Na Cronobiografia
de José Saramago, preparada por Fernando Gómez Aguilera, pode ler-se:
1970
Começa a viver com a escritora Isabel da Nóbrega,
relação que durará até 1986.
No índice
Onomástico da Correspondência trocada entre José Rodrigues Miguéis e
José Saramago, há três entradas para Isabel da Nóbrega.
Em nenhuma delas
o seu nome aparece, mas poderá concluir-se que se o pormenor é citado no Índice
motivos existirão, e a isso não será alheio o desejo do autor que assim fosse.
Vejamos:
Desculpe esta secura. Esta carta, embora pequena, foi
interrompida várias vezes por questões tão comezinhas que até fazem raiva.
(Carta datada de
31 de Julho de 1961)
Leu já a «crítica» que o Gaspar Simões fez ao seu
livro (A Escola)? Tardou mas arrecadou, benza-o Deus! Por que bulas é aquele
homem crítico literário, e influente, é que eu não entendo. Ou o homem é
estúpido, ou não sabe ler. Ou será as duas coisas? Duma coisa estou eu certo: é
da maldade dele. Porque se aquilo não é maldade, então só vejo outra saída:
senilidade, que, como todos sabemos, às vezes refina na velhacaria.
(Carta datada de
4 de Novembro de 1961)
Uma carta minha, depois de todo este tempo de
silêncio, deve causar-lhe uma impressão de revenant. Em certo sentido, essa impressão é justificada, poi tanta
coisa se passou na minha vida, nestes últimos meses, que eu próprio chego a pensar
se não terei morrido mesmo – e ressuscitado. Não estive doente, pelo menos no
sentido usual da palavra, não tive médico à cabeceira nem termómetro ao canto
da boca, mas estive prestes a destruir toda a minha futura, sabe-se lá de que
maneira e com que consequências. Para abreviar: saí de casa, deixei a família,
atrás de uma miragem em figura de mulher – que são sempre as piores miragens.
Felizmente que o bom-senso e a descoberta de que a razão verdadeira da minha
vida estava, afinal, naquilo que estaticamente deixara. Tudo se recompôs, é
certo, mas depois de tanto sofrimento (sofrido e infligido) que ainda me
espanta agora como estou são de espírito.
Com tal situação, que se arrastou durante meses, não
prejudiquei apenas a minha vida particular e a dos meus. Os meus deveres na
editora foram um pouco esquecidos, e devo à amizade e compreensão dos nossos
amigos Canhão e Correia o não estar agora numa situação difícil.
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