Um Eremita em
Paris
Italo Calvino
Tradução: José
Colaço Barreiros
Capa: Fernando Mateus
Editorial
Teorema, Lisboa, s/d
Agora devo ter mudado qualquer coisa, só escrevo bem
num local que seja meu, com livros ao meu alcance, como se tivesse sempre
necessi9dade de consultar não se sabe bem o quê. Talvez não seja pelos livros
em si, mas por uma espécie de espaço interior que eles formam, quase como se me
identificasse a mim próprio como uma minha biblioteca ideal.
No entanto, uma biblioteca minha nunca consigo tê-la
junta: os livros tenho-os sempre uns para cada lado; quando preciso de
consultar um livro em Paris é sempre um livro que eu tenho em Itália, quando em
Itália tenho de consultar um livro é sempre um livro que tenho em Paris. Esta
necessidade de consultar livros ao escrever é um hábito que ganhei digamos há
uma dezena de anos; dantes não era bem assim: no que eu escrevia, tudo tinha de
vir da memória, tudo fazia parte do vivido. Até qualquer referência cultural
tinha de ser algo que eu trazia cá dentro, que fazia parte de mim mesmo, senão
não entrava nas regras do jogo, não era material que eu pudesse pôr na folha.
Em contrapartida agora é exactamente o contrário: até o mundo se tornou uma
coisa que eu consulto de quando em quando, e entre esta estante e o mundo lá
fora já não há aquele salto que parece existir.
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