, à tardinha depois da sesta, onde as senhoras iam coscuvilhar e fazer “tricot”, enquanto a rapaziada ia brincar para o parque infantil ou em corridas de “caricas”, que não eram mais do que as cápsulas dos refrigerantes tapadas por cima com miolo do pão, para lhes dar mais peso e consistência. À noite passeava-se nos jardins e na marginal, dava-se uma olhadela ao que se passava no ringue de patinagem e os mais crescidos iam ao cinema do largo (a mim só me calhou uma vez…).

Não faltava também, em Paço d’Arcos, um Senhor Capitão, não um velho reformado, como no filme do Tati, mas um no activo, porque era o responsável pelo quartel da marinha que lá existia e, penso, ainda existe. Nunca soube o verdadeiro nome do Senhor Capitão, nem da mulher, que eram ambos amigos dos meus pais. Para mim eles eram, apenas, o Senhor Capitão e a Senhora do Senhor Capitão.

Em conversa com o Senhor Capitão eu devo ter metido a colherada do Bugio, porque ele prometeu que me levava lá. E desta vez tive sorte. Levou mesmo! Não me lembro de termos atracado, mas tenho bem na cabeça a imagem de andarmos lá à volta, de barco, juntamente com os meus pais, os meus irmãos e a minha prima Lena.

Um fascínio grande terá nascido um pouco de tudo isso, e é provável que também se tenha alimentado das “Aventuras dos Cinco”. O certo é que, quando comecei a ter a minha autonomia em viagens em Portugal e no estrangeiro, nunca deixei de fazer um desvio para ir ver um farol que soubesse existir na região, sempre que tivesse oportunidade disso.

Não é, assim, de estranhar que tenha feito um “desviozito” de 100 Km para ir ver o farol de Point Reys, considerado um dos mais célebres de toda a Califórnia. E em boa hora o fiz. É um lugar imponente, sem nada á volta a não ser grandes extensões de terreno verdejante, uma ou outra quinta meio abandonadas que parecem fazer o tempo recuar cem anos, pequenas enseadas e enormes extensões de areal absolutamente deserto, mesmo em Julho e num dia de muito sol. Segundo os especialistas, este lugar é, também, um dos melhores pontos de observação de baleias e de aves selvagens da costa da Califórnia..
Ao longa da costa ainda tive a oportunidade de ver mais alguns faróis: o de Big Sur, que se vê muito ao longe na fotografia; o belíssimo farol de Point Pinos em Monterey; o velho farol de S. Francisco, no interior de Fort Point, hoje completamente desactivado; e o da ilha de Alcatraz.

De música sobre faróis não me lembro de grande coisa, embora saiba de um velho “blues”, que nunca ouvi, cujo nome era, precisamente, “Lighthouse Blues” .

No Cinema as memórias são mais vivas, a começar por aquele que é capaz de ser o mais célebre deles todos: “Gardiens de Phare”, que Jean Grémillon realizou em 1929. Mas, sem sombra de dúvida, o que mais me fascina e que não deixaria de levar para a tal ilha deserta é “The Portrait of Jennie”, que William Dieterle realizou em 1948 para David O. Selznick. E o filme até me faz suportar a Jennifer Jones, eu que não vou muito à bola com dela…

“The Portrait of Jennie” faz parte daquele restrito tipo de filmes mistos de “fantástico” e de “amor louco”, de que eu tanto gosto: “7th Heaven”, “Petter Ibbetson”, “The Ghost and Mrs Muir”, “The Dragonwick”, “Pandora”, “The Portrait of Dorian Gray”, … Sempre que os vejo dou comigo a perguntar, como se pergunta logo no início do “Portrait”: What is time? What is space? What is life? What is death?... E a estranha citação de Euripedes, que vem logo a seguir, cola que nem uma luva a cada um dos filmes que acabei de referir:

Quem sabe se viver não é morrer,

E aquilo que os mortais chamam de Vida não será, afinal, a própria Morte…

Mas, perguntar-me-ão vocês agora: o que é que isto tudo tem a ver com mares, marés, faróis e marinheiros…? Muito, garanto-vos…

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