terça-feira, 30 de junho de 2015

JUNHO QUE FINDA


Junho que chega ao fim, o mês dos perfumes mágicos, intensos: sardinhas assadas, manjericos, sardinheiras em flor.
Guardo da infância as quentes noites de Verão, lembro a miudagem a correr nas raus, o trânsito automóvel, as gentes vinham para a porta da rua conversar, outras ficavam à janela, as pessoas conheciam-se, falavam, por vezes zangavam-se era quase nulo. Noites havia em que subíamos até ao jardim da Praceta António Sardinha, na Penha de França, e havia outras gentes espalhadas pelos bancos, sentados na relva, bebendo cervejas e capilés nas leitarias do bairro.
A televisão viria a destruir o feliz convívio das gentes simples do meu bairro.
Agora, ao passar os olhos por algumas das páginas de Viver com os Outros, reparo que Isabel da Nóbrega também reteve essa imagem das gentes sentadas à porta de casa, nas quentes noites de Junho, que foi o mês em que nasceu, e talvez por isso tenha escolhido um jantar,numa noite de Junho, para enredo de Viver Com Os Outros. 

Descobríamos que aquelas pessoas sentadas nos degraus de pedra, à porta de casa, os garotos na borda do passeio, os homens em mangas de camisa ou casacos de pijama, junto ao muro, quase não falando, recebendo a noite morna e o luar tal como os cedros e as olaias e as tílias do parque, estavam a ser felizes e não o sabiam.

Os cheiros que andam misturados numa noite de Junho, mesmo na cidade, basta que se encontre um parque próximo. E também o cheiro do manjerico, ali no nicho, por entre as outras plantas, sobre o qual pousei instintivamente a palma da mão quando a Ana me arrastou para aqui.


Legenda: pintura de Pierre-August Renoir

POSTAIS SEM SELO


A vida é em parte o que nós fazemos dela, e em parte o que é feito pelos amigos que nós escolhemos.


Legenda: Marilyn Monroe

OLHARES


Alfama, Santos Populares.

OS IDOS DE JUNHO DE 1975



 30 de Junho de 1975

FUGIRAM de Alcoentre 88 pides.
O recorte pertence à primeira página do Diário de Lisboa.
Pela sua leitura fica a saber-se que na Penitenciária de Alcoentre estavam detidos 843 agentes da PIDE/DGS.
De uma prisão, considerada pelos técnicos como uma das mais seguras da Europa, os ex-agentes conseguiram descer os altos muros servindo-se de escadas improvisadas com ferros das camas, presos por cordas de plástico.
Do estranho e insólito acontecimento, José Carlos Ary dos Santos e Fernando Tordo escreveram o Fado de Alcoentre.

A introdução recitada por Ary dos Santos:

Mas enquanto homens lutavam com uma entrega total
Outros homens conspiravam contra o novo Portugal
Essas hienas que apertavam o garrote da tortura
Enquanto a Democracia se distraía em ternura
Esses homens que hoje saem da prisão em liberdade
Cães que rosnam, cães que traem, e passeiam na cidade

A letra do fado:

Que se passa? Então isto não é uma ameaça?
Ali andou mãozinha de reaça.
Deixaram fugir mais oitenta e nove…
Que se passa? Então isto não é uma ameaça?
Ali andou mãozinha de reaça.
Deixaram fugir mais oitenta e nove…

Os pides desceram pela corda alegremente.
Os guardas andavam passeando em Alcoentre.
E a esquerda levou com mais um corno pela frente.
Esta maldade não se faz à gente.
Que merda!

As grades foram todas serradas a preceito.
A fuga aproveitou-se do que era imperfeito.
E a esquerda, por causa da vergonha deste feito,
pode apanhar uma bala no peito…
Que merda!

Quem foram os que de fora das grades ajudaram?
Quem foram os que dentro das grades os armaram?
A esquerda não esquece tubarões que a torturaram.
Não pode perdoar se a enganaram.
Que merda!

Agora, a vigilância é tudo o que nos resta.
Pr’ós pides, a vida na prisão… era uma festa.
E a esquerda tem mais do que razão quando protesta,
pois pode apanhar um tiro na testa…

Que merda!


ENTRETANTO o Decreto-lei nº 329-C/75 demite da Armada, com efeitos retroactivos a 25 de Abril de 1974, o ex-Presidente da república, almirante Américo Tomás.

NO DIA 26 MOÇAMBIQUE tornou-se independente.
Do Rovuma ao Maputo.
Samora Machel é o presidente da República Popular de Moçambique, o 34º maior país do mundo
Em nome do governo português esteve presente Vasco Gonçalves.
À partida para Maputo, Vasco Gonçalves dissera: não recebemos lições de ninguém em matéria de descolonização.
Na conferência de imprensa, após a cerimónia da investidura de Samora Machel, disse:
Nós pensamos que as relações de novo tipo que Portugal está estabelecendo com as nações que hoje estão ascendendo à independência, foi a Guiné, hoje Moçambique, dentro de poucos dias cabo Verde, mais tarde Angola e os outros territórios, nós pensamos que estamos dando ao Mundo um exemplo de fraternidade, um exemplo de amistosidade, um exemplo de encarar com a maior nobreza e com a maior esperança as novas relações que se estão estabelecendo. Pensamos que estas relações podem ser seguidas por todos os povos do Mundo no caminhada independência de todos esses povos no caminho da paz, do progresso e do bem-estar da Humanidade


Fontes:
- Acervo pessoal;
Os Dias Loucos do PREC de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira.

É HOJE!


Nos Jogos Olímpicos do Brasil já estamos.
Hoje, a selecção de sub-21 pode sagrar-se campeã da Europa.
Boa sorte, rapazes!

segunda-feira, 29 de junho de 2015

POSTAIS SEM SELO


- O que lias quando eras criança?
- Havia uma estante de policiais em casa. Na biblioteca do meu pai. Ficava nas traseiras da casa e pela janela via-se o jardim. Lembro-me de ir para lá nas tardes de chuva. Escolhia-os pelas capas.

Ana Teresa Pereira em As Longas Tardes de Chuva em Nova Orleães, Relógio d’Água, Lisboa Outubro de 2013.

APANHADOS DO FACEBOOK


Do Paulo Bastos.

NOTÍCIAS DO CIRCO



Decididamente o homem não se enxerga.
Ao ler estas palavras do filho-do-senhor-Teodoro da bomba de gasolina, de imediato, saltou-me à ideia os brilhantes discursos do almirante-corta-fitas que temos andado por aqui a lembrar em AH!... AS ABÓBORAS!...
A minha avó costumava dizer que um doutor é um burro carregado de livros.
Mas de Cavaco nem isso se pode dizer: não lê livros e quando deles ouve falar puxa logo da pistola. 
Também não lê jornais e, segundo as línguas do costume, é a Dona Maria que lhe lê as legendas dos filmes até ao momento em que, a vê-lo a cabecear, lhe diz para ir fazer um bom oó.

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


Não fossem tarefas inadiáveis que tenho todas as quartas-feiras e daria corda aos sapatos para ir até à Cinemateca matar, uma vez mais e já não sei quantas são, o Casablanca.

João Bénard da Costa, em Os Filmes da Minha Vida, Os Meus Filmes da Vida, não é de modas e dispara:

Quem o vir impassível, ou já perdeu a alma, ou já perdeu o coração, ou já perdeu ume e outro. É ser humano de companhia a evitar cuidadosamente.

Antes já escrevera:

Só de ouvido conheço as histórias que se passaram no Politeama, com o público a levantar-se para ouvir a Marselhesa abafar o Wie Wacbt am Rhein, como se diz que um rei de Inglaterra se levantou para ouvir o «Alleluia» do Messias de Haendel. Esse gesto real inaugurou uma «praxe» seguida há mais de 200 anos. O gesto português – por cuja originalidade não respondo – talvez não tenha tão longa posteridade, mas enquanto houver cinema e cópias de Casablanca emoções semelhantes voltarão a produzir-se a cada nova visão do filme.

As emoções de Casablanca podem ser (re)vistas na Cinemateca pelas 21,30 horas de quarta-feira dia 1 e pelas 15,30 horas de quarta-feira dia 15., ambas as sessões na Sala Félix Ribeiro.


CASABLANCA
de Michael Curtiz
com Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Claude Rains, Paul Henreid, Peter Lorre, Sidney Greenstreet
Estados Unidos, 1943 - 102 min
legendado eletronicamente em português | M/12

É um dos mais famosos filmes de sempre, o que deu Ingrid Bergman Humphrey Bogart por par e a todos a ideia de “para sempre, Paris”. São eles o casal que um dia por lá se perdeu no começo da guerra e se reencontra fugazmente em Casablanca, a encruzilhada dos que procuram alcançar a liberdade. Três Óscares (melhor filme, argumento e realização) premiaram este filme mítico. “Se Casablanca já é um prodígio de concisão e de ‘timing’ durante o primeiro quarto de hora (em que somos apresentados a todos quantos não arriscam muito a pele ou a arriscam mas não mexem na nossa), o filme só ‘pega fogo’ quando Ingrid Bergman entra no Rick’s Bar e Sam para de tocar e olha para ela. Nunca o olhar de Ingrid foi tão desarmado, tão quente, tão húmido como quando pediu que ele tocasse (não ‘again’ mas simplesmente tocasse) o As Time Goes By. Nunca o olhar de Bogart foi tão cerrado, tão frio, tão seco, como quando, ouvindo a música e não vendo Ingrid, disse: ‘Sam, I thought I told you never to play...’’ (João Bénard da Costa)

NO CAMINHO COM MAIAKOWSKI


Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakósvki.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho e nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz:
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas no tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares,
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo.
Por temor, aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!

Eduardo Alves da Costa

Legenda: fotografia de Vivian Maier

domingo, 28 de junho de 2015

POSTAIS SEM SELO


Quando estamos molhados, não temos medo da chuva.

Provérbio grego

OLHARES



Laranjeiras numa pequena praceta do antigo bairro da GNR junto à Rua Barão Sabrosa.
Em muitas das vilas alentejanas é frequente encontramos laranjeiras a ornamentar as ruas.

NOTÍCIAS DO CIRCO



SARAMAGUEANDO


Na Cronobiografia de José Saramago, preparada por Fernando Gómez Aguilera, pode ler-se:

1970

Começa a viver com a escritora Isabel da Nóbrega, relação que durará até 1986.


No índice Onomástico da Correspondência trocada entre José Rodrigues Miguéis e José Saramago, há três entradas para Isabel da Nóbrega.

Em nenhuma delas o seu nome aparece, mas poderá concluir-se que se o pormenor é citado no Índice motivos existirão, e a isso não será alheio o desejo do autor que assim fosse.

Vejamos:

Desculpe esta secura. Esta carta, embora pequena, foi interrompida várias vezes por questões tão comezinhas que até fazem raiva.

(Carta datada de 31 de Julho de 1961)

Leu já a «crítica» que o Gaspar Simões fez ao seu livro (A Escola)? Tardou mas arrecadou, benza-o Deus! Por que bulas é aquele homem crítico literário, e influente, é que eu não entendo. Ou o homem é estúpido, ou não sabe ler. Ou será as duas coisas? Duma coisa estou eu certo: é da maldade dele. Porque se aquilo não é maldade, então só vejo outra saída: senilidade, que, como todos sabemos, às vezes refina na velhacaria.

(Carta datada de 4 de Novembro de 1961)

Uma carta minha, depois de todo este tempo de silêncio, deve causar-lhe uma impressão de revenant. Em certo sentido, essa impressão é justificada, poi tanta coisa se passou na minha vida, nestes últimos meses, que eu próprio chego a pensar se não terei morrido mesmo – e ressuscitado. Não estive doente, pelo menos no sentido usual da palavra, não tive médico à cabeceira nem termómetro ao canto da boca, mas estive prestes a destruir toda a minha futura, sabe-se lá de que maneira e com que consequências. Para abreviar: saí de casa, deixei a família, atrás de uma miragem em figura de mulher – que são sempre as piores miragens. Felizmente que o bom-senso e a descoberta de que a razão verdadeira da minha vida estava, afinal, naquilo que estaticamente deixara. Tudo se recompôs, é certo, mas depois de tanto sofrimento (sofrido e infligido) que ainda me espanta agora como estou são de espírito.
Com tal situação, que se arrastou durante meses, não prejudiquei apenas a minha vida particular e a dos meus. Os meus deveres na editora foram um pouco esquecidos, e devo à amizade e compreensão dos nossos amigos Canhão e Correia o não estar agora numa situação difícil.

(Carta datada de 19 de Setembro de 1962)

PORQUE HOJE É DOMINGO



Hoje, acordei assim.
A mesma canção, duas versões: 
Nada mais por Lisa Ono e Lately por Stevie Wonder
Bom domingo.


Sinto quando alguém te interessa
Mesmo quando finges que não vês
Se desapareces numa festa
Eu já sei

Não te quero ouvir falar do tempo
Se eu só pergunto onde vais
Mas se quiser saber se voltas logo
You don't know, nada mais

Vão dizer que são tolices
Que podemos ser felizes
Mas tudo que eu sei
Não dá pra disfarçar
Dessa vez doeu demais
Amanhã será jamais!

Onde a gente vai tem uns amigos
Que você precisa visitar
Se não sou feliz são só ciúmes
Nada mais


Mais de uma vez flagrei seus lábios
Na intenção do nome de outro alguém
Mas se quiser saber o que eles calam
Você diz: Tudo bem!

sábado, 27 de junho de 2015

POSTAIS SEM SELO


As pessoas, nos seus trabalhos, estão a ficar muito isoladas. Tudo o que veio de civilizacional acabou por não servir a atmosfera de companhia, de discussão e troca de ideias - pelo contrário, acentuou o isolamento.

Isabel da Nóbrega

Legenda: fotografia de Renate Siebenhaar

QUOTIDIANOS


Volto, hei-de voltar muitas vezes, à frase «Não se riam, mas até sou capaz de dançar sozinha».
Hoje, uma fabulosa cena de Al Pacino em Perfume de Mulher.

SARAMAGUEANDO


As paixões acontecem, não se explicam.

Jorge Amado no seu livro memorialista, Navegação de Cabotagem:

As reedições de meus livros saem iguais às primeiras, apenas as gralhas vão em constante aumento, Paloma, que os andou relendo para saber o que os personagens comem, me informa que os erros gráficos se contam aos milhares. Tampouco jamais buli nas dedicatórias, também elas datadas – mesmo em se tratando de pessoas a quem deixei de estimar nem assim lhes retirei o nome da oferenda mesmo se retirei o indivíduo do meu bem-querer. Refiro-me, é claro, às edições brasileiras, as traduções fogem ao meu controlo. Lá estão os nomes todos, um a um – quando escrevi o livro estimava os admirava fulano a quem o dediquei, se depois ele se revelou calhorda, o nome permanece na dedicatória datando a escrita e a ingenuidade do autor.

José Saramago não teve este entendimento.

Desde que conheceu Pilar, as novas edições dos livros, antes dedicados a Isabel da Nóbrega, passam a não ter essa indicação.

Num lamento, Isabel da Nóbrega disse que foi uma atitude que não era preciso tomar.

Segundo o jornalista Luís Leal Miranda (jornal I  de 26 de Junho de 2010), Saramago pronunciou-se por várias vezes sobre o assunto, garantindo que as dedicatórias fizeram sentido na altura em que essas edições foram publicadas. E essas edições, já esgotadas, permanecem em sintonia com as inclinações amorosas da altura.

Num outro registo, Saramago salientou que as dedicatórias permanecem nas edições correspondentes ao tempo em que os livros foram escritos.

A história é conhecida.


Depois de ler livros de José Saramago, principalmente O Ano da Morte de Ricardo Reis, a jornalista espanhola Maria del Pilar ficou como que encantada.

Senti que tinha de agradecer ao autor os livros que me tinha dado a ler. E sobretudo dizer que tinha tratado os seus leitores como seres inteligentes. Tinha-me sentido respeitada como leitora e quis agradecer-lhe.

Veio até Lisboa e conseguiu uma conversa com Saramago.

Tal como na sinfonia de Beethoven, ambos terão sentido o destino a bater-lhes à porta.

Sabe-se o que aconteceu.

Desde então, os livros de José Saramago deixaram de ser dedicados à Isabel para passarem a ser dedicados a Pilar.

Os dois primeiros livros de José Saramago, Terra do Pecado (1947), Os Poemas Possíveis (1966), não têm qualquer dedicatória.

Mas em Provàvelmente Alegria já se revela uma leve indicação do que serão as dedicatórias futuras:

«Para tão grande amor tão curta a vida.»
Cheguei tarde ao encontro deste verso,
Outro o escreveu por mim, mas dele tomo,
Como rosa colhida que te ofereço.

Em Deste Mundo e do Outro (1971), algo um pouco mais especifico:

Não se dirá aqui o nome. Mas da sua exaltação nasceu este poema, do seu rigor esta autobiografia, da sua verdade esta meditação e basta.

Mas é com o livro seguinte, A Bagagem do Viajante (1973) que o nome finalmente surge e que, por diversos livros, José Saramago manterá: 

Dir-se-á desta vez aqui o nome. Pelas mesmas razões da exaltação, do seu rigor e da sua verdade. E porque estes dias são mais exaltantes ainda, mais rigorosos e de uma verdade que já é unidade inultrapassável. Isabel.

Seguem-se:

As Opiniões que o DL Teve (1974):

Para a Isabel e para os meus amigos.

O Ano de 1993 (1975):

Para a Isabel. Este livro, o antes e o depois dele, todos os passos e todos os gestos, todas as palavras ditas e as que estão por dizer. Assim. Mesmo que o tempo não entenda já de coisas como esta.

Os Apontamentos (1976):

À Isabel, este livro e todos.
Aos trabalhadores do «Diário de Notícias» que foram o meu apoio e a primeira justificação de quanto escrevi.

Manual de Pintura e Caligrafia (1976):

Para a Isabel, tão inseparável deste livro como da minha vida.

Objecto Quase (1977):

Para a Isabel, porque me disse de que lado está a vida.

A Noite (1979)

À Luzia Maria Martins, que me achou capaz de escrever esta peça.

À Isabel



Levantado do Chão (1980):

À Isabel sempre.

A João Domingos Serra e João Besuga, e também a Mariana Amália Besuga, Elvira Besuga, Herculano António Redondo, António Joaquim Cabecinha, Maria João Mogarro, João Machado, Manuel Joaquim Pereira Abelha, Joaquim Augusto Badalinho, Silvestre António catarro, José Francisco Curraleira, Maria saraiva, António Vinagre, Bernardino barbas Pires, Ernesto Pinto Ângelo – sem eles não teria sido escrito este livro.
À memória de Germano Vidigal e José Adelino dos Santos, assassinados.

Que Farei Com Este Livro? (1980):

À Isabel cada vez mais.

Viagem a Portugal (1981)

A quem me abriu portas e mostrou caminhos, à companheira constante que tantas vezes disse. «Repara» - e também em lembrança de Almeida Garrett, mestre de viajantes.

Memorial do Convento (1982):

À Isabel, porque nada perde ou repete, porque tudo cria e renova.

O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984):

À Isabel, outro livro, o mesmo sinal.

A Jangada de Pedra (1986)

Sem dedicatória

A Segunda Vida de Francisco de Assis (1987):

Sem dedicatória.

A História do Cerco de Lisboa (1989) é o primeiro livro em que aparece Pilar:

A Pilar

A partir daqui todos os livros serão dedicados a Pilar.

Em As Pequenas Memórias (2006), pode ler-se:

A Pilar, que ainda não havia nascido e tanto tardou a chegar.

Todo o ser humano é falível.

Felizmente!

Em 1944, José Saramago casa com a pintora Ilda Reis.
Entre 1954 e 1964, Isabel da Nóbrega viveu com o crítico João Gaspar Simões, que nunca perdoou ter sido trocado por um obscuro jornalista e tradutor.

A relação com Saramago durará de 1970 a 1976.

Pelo próprio Saramago fica a saber-se que Isabel da Nóbrega lhe abriu portas e novos caminhos.

Completamente despropositado e idiota existir quem defenda que foi Isabel da Nóbrega quem ensinou José Saramago a escrever.

Antes de Isabel, Saramago já era escritor.


Nota do editor: não foi possível encontrar uma fotografi de José saramago com Isabel da Nóbrega.

Legenda:
a) José Saramago, a mulher Ilda Reis, a filha Violante.
b) Isabel da Nóbrega.
c) José Saramago e Pilar.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

POSTAIS SEM SELO


É verdade que as pessoas têm o país que merecem.

Popular

A ESCRITA COMO UMA PELE


Capa do JL dedicado a Hélia Correia pela atribuição do Prémio Camões.

Escrever é uma servidão que eu agradeço.

OLHAR AS CAPAS


Viver Com Os Outros

Isabel da Nóbrega
Capa: João da Câmara Leme
Colecção Contemporânea nº 75
Portugália Editora, Lisboa, Outubro de 1965

– Pronto. A bandejinha. Afasta o candeeiro.
– Lá fora, apagaste a luz, amor?
– Apaguei.
– E fechaste o gás, meu amor?
– Sim, fechei.
- Mas há uma porta que range… Tinha de ser…
– Eu vou fechá-la, amor, eu vou já ver. – Era a porta da varanda. Abri-a de par em par. A fresca noite entrou. É noite. É Junho, amor, e estamos vivos. E não estamos sozinhos. Oh, esta alegria de não estarmos sós.

ISABEL DA NÓBREGA


Isabel da Nóbrega, escritora e jornalista, faz hoje 90 anos.

O seu livro mais conhecido, Viver com os Outros, venceu o Prémio Camilo Castelo Branco, na altura a consagração maior do romance nacional.

A acção do romance, um possível retrato da geração de 50, acontece numa única noite de Junho, no decorrer de um jantar em casa de um casal da alta burguesia de Lisboa.

Alexandre Pinheiro Torres:

Pela transcrição da conversa, consegue Isabel da Nóbrega iluminar-nos maravilhosamente o mundo interior das personagens, o porquê e o como delas, os motivos que são o forro das suas opiniões, o recorte interno e externo da forma por que agem.

Trata-se de um livro de relevante e inegável interesse das nuances da conversação, por intermédio da qual se faz a análise de um meio, se estabelecem os seus valores dominantes e se revela com uma argúcia às vezes estonteante a psicologia de cada personagem.

Eduardo Prado Coelho:

A autora soube admiravelmente propor uma constelação de valores que se iluminam através dum diálogo: por entre a sua desordem e dispersão o diálogo consegue ir tecendo aquele sentido totalizador que é a pedra de toque de toda a obra de arte. Tão convincente e fascinante que o leitor é forçado a considerar natural e certa a espontaneidade atrevida de certas técnicas da obra. E isso nos faz observar que essa espontaneidade é simultaneamente um dos elementos da afinadíssima engrenagem do romance e um dos seus pontos de chegada.

No jantar que assinalou a atribuição do Prémio Camilo Castelo Branco, coube a Mário Dionísio fazer o discurso de saudação.

Li esse discurso num suplemento literário, salvo erro do Diário de Lisboa, andei à procura do recorte e não o encontrei, discurso que terminava com Mário Dionísio a citar as palavras finais de Viver Com os Outros:

Era a porta da varanda. Abri-a de para em par. A fresca noite entrou. É noite. É Junho, amor, e estamos vivos. E não estamos sozinhos. Oh, esta alegria de não estarmos sós.

Gostei do discurso de Mário Dionísio, a excelência do seu olhar crítico, poético e gostei das palavras que do livro ele transcreveu e que me levaram a adquiri-lo, já em 2ª edição, na Clássica Editora, uma livraria que existia ao lado do antigo Cinema Eden.

Podem comprar-se livros pela beleza das capas, pelos começos, por finais, pelo que quer que seja.

Um longo, e injusto silêncio caiu sobre  a obra de Isabel da Nóbrega.

No fundo o que eu gostava é que os escritores fossem tão conhecidos como os jogadores e treinadores de futebol, que tivessem mais audiência que os analfabetos.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

POSTAIS SEM SELO


Um lar é a base da cidadania.

Manuel da Fonseca

NAQUELA MESA DO FUNDO


Vem surgindo a madrugada.
Entro agora num dancing.

Numa guitarra que tange
Oiço a mágoa do meu sonho.

Há vestígios de batalha:
Nódoas de vinho,
E alguns pratos
Com restos de carne, -- e o cheiro
A tabaco e a febre e a flores
Paira
Na sala como um cansaço...

Triste,
Vou lembrando os meus amores.

Além,
Naquela mesa do fundo,
Naquela mesa redonda,
Um homem
Descasca uma tangerina
E vai beijando e mordendo
A mulher franzina e feia
Que ao pé dele fuma e sorri...

Vou lembrando os meus amores!

E até me lembro
Daqueles
Que partiram para sempre...

--Mas, não me lembro de ti.

António Botto em Canções

OLHARES


Roupa na janela, Calçada de São Vicente, Lisboa.

FICAR CONTENTE COM ESSA CIRCUNSTÂNCIA...


Tal como ficou prometido em AH!... AS ABÓBORAS!...

quarta-feira, 24 de junho de 2015

APANHADOS DO FACEBOOK


De Carlos José de Almeida.

A LISBOA DE GEDEÃO


A face sul do Terreiro do paço, voltada para o Tejo, é lugar de peregrinação do povo de Lisboa atraído pelo movimento das ondas. A toda a hora, de manhã, de tarde ou à noite, com a gola levantada ou em mangas de camisa, ali se encosta ao paredão a melancolia portuguesa.

Fotografias e legenda de António Gedeão em Memória de Lisboa.

POEMAS QUOTIDIANOS


Poemas quotidianos

como o sol
como a noite

como a vontade de comer
e o sono

como as preocupações
e o amor

e porque saio à rua
e trabalho
diariamente

António Reis em Poemas Quotidianos

terça-feira, 23 de junho de 2015

POSTAIS SEM SELO


Sabemos desde crianças da tristeza de ver mortas, em casa, as pedrinhas que explodiam de vida à beira-mar.

Mário Castrim

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

SÃO JOÃO BONITO



São João santo Bonito,
Bem bonito que ele é. Bem bonito que ele é
Com os seus caracóis de oiro,
E seu cordeirinho ao pé. E seu cordeirinho ao pé
Não há nenhum assim, pelo menos para mim
Nem mesmo São José.

Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.

Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.

São João vem ver as moças
Que bonitas que elas são, que bonitas que elas são.
São ainda mais bonitas
Na noite de São João, na noite de São João.
Não escapa um só rapaz, o que é que o santo lhes faz
Vai tudo no balão.

Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.

Santo António já se acabou
O São Pedro está-se acabar
São João, São João
Dá cá um balão para eu brincar.



APANHADOS DO FACEBOOK


De Os Reformados no Facebook.

NOTÍCIAS DO CIRCO


OLHAR AS CAPAS


Um Eremita em Paris

Italo Calvino
Tradução: José Colaço Barreiros
Capa: Fernando Mateus
Editorial Teorema, Lisboa, s/d

Agora devo ter mudado qualquer coisa, só escrevo bem num local que seja meu, com livros ao meu alcance, como se tivesse sempre necessi9dade de consultar não se sabe bem o quê. Talvez não seja pelos livros em si, mas por uma espécie de espaço interior que eles formam, quase como se me identificasse a mim próprio como uma minha biblioteca ideal.
No entanto, uma biblioteca minha nunca consigo tê-la junta: os livros tenho-os sempre uns para cada lado; quando preciso de consultar um livro em Paris é sempre um livro que eu tenho em Itália, quando em Itália tenho de consultar um livro é sempre um livro que tenho em Paris. Esta necessidade de consultar livros ao escrever é um hábito que ganhei digamos há uma dezena de anos; dantes não era bem assim: no que eu escrevia, tudo tinha de vir da memória, tudo fazia parte do vivido. Até qualquer referência cultural tinha de ser algo que eu trazia cá dentro, que fazia parte de mim mesmo, senão não entrava nas regras do jogo, não era material que eu pudesse pôr na folha. Em contrapartida agora é exactamente o contrário: até o mundo se tornou uma coisa que eu consulto de quando em quando, e entre esta estante e o mundo lá fora já não há aquele salto que parece existir.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

POSTAIS SEM SELO


Simplesmente desejar ser um optimista cheio de desespero e, ao mesmo tempo, um pessimista cheio de esperança. 

Autor desconhecido

OLHAR AS CAPAS


Navegação de Cabotagem
(Apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei)

Jorge Amado
Publicações Europa-América, Lisboa, Novembro de 1995

Romancista de putas e vagabundos, classifica-me com menosprezo um graúdo da crítica literária. A classificação ma agrada, passo a repeti-la para definir minha criação romanesca.
Gosto da palavra puta, simples, límpida, tenho horror aos termos prostituta, marafona, pejorativos e discriminatórios. Em três palácios de governo relembrei que sou apenas um romancista de putas e de vagabundos, colocando o acento na palavra puta com júbilo.

DE FAZER CHORAR


 O Papa Francisco considera que os migrantes merecem outro tipo de tratamento do que aquele que estão a receber neste momento, condenando ainda as manifestações de rejeição destas pessoas.

O espetáculo dos últimos dias desses seres humanos tratados como mercadorias faz chorar.
Se a imigração aumenta a concorrência, os migrantes não podem ser tidos como responsáveis, uma vez que são vítimas de injustiça, de uma economia de rejeição e de guerras.

DITOS & REDITOS



Faca afia faca.

Envelhecer é perder o futuro.

Quem cabritos vende e cabras não tem de algum lado lhe vêm.

Todas as grandes verdades fizeram as suas vítimas.

Fia-te na Virgem e não corras, vais ver o tombo que levas…

Viver sem a sensação de sofrer é andar oco.

 O mundo está dividido entre os que cagam bem e os que cagam mal.

A amizade é confortável como uma almofada de penas.

domingo, 21 de junho de 2015

POSTAIS SEM SELO


­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­ Sob o signo da esperança, a própria dor se torna um Mito.

José Rodrigues Miguéis em Um Homem Sorri A Morte – Com Meia Cara

Legenda: fotografia de Linda Tanner

ADEUS POR UM CASACO



É tempo de dizer, agora que o Verão chegou e está um calor de ananases, que o meu velho casaco de lã, fez o seu último Inverno.
Pela Primavera agora finda, ainda o vesti porque o sol andou por ela dentro com uns farrapos meio parvos e à noite apetecia uma lãzinha.
Comprei-o na primeira Festa do Avante realizada, em 1990, na Quinta da Atalaia, no pavilhão de Vila do Conde e sempre me cheirou a mar.
Quando senti que andava a dar as últimas, tentei, por diversas vezes, encontrar um outro semelhante, mas nunca consegui.
Olhava-os mas sentia logo que não correspondiam à imagem e cheiro do meu velho casaco.
Nos últimos invernos, a Clementina, minha sogra, foi-o gatando com uns pedaços de lã e linha, disfarçava, mas não vai dar mais.
A minha neta Maria, já no passado ano, dissera que o avô anda tão mal vestido.
Tentei explicar-lhe que me sentia maravilhosamente bem dentro daquele casaco mas ela mandou-me um tá bem abelha!
O próximo Inverno já não me encontrará com ele vestido.
Não sou de lágrima fácil, mas senti necessidade de lhe deixar, como profundo agradecimento, um adeus e acrescentar-lhe esta velha canção da Dolly Parton.
Também a esperança que um dia encontre um substituto à altura do seu conforto.
Pelo andar da carruagem, débil esperança…
Ou por outra: resta-me a desesperança de não mais entrar num casaco assim.

NOTÍCIAS DO CIRCO



QUOTIDIANOS


Quando perguntaram a Tchekov de que tratavam as suas peças, respondeu que as pessoas comem, bebem e dizem palermices… chegam de longe, chegam de perto, falam do tempo, jogam às cartas.

Legenda: Os jogadores, pintura de Caravaggio

PORQUE HOJE É DOMINGO


Hoje começou o Verão.
Mas já há alguns dias que enfrentamos um calor sufocante.
Hoje é o dia mais longo do ano. Depois, lentamente, muito lentamente os dias começarão a diminuir.
É o meu velho escape. Voltas que dê, à procura de canções de Verão, enclaho sempre na mesma: o Cliff, os Shadows, as férias de Verão.
Mas acabo bem.
Bom domingo, bom Verão.

sábado, 20 de junho de 2015

POSTAIS SEM SELO


Nunca ter tentado. Nunca ter falhado. Não importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor.

Samuel Beckett

OS IDOS DE JUNHO DE 1975


20 de Junho de 1975

JÁ PASSARAM uns dias, foi a 15, que Otelo Saraiva de Carvalho, citado por O Primeiro de Janeiro, explosivamente afirmou. oxalá que, realmente, não tenhamos que um dia encher a arena do Campo Pequeno com muitos contra-revolucionários, antes que os contra-revoluciojnários nos metam a nós no Campo Pequeno.
Em entrevista à Rádio Renascença, já dissera: eu, às vezes, chego a apensar que a nossa inexperiência revolucionária, enfim, teria sido melhor se, em 25 de Abril de 1974 encostássemos à parede ou mandássemos para o Campo Pequeno umas centenas ou uns milhares de contra-revolucionários, eliminando-os à nascença. Tenho a impressão de que neste momento a contra-revolução já não existia, pelo menos, por medo. Nós sfazer uma revolução humanista, uma revolução de cravos, uma revolução muito bonita, e estamos agora com um esforço tremendo para a conseguir levar a cabo,


O REPÚBLICA É REABERTO. A admistracção, o director e os redactores pró-Raul Rego, não chegam acordo com os restantes trabalhadores, no tocante à publicação do jornal, e abandonam as instalações.
O «Caso República” está num beco sem saída e pode levar a uma crise muito grave, disse Mário à rádio francesa Europe 1.

Os jornalistas distribuem um comunicado:


PRÓ E CONTRA manifestantes, por causa do caso Rádio Renascença, envolveram-se em confrontos frente ao Patriarcado.
Viveram-se momentos de forte tensão e houve a necessidade da intervenção das Forças Armadas.
Sottomayor Cardia, em nome do Partido Socialista, solidarizou-se com a Igreja Católica e o seu direito de utilizar os meios de comunicação social. A demagogia irresponsável e anticlerical movida a respeito do caso Renascença apenas pode favorecer a contra-revolução e o fascismo.
Por seu lado, também em comunicado, o Partido Comunista diz que a luta que os trabalhadores da Rádio Renascença têm conduzido por algumas justas reivindicações profissionais não têm encontrado por parte da hierarquia da Igreja qualquer perspectiva de solução - é uma luta que se tem prolongado e ultimamente agudizado.
As reivindicações profissionais defendidas não devem ser confundidas com qualquer questão religiosa mas existem forças que se mostram interessadas em criar e alimentar tal confusão.


O EPISCOPADO português, tão silencioso e conivente com a ditadura, em nota pastoral, intromete-se, negativamente, na situação política.
Do Apontamento de José Saramago no Diário de Notícias:
Se os bispos portugueses, defendessem a Revolução, portugueses seriam, mas não bispos. Teriam inventado, se tal milagre se desse, uma nova maneira de ser bispo, mais preocupada com a liquidação das misérias do mundo em geral e dos povos (deste povo) em particular, do que com a defesa já mal disfarçada de um fixismo social e económico que certas encíclicas pareceram combater e, afinal, reforçou na prática.

MIGUEL TORGA no seu Diário:
Estranha revolução esta, que desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou. A mais imunda vasa humana a vir à tona, as invejas mais sórdidas vingadas, o lugar imerecido e cobiçado tomado de assalto, a retórica balofa a fazer de inteligência. Mas teimo em crer que apesar de tudo valeu a pena assistir ao descalabro. Pelo menos não morro iludido, como os que partiram nas vésperas do terramoto. Cuidavam que combatiam pelo futuro e, na verdade, assim acontecia, mas apenas na medida em que o sonhavam como se ele tivesse de ser coerente com a dignidade do seu passado de lutadores. O trágico é que um futuro sonhado não passa de uma ficção. O tempo é o lugar do inédito. O futuro autêntico é sempre misteriosos e autónomo das premissas de que partiu. Quando chega, traz os seus valores, as suas leis, a sua gente, nem boa nem má. Traz os títeres que lhe convêm. Ou pior: os títeres a quem a hora convém.


Fontes:
- Acervo pessoal;
Os Dias Loucos do PREC de Adelino Gomes e José Pedro Castanheira.
- Diário de Miguel Torga
-Os Apontamentos de José Saramago

Legenda: confrontos em frente do Patriarcado. Fotografia tirada de - Os Dias Loucos do PREC.

UMA CAMBADA DE ALDRABÕES!


Muito bom otexto de José Pacheco Pereira no Público.
De Pacheco Pereira muita coisa se pode dizer, mas gago é que ele não é e, como tal, chama os bois pelos nomes.
Um texto como este, abafa por completo as pseudo sondagens que andam por aí a impingir que mais não são do que balelas para entreter o pagode que, hélas! – corre, sempre, atrás do foguetório.

Será que não percebem o que se está a passar? Enquantoninguém disser na cara do senhor Primeiro-ministro ou do homem “irrevogável”dos sete chapéus, ou das outras personagens menores, esta tão simples coisa: “osenhor está a mentir”, e aguentar-se à bronca, a oposição não vai a ladonenhum. Por uma razão muito simples, é que ele está mesmo a mentir e quem nãose sente não é filho de boa gente. Mas para isso é preciso mandar pela bordafora os consultores de imagem e de marketing, os assessores, os conselheiros, acorte pomposa dos fiéis e deixar entrar uma lufada de ar fresco de indignação.