Algumas mortes também são as nossas muitas
mortes e nos últimos tempos não têm deixado de invadir os dias.
Olho o jornal que anuncia a morte de um amigo e é tão estranho que entre a avalancha de saberes úteis e inúteis que acumulamos
uma vida inteira não esteja sabermos o que dizer.
Voltei-me para a rapariga que, a meu lado no bar, bebia o café com a
boca húmida de riso e perguntei-lhe:
- Sabe quem eu sou?
- Perfeitamente… É o…
Interrompia-a, para a deslumbrar:
- Não. Não. Engana-se.
Sou o homem da Morte, incompleta. Ou melhor da Vida Incompletíssima…
Mas venha dançar. Está-me a apetecer atirar com a minha solidão à cara desta
gente!
- Que bom! Estou vivo!
– pensava eu com 20 anos, agarrado a uma camponesa, no bailarico da Filarmónica
Harmonia Fraterna 5 de Outubro de 1910.
Será um desfilar de histórias, de opiniões,
de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que
irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que
aconteceram.
Neste dia 18 de Março, os jornais dedicavam-se a colocar nas suas
primeiras que a tranquilidade era geral em todo o país.
O pasquim «Época», realçava que o Mercado das Caldas da Raínha, num
domingo igual aos outros, registara «o movimento normal de forasteiros que
habitualmente ali se deslocam para abastecimento, sobretudo de fruta, uma das
melhores do País. E não só. Também nas pastelarias, onde se fabricam as
apetitosas «cavacas», não decresceu o movimento dos apreciadores.»
Num qualquer dia de Março é atribuída a Marcelo Caetano a seguinte frase: «Cuidado
com os capitães. O perigo vem deles, pois não têm ainda idade suficiente para
poderem ser comprados.»
Diga-se ainda que a insurreição do Regimento de Infantaria 5 das Caldas
da Raínha teve a ordem de avançar de António de Spínola porque sabia que o MFA
estava num quase de tempo de não voltar atrás, e tentou um golpe antecipativo.
Sabendo-se isto, e algo mais, há, pois, quem se espante de Spínola ter sido
chamado, após o 25 de Abril, para a presidência da República.
Percorrendo o livro de Diniz de Almeida «Origens e Evolução do
Movimento de Capitães», pode ler-se na página 297:
«Mesmo nas
proximidades do 25 de Abril, a falta de politização da esmagadora maioria dos
oficiais do Quadro Permanente era aterradora.»
Mais à frente:
«A derrota do 16 de
Março desanimou numerosos sectores do Movimento. Em certos sectores, o pânico
degenerou mesmo em debandada. Muitos, porém, não cederam perante o fracasso e
retomaram rapidamente a iniciativa. Daí em diante seria uma corrida contra o
tempo. A pesada máquina jurídica movia-se contra nós e atingir-nos-ia em breve.»
Entretanto a «Época», pela pena do seu director-fascista Barradas de
Oliveira, interrogava-se em editorial:
«QUEM SÃO ELES»!
Quem alimenta as
forças terroristas que actuam contra nós em Àfrica? Quem sustenta os focos da
agitação interna?»
Não sei se Maria Velho da Costa chegou a viver no Bairro Azul com vista
para El Corte Inglés. No Irmão do Meio encontro alguns sinais.
«Despacho a despachar
para ir para o Bairro Azul».
«A M. lê no Expresso o
que vale a pena e fala de pintura como quem fala de compras para a semana. Vai
aos leilões de arte como quem vai ao Corte inglês lanchar no último piso».
Estamos na entrada da página 233 do dia 14 de Janeiro de 1998.Pilar tinha dito a Saramago que, se tivesse
tempo, passasse pelo El Corte Inglés e comprasse calcetinos que
estava precisado:
«Estava pois a
escolher as meias (o que os espanhóis chamam calcetinos está mais próximo do que nós chamamos peúgas, e peúga,
como qualquer português sabe, não é meia), quando ouço perguntar: «Es usted
José Saramago?» Virei a cabeça (há que explicar que nesse momento me encontrava
de cócoras a examinar as prateleiras mais baixas) e vejo um homem de meia-idade
que me olhava com ar de dúvida, Retomei a posição vertical e respondi: «Sim,
sou eu próprio…» «Era o que me parecia», disse ele, «mas como o vi aqui sozinho…»
Acrescentou umas palavras simpáticas de felicitação, que agradeci, e
afastou-se. Já não duvidoso, mas, pela expressão da cara, ainda perplexo.
Evidentemente, a sua estranheza não provinha de me ver a escolher meias no El
Corte Inglés: um homem, por mais incompetente que seja nestes assuntos, não
precisa de estar sempre acompanhado quando faz compras. O que simplesmente tinha
desconcertado o meu interlocutor era que um Prémio Nobel da Literatura
estivesse a comprar meias como qualquer mortal, sem, ao menos a assistência de
dois secretários e a protecção de quatro guarda-costas. Ainda por cima numa
postura tão pouco digna…»
Será um desfilar de histórias, de opiniões,
de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que
irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que
aconteceram.
A toda a largura, e no topo da sua 1ª página, o ultra-fascista jornal Época
de 17 de Março de 1974, colocava em letras garrafais:
PÁGINA TRISTRE
UM GRUPO DE INSUBORDINADOS FEZ DESLOCAR UMA PEQUENA COLUNA MILITAR EM DIRECÇÃO
A LISBOA APROVEITAND O UM AMBIENTE DE
BOATOS FABRICADOS INSIDIOSAMENTE NO PAÍS E NO ESTRNGEIRO OS REBELDES
RETROCEDERAM E FORAM PRESOS
Na mesma 1ª página fazia publicar este libelo em defesa da pátria:
Os jornais deste dia davam conta da rebelião abortada, e em caixa,
reproduziam a nota da Direcção-Geral de Informação.
«Reina a ordem em todo o País»
Assim terminava a lacónica nota, em que o governo de Marcelo Caetano
revelava que já tinha conhecimento de que se preparava um movimento de
características e finalidades mal definidas mas fácil foi verificar que as
tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras unidades não
tinham tido êxito.
O governo dizia ao País que conseguira colocar um ponto final nas movimentações
militares.
E parecia acreditar nessa ilusão.
Quem não acreditava era o incorrigível Mário-Henrique Leiria que, numa
carta que há-de ser datada (22 de Março de 1974) desde Carcavelos para a sua«Querida
Beluska» estar perante uma palhaçada, porque na farda não se pode acreditar nem
no boné. Preocupante para o Mário era o drisco de ser deepjada da casa onde
vivia com a mão e a tia, o cão Vodka e onde meter 7.000 livros, toneldasa de
mobília idiota.
Recebi ontem o teu pacote medicinal. Agradeço como se
seve. Chegou mesmo na hora, tu estás sempre atenta às coisas. É espantoso! Um
beijão, se quiseres aceitar. Pode ser?
Por aqui, houve o que sabes e até muito mais. No fundo,
mais uma palhaçada, que na farda não se pode acreditar nem no boné. Contarei,
se valer a pena, quando cá vieres. Aqui não. Os meus papéis estão vigiados, tal
como o telefone, mas isso não tem importância nenhuma, até porque eles sabem
que eu sei que eles sabem…
Cá por casa há problema, mas não fiques preocupada, por
favor. É assim:
Tivemos a notícia, no domingo, que o prédio foi vendido e
vai ser demolido para dar lugar a mais uma pequena colmeia de obcecados… Muito
bem. O diabo é que eu tenho duas velhas, 17 divisões, um cão, 7000 livros,
toneladas de mobília idiota, sei lá…! E além disso, pago só 550$00!!! Oh pasmo!
Mas é verdade. Nem de outra maneira podia ser, pois a média geral aqui de casa
não chega a 3000$00 por mês.
Aí está. A gaita é que vou para a rua e, neste magnífico
país ultra-inflacionário, um cochicho onde não cabe nada com o máximo de quatro
assoalhadas (como se chama aqui) vai logo para entre 4000$00 e 5000$00 e já não
é mau…
Um bode dos grandes…
Vou ter de aguentar. Não sei como, mas vou. E o diabo é
que isto está a deitar as velhas abaixo… e eu sempre a fingir que tudo há-de ir
pelo melhor.
Sabes, querida, o cansaço tem o seu limite. Tem mesmo.
Esta reprodução do Diário Popular de
17 de Março mostrava que a população das Caldas da Raínha, naquele domingo, fez a
sua vida normal indo comprar, ao Mercado, na praça central da cidade como
habitualmente, frutas, legumese flores.
Para ser grande, sê
inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Patti Smith volta a Portugal: estará a
partir de 23 de Março no CCB em Lisboa e
dia 24 em Braga. No Ipsilon, de sexta-feira, uma interessante entrevista
de Gonçalo Frota:
“Sou feliz a escrever na minha sala porque reflecte a
minha vida”, conta. “Estou rodeada dos meus livros preferidos, dos talismãs de
que gosto mais e de algumas fotografias maravilhosas. Mas escrevo sobretudo em
cafés. Gosto de sair do meu espaço doméstico e de ir escrever para um café,
desde que esteja razoavelmente silencioso. Costumo chegar pelas 8h, antes de
toda a gente – e quando as pessoas começam a vir, por volta das 10h, vou embora
e termino o trabalho em casa.”
«No Distrito de
Santarém, moro numa pequena aldeia onde há pessoas que vivem do Rendimento
Social de Inserção, um subsídio que o Chega já disse várias vezes querer diminuir
drasticamente e, talvez mesmo, acabar com ele. Pois há pessoas nessas condições
que declararam ir votar no Chega, num aparente suicídio financeiro através da
urna eleitoral.»
2.
«O Chega não se
combate com medidas administrativas, mas com a capacidade de identificar o que
ele significa social e politicamente. Contudo, ser capaz de ir à raiz dos
fenómenos de que o Chega é um grave sintoma (como a febre o pode ser de uma
pneumonia), implicaria uma postura que não abunda nos principais atores
políticos nacionais: olhar-se bem ao espelho, e não fechar os olhos perante o
que se vê, colocaria em causa as premissas em que a governação em Portugal tem
assentado desde há décadas.»
Viriato Soromenho-Marques
3.
Há um naipe de autores que li ao longo da vida e que abandonei por
repetição, por qualquer outra coisa que
agora não lembro.
Miguel Esteve Cardoso foi um desses autores. Livros não mais mas as
crónicas ainda as leio no Público, assim a modos de António Lobo
Antunes. Também livros não mais, lia com gosto as suas crónicas nos jornais mas
ele desistiu de as publicar, também deixou um série delas por publicar em
livro. Lamento muito.
A seguir às eleições numa crónicaMiguel Esteves Cardoso, disse:
«Todos os votos do Chega são votos contra os outros
partidos….Os partidos do contra só sabem ser do contra. Não servem para mais
nada”».
4.
Num ano em que o cenário macroeconómico continuou a fazer-se de
incertezas e desafios, os seis maiores bancos a operar em Portugal conseguiram
manter-se resilientes e alcançar resultados históricos. Impulsionados pelas
altas taxas de juro, o BPI, Caixa Geral de Depósitos (CGD), Millennium BCP,
Montepio, Novo Banco e Santander reportaram, em conjunto, lucros de 4,33 mil
milhões de euros em 2023, o que representa uma melhoria de quase 69%(1,76 mil
milhões) face aos 2,57 mil milhões de euros registados no ano anterior. Contas
feitas, foram 11,88 milhões de euros por dia.
5.
Helder Macedo há muito, por vontade própria, a viver em Londres.
«Ainda não aconteceu o 25 de Abril que nós
desejamos
Facto histórico: houve a revolução. Maravilha. Criámos estruturas democráticas,
com óptimos resultados, em termos de educação, condições de vida, etc.. Mas não
fizemos o suficiente. Não podemos tornar o 25 de Abril uma coisa imutável. Para
merecer que o celebremos, tem de ter continuidade, que tem tido nalguns
aspectos, mas não noutros. Nós continuamos a ser dependentes de economias
estrangeiras. Não criámos riqueza dentro do país. Alargámos a educação e a
formação universitária, mas com o resultado de que os emigrantes são agora
médicos e outros profissionais, e não camponeses. Há problemas estruturais que
têm de ser resolvidos no contexto da democracia. Não podemos cair numa espécie
de neo-saudosismo – ai que bom, ai que bom, os cravos – e ficar sentadinhos.
Não. Os cravos estiolam. E não tornemos a celebração, legítima e necessária, do
25 de Abril num “Já fizemos tudo!” Não. É trabalho por fazer. Ainda não
aconteceu o 25 de Abril que nós desejamos. Isso exige muito trabalho. O perigo
das celebrações e de nostalgias é transformar a data em cemitérios dourados. Eu não quero que matem o 25 de Abril e,
portanto, é uma obra ainda por fazer.»
Num tempo em que a
fotografia estava ainda na infância como veículo de expressão e comunicação, um
português apropriou-se da sua técnica e deu-lhe uma finalidade: documentar uma
época, retratar um país, testemunhar a história.
Será um desfilar de histórias, de opiniões,
de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que
irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que
aconteceram.
No dia 14 de Março de 1974 aconteceu a vassalagem das chefias militares
a Marcelo Caetano, que ficou para a História, designada como a «Brigada do
Reumático».
No Salão Nobre da Assembleia Nacional, numerosos oficiais dos três
ramos das Forças Armadas, reuniram-se para afirmarem ao Chefe do Governo, prof.
Marcelo Caetano, o seu apoio à acção de defesa do ultramar e, simultaneamente o
seu espírito de unidade, lealdade e solidariedade.
Em nome de todos os militares falou o Chefe do Estado-Maior do Exército,
General Paiva Brandão:
«Estamos unidos e
firmes e cumpriremos o nosso dever sempre e onde quer que o exija o interesse
nacional.»
Marcelo Caetano agradeceu proferindo um discurso designado como «A Todo o
Desafio Temos de Dar Resposta.» que termina assim:
«Milícia é sacrifício. E mesmo, num mundo onde o egoísmo desenfreado e o
amor das facilidades e dos prazeres parece reinarem, ai de nós se desaparecerem
as instituições onde o desinteresse, o serviço da colectividade, a dádiva de si
próprio persistam como grandes virtudes morais exemplares.
O País está seguro de que conta com as suas Forças Armadas. E em todos os
escalões destas não poderá restar dúvidas acerca da atitude dos seus comandos.
Pois vamos então continuar, cada um na sua esfera, dentro de um pensamento
comum, a trabalhar a bem da Nação.»
No dia seguinte, por não terem alinhado com a «Brigada do Reumático»,
os Generais Costa Gomes e Spínola, são exonerados dos cargos de chefe e
vice-chefe das Forças Armadas. O General Luz Cunha é nomeado para chefe das
Forças Armadas.
Mas a 16 de Março, uma companhia
de 200 militares, metade são oficiais e sargentos, outra metade são praças, sai
do Regimento de Infantaria nº 5 em direcção a Lisboa, sob o comando do capitão
Marques Ramos e do tenente Silva Carvalho, com a missão de ocupar o aeroporto
da Portela. Informada de que falhou a adesão de outras unidades, regressa ao
quartel que posteriormente é cercado por forças leais ao regime e rendem-se ao
brigadeiro Pedro Serrano.
Só no dia seguinte,
a censura, com os habituais «CORTADO» e «APROVADO COM CORTES», permitirá que os jornais se refiram ao acontecimento.
Passados 50 anos
sobre aquele sábado, ainda não é possível reunir elementos que permitam, com
clareza, determinar o que foi este acontecimento da nossa recente História.
Há quem defenda que
terá sido um golpe que serviu de ensaio ao 25 de Abril.
Vasco Lourenço, em
Março de 1994, esclarecia:
«Se o 16 de Março tem vingado, não havia Programa do MFA.»
Oficiais sublevados,
não identificados, em declarações ao Correio da Manhã de 4 de
Abril de 1979:
«Se o golpe de 16 de Março de 1974 não tivesse fracassado,
a situação portuguesa seria hoje muito menos sombria. Se a sua marcha sobre
Lisboa tivesse sido coroada de êxito, o Poder central diferia substancialmente
da que foi consignada pelo 25 de Abril. A descolonização dos territórios
africanos teria sido inspirada por directizes muito diversas. Não teríamos
traído as expectativas das colónias nem permitido os acontecimentos sangrentos
que vieram a verificar-se e ainda se verificam.»
Como homem de bom
senso, Russell tem desenvolvido fértil actividade sócio-política e ética. Se o
bom-senso, quando aplicado na filosofia, se revela ferramenta insuficiente, já
no campo prático da vida, da acção social e da política, é o género de
pensamento mais adequado. O bom-seno recusou, ao longo da História, as
intuições mais arrojadas e felizes; mas foi ele próprio que se opôs à fatuidade
do senso-comum e às manifestações periódicas de loucura individual e colectiva.
Neste sentido a importância de Russell é enorme. Como intelectual actuante, ele
tem interpretado ao sentir prático e as esperanças de todos os camaradas que
vivem em constante temor pela orientação da política, da diplomacia e da acção
governativa.
Será um desfilar de histórias, de opiniões,
de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que
irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que
aconteceram.
Somos, ou fomos, o país dos três efes?
Futebol, fado e fé.
Os três pilares com que Salazar construiu o Estado Novo.
Ainda hoje, quando se pretende referir que os portugueses pouco ou nada
se interessam por assuntos da sociedade em que vivem, assuntos do mundo, os
três efes vêm à baila.
A viagem de hoje passa pelo fado e quando de fado se fala, sobe à mesa do nome de Amália Rodrigues.
Para mim, o nome de Amália torna-se referência pela descoberta que dela
fez o músico Alain Oulman.
O álbum Com que Voz marca essa diferença, quase genial.
Essa mesma voz, os poetas que canta, a música de Oulman.
O álbum «Busto» marca o início da colaboração com Alain Oulman.
Chama-se assim pela estatueta de Amália na capa, da autoria de Joaquim Valente,
fotografia de Nuno Calvet.
No disco há um poema de David Mourão-Ferreira Abandono, também
conhecido como Fado de Peniche,inspirado na fuga de Álvaro, juntamente com outros
camaradas , do Forte de Peniche:
Por teu livre
pensamento
Foram-te longe encerrar
Por teu livre pensamento
Foram-te longe encerrar
Tão longe que o meu
lamento
Não te consegue alcançar
E apenas ouves o vento
E apenas ouves o mar
Levaram-te a meio da
noite
A treva tudo cobria
Levaram-te a meio da noite
A treva tudo cobria
Foi de noite numa
noite
De todas a mais sombria
Foi de noite, foi de noite
E nunca mais se fez dia
Ai! Dessa noite o veneno
Persiste em me envenenar
Ai! Dessa noite o veneno
Persiste em me envenenar
Oiço apenas o silêncio
Que ficou em teu lugar
Ao menos ouves o vento
Ao menos ouves o mar
Ao menos ouves o vento
Ao menos ouves o mar
Amália Rodrigues é uma voz única, uma personagem deveras interessante.
«Li sobre o Fado, as
origens, as consequências, a aceitação de um povo de índole vencida. Li uma
data de coisas: já há muitos anos e, agora, uns bocados. As classes sociais
intelectuais do nosso país atiraram sempre com o Fado para trás, nunca o
quiseram. Era um estigma de um povo, era uma forma de recuo, uma forma negativa
de cultura de um povo. A partir de certa altura, esses mesmos, pertencentes a
essa classe, foram ter consigo e acharam que você representava essa tal forma
negativa. Em resumo, vou-lhe dizer as coisas de um modo surreal: nem mil
Secretariados de Propaganda, a trabalharem durante mil anos, arranjavam um
produto que lhes foi parar às mãos, que é você».
Durante a sua vida deram-na como salazarista, mas poucos sabiam que
ajudava, não só monetariamente, os perseguidos e presos políticos.
Quando Salazar, em coma, no Hospital da Cruz Vermelha, aguardava o
tempo de morrer, Amália Rodrigues enviou-lhe um cesto de rosas e umas quadras:
Ponha-se bem depressa
Meu querido presidente
Depressa, que essa
cabeça
Não merece estar
doente.
Não sei de
regulamentos
E se isto é má criação
Perdoe o procedimento
E aceite a intenção.
A censura proibiu, fosse onde fosse, a publicação destas quadras,
Em Junho de 1972,
numa entrevista a Guilherme de Melo, publicada no «Notícias de Lourenço
Marques», Amália disse:
«Já tenho uma idade e já cheguei a uma altura da minha
vida como mulher e da minha carreira como artista em que não precisos de me
agarrar às «direitas» para subir ou às «esquerdas» para me evidenciar.»
Mário Sacramento no seu Diário, entrada datad de 6 de Junho de 1968 que surge a propósito
de um Congresso de Radiologia, realizado na Aula Magna da Reitoria de Lisboa:
«Às tantas, mas no salão, cantou a Amália. Se bem que
deteste o fado, emocionou-me. Tem nervo, tem arte – é da raça dos eleitos.
Transforma em oiro o metal mais vil. Toda de negro, como manda a praxe, mas com
um cinturão de oiro, a maior beleza do seu rosto está na tensão que imprime à
jugular, quando canta. Nenhum outro excesso. A boca é duma sensualidade incrível
– toda a boca e não o lábio inferior apenas. Alguns dentes mais escuros ou
deteriorados sublinham a sua verdade. Gaforina de leoa. Simplicidade sem
embustes. E muito, muito carvão nos olhos, ora extinto, ora em labaredas.».
Jorge Calado:
«Se é verdade que comecei por achar o fado harmoniosamente
pobre, a minha admiração por Amália nunca deixou de crescer. Aliás, dizia-se
que o que ela cantava não era fado… Com coração independente, violava as regras
todas e seguia em frente.»
Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles
que não se levantarão...
Tu és folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...
A televisão tem sido altamente
responsável pelo quase nulo desenvolvimento do país, porque jornais já quase
ninguém os compra, ou lê.
Os resultados das eleições de domingo são o espelho do desinteresse
cultural da população, do sentido de voto que o escrutínio veio a ter.
Um povo despropositado, falhado, mau, javardo, repugnante, inculto,
analfabeto.
O resto está tudo nos livros. Que uns, pouquíssimos, lêem e outros,
telemóvel nas mãos, desconhecem ou não frequentam.
Nos últimos oito
anos, registou-se "um maior predomínio de número de comentadores com
posicionamento político à direita" nas televisões, passando de 22 em 2016
para 37 em 2023, concluiu o MediaLab, centro de investigação do ISCTE.
Comentando o resultado das eleições, Nuno Ramos de Almeida escreveu no Diário de Notícias:
«Tive a sorte de nascer
num tempo em que pude ver o escuro e a madrugada. Mesmo quando anoitece, sei
que é possível ver o sol nascer com uma claridade que varre tudo ao seu redor,
nem que se tenha de cerrar os dentes e lutar por uma vida justa.»
Tendo em conta o que os comentadores do café do bairro disseram, o
grande culpado do descalabro da esquerda nas eleições de domingo, foi o governo
de maioria do Partido Socialista.
Hoje, sabe-se que essa dita maioria governativa, deixou umas massas cativas não se
sabe para quê, e que o futuro governo da AD irá aproveitar para resolver alguns
dos problemas que poderiam ter sido resovidos, e não o foram: saúde, professores,
forças de segurança, etc., etc.
«E o pior é pensar
onde havemos de arranjar forças para no dia seguinte continuar a fazer o que
fizemos na véspera e ainda em tantos outros dias já passados, onde
encontraremos forças para tantas diligências imbecis, para mil e um projectos
que não conduzem a nada, para as tentativas de vencer uma acabrunhante
necessidade, tentativas que acabam sempre por abortar, e tudo isso para nos
capacitarmos uma vez mais de que o destino é imutável e que o melhor é
conformarmo-nos em ter de cair todas as noites da muralha abaixo, sob a
angústia desse dia seguinte, sempre mais instável e sórdido.
É talvez a idade que surge, traidora e nos ameaça com o pior. Já não existe
dentro de cada um de nós música suficiente para fazer dançar a vida, aí está.
Toda a juventude nos abandonou para ir morrer no fim do mundo, num silêncio de
verdade. Para onde ir agora, pergunto, depois de não possuirmos em nós a soma
bastante de delírio. A verdade é uma agonia sem fim. A verdade deste mundo é a
morte. Precisamos escolher: mentir ou morrer. E eu nunca consegui matar-me.»
1.
A provedora de Justiça
requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da
lei da morte medicamente assistida.
2.
O referendo
organizado na Irlanda para modernizar o conceito de família e as referências às
mulheres na Constituição foi rejeitado, anunciou o primeiro-ministro irlandês,
Leo Varadkar, cujo governo sugeriu esta iniciativa.
As emendas foram
rejeitadas.
Na prática, nada
mudará na Constituição de 1937, que continuará a declarar que o casamento é um
requisito para qualquer família e que o valor da mulher para a sociedade vem de
cumprir os "deveres na casa". Isto numa altura em que dois quintos
das crianças do país nascem fora do casamento e a maioria das mulheres trabalha
fora de casa.
3.
A Igreja Católica regista uma perda de cerca de
500 mil fiéis nas missas de domingo, cerca de 25 por cento do total em
relação a 2019; as receitas das paróquias, assentes em donativos, caíram nos
últimos anos de 60 para 35 milhões de euros.
4.
3978 carteiros
trabalham actualmente nos CTT. Há três anos eram 4360. Também têm vindo a
desaparecer os postos de correio. Hoje são menos de 2 mil por todo o país.
5.
Os cinco maiores bancos privados em Portugal somaram lucros de 3 181
milhões de euros em 2023, um crescimento de 80% em relação ao ano anterior.
6.
Mais de 80% dos médicos dos hospitais privados mantêm um posto de
trabalho no SNS, numa situação de duplo emprego.
7.
Os portugueses
apostaram quase 8,6 milhões por dia nos jogos da Santa Casa em 2023. As vendas
brutas dos Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa atingiram os 3136
milhões de euros no ano passado, mais 72 milhões do que em 2022. A “raspadinha”
permanece no topo das apostas.
8.
«Se as contas externas são hoje mais positivas em
Portugal, é porque voltámos a ser um país de emigrantes e porque estamos ainda
mais dependentes do turismo para compensar o desempenho insuficiente dos
restantes sectores exportadores no seu conjunto. Isto é bom para as
estatísticas e para as condições actuais de financiamento externo, mas tem um
problema: nenhum país pode aspirar a desenvolver-se com base apenas no turismo
ou com uma saída em massa da população activa».
Por outro lado, as
circunstâncias do estado de guerra eram muito desfavoráveis para a criação de
aves. A comida rareava e era má. E quando se passou ao sistema da hora de
Verão, as galinhas recusavam-se obstinadamente a recolher ao galinheiro, como
de costume, às nove horas no novo horário. Hora realmente muito tardia, pois
não havia descanso possível enquanto elas não estivessem bem fechadas e a
dormir.
Será um desfilar de histórias, de opiniões,
de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que
irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que
aconteceram.
25 de abril.
50 anos.
A imagem que acima se reproduz, é o Presente das Forças Armadas,
Natal de 1974, num desenho de João Abel Manta.
Uma coisa é, cada um de nós, já não saber o que dizer sobre o 25 de
Abril. Outra coisa é saber que ainda está tudo por dizer.
Também saber que está quase
tudo por fazer.
Concluir suavemente que
não há momentos perfeitos.
A resposta de
Arminda a JC na memorável data que podemos encontrar em Almeida Faria no seu
livro Lusitânia:
«De resto passei o
dia inteiro agarrada à telefonia, depois à televisão, indo à estação das
camionetas esperar pelos jornais da capital, tentando telefonar a Samuel que
não parou em casa, deixei recado, irei ter com ele amanhã, não aparece uma
revolução assim do pé para a mão, se calhar nunca mais terei outra ocasião de
ver um regime esticar o pernil, se é que não se trata dum engano, fada morgana.
Agora, cansada de excitação, lembrei-me da lenda do José Maria dos Santos,
ouvindo que um navio de cereais naufragava no estuário do Tejo, arrematando-o
em leilão apesar de estar podre com a água do mar, encharcado de água (água
provavelmente doce no estuário) e alimentando várias varas de porcos até ficar
milionário. Será parábola da esperteza saloia nacional? Beija-te a tua irmã
esperando que venhas entretanto e não seja necessário escrever-te outra carta.»
Por fim: as eleições
de domingo não nos querem mostrar que o 25 de Abril está a ser esquecido?
Recolha, apresentação e notas: Augusto da Costa Dias
Capa: João da Câmara Leme
Portugália Editora, Lisboa, Agosto de 1961
Começo a dar hoje
nestas doces páginas da Tradição tudo
quanto a minha paciência para coisas do povo tem coligido – aqui, além, acolá
-, em que entre o algarismo 7, que é, como se sabe, muito do agrado popular.
Começarei pelas quadras que estão nesse caso, incluindo, está bem de ver, as
que se referem ao Setestrelo; passarei depois aos ditados, rifões,
parlendas e frases feitas, em que esse algarismo figure também; aos responsos,
esconjuros, orações e adivinhas, em que o mesmo sede; e, por último (e quem
sabe lá se o mundo se não acabará primeiro!) ao que também respiguei de setes
na literatura popular já coligida: xácaras, romances, solaus, contos, etc.,
etc,
Valos lá, pois, com
Deus, que temos muito que andar, e o que vale é que não pode o caminho ser mais
bonito!
Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos,
poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem
obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.
No dia 30 de
dezembro de 1972, um grupo de católicos, a que se associariam não católicos,
organiza uma vigília de 48 horas, na Capela do Rato, em Lisboa, para meditar
sobre a paz e sobre a situação vivida nas guerras coloniais.
No dia seguinte, os
participantes aprovam uma moção repudiando a política do Governo de “prosseguir
uma guerra criminosa com a qual tenta aniquilar movimentos de libertação das
colónias” e denunciando a “cumplicidade da hierarquia da Igreja Católica face a
esta guerra”.
Ao final do dia, a
vigília é interrompida pelas forças policiais e os participantes são conduzidos
à esquadra local, sendo que 14 permaneceriam detidos durante duas semanas na
prisão de Caxias. Os funcionários públicos presentes seriam alvo de processos
de demissão, conforme decidido em Conselho de Ministros.
Os acontecimentos da
Capela do Rato marcam um dos mais significativos episódios da luta contra a
ditadura. O regime via-se confrontado com mais uma frente de protesto e luta,
vinda donde menos esperaria: do seio da Igreja Católica, um pecado
organizado, tal como diz Sophia.
Nunca a voz da Igreja se fizera ouvir para condenar a guerra colónia, as
perseguições da PIDE, a tortura e a morte. Os acontecimentos da Capela do Rato
determinaram que nada seria como antes: estes católicos e não católicos,
acusados pelo governo, como traidores à Pátria, diziam ao país
que viam ouviam e liam e não mais poderiam continuar a ignorar.
Entre as cerca de
setenta de pessoas detidas pela PIDE na Capela do Rato, encontravam-se
doze funcionários públicos que, por decisão do Conselho de Ministros, publicada
no Diário do Governo de 13 de Janeiro, foram demitidos das suas funções.
Em 20 de Janeiro os
funcionários demitidos recorreram da decisão governamental.
Em 23 de Fevereiro
de 1973, por resolução do Conselho de Ministros, negou provimento ao recurso
apresentado pelos funcionários públicos.
No dia 11 de Janeiro
de 1973, o Diário de Lisboa, publica uma Nota do Patriarcado
acerca dos protestos de católicos, e não católicos:
Uma carta do Padre
Sampaio para o Padre Bertulli:
«Sinto-me reduzido a uma igreja de silêncio, em que a
verdade é escondida e o Evangelho traído descaradamente».
Algures no tempo, Manuel António Pina escreveu:
«Porque
houve um tempo em que tivemos esperança. E, provavelmente, fé. Um tempo em que
acreditámos em coisas maiores, em palavras e ideias por que valia a pena
morrer. Também, no entanto, as nossas palavras, mesmo as mais desmesuradas,
sucumbiram à trivialidade e à pequenez. E hoje olhamos em volta e vemos muitos
dos que connosco partilharam a confiança e a esperança entre as piores dos
porcos, dos feios e dos maus.»
Marcelo Caetano
determinou que nada, do que se passou na Capela do Rato, seria publicado nos
jornais, rádios e televisão.
Apenas um comunicado
do governo a dizer que os funcionários públicos, demitidos das suas
funções pelo governo, tinham recorrido da decisão para o conselho de ministros,
também, após largas discussões do Cardeal Patriarca com o ministro do interior,
uma confusa nota do Patriarcado do que então se tinha passado na Capela do
Rato.
O Notícias
de Portugalera um boletim semanal, da responsabilidade do SNI,
enviado para os emigrantes portugueses espalhados pelo mundo. Do que passou na
Capela não tiveram qualquer informação. Apenas no discurso de encerramento da
reunião anual da Acção NacionalPopular, Marcelo Caetano faz uma
curta e destemperada observação:
«A sociedade portuguesa, habituada durante muitos anos à
protecção paternalista, não estava preparada para um ambiente de discussão e de
luta. Ao ímpeto dos contestatários não se tem oposto mais que hesitante
comodismo ou frouxa resistência. Muita gente julga até que tudo – turbulência,
desmoralização, demolição – tudo é abertura, tudo está no jogo, tudo faz parte
do novo estilo de governo…
Ingènuamente as pessoas querem então estar à moda. Não
desejam que as considerem «ultrapassadas». É preciso andar com os novos tempos…
e deixam correr ou apressam-se a dizer - «ámen».
Por isso há padres que deixam de pregar o Evangelho para
fazer no púlpito a apologia da revolução social, demitem-se os pais da
autoridade familiar, as audácias dos costumes chocam cada vez menos os
moralistas, professores resignam-se à indisciplina, entram chefes em dúvida
acerca da legitimidade do exercício da sua autoridade, olha-se com timidez a
acção dos que procedem contra a ordem e contra alei e quase se tem pudor de
aplicar sanções ou de usar os meios normais de reprimir ou contrariar as manobras
de perturbação ou de obstrução da vida das instituições.»
Deixei-te só , à hora
de morrer.
Não percebi o desabrigado apelo dos teus olhos
Humaníssimos, suaves, sábios, cheios de
aceitação De tudo… e apesar disso, sem o pedir,
tentando Insinuar que eu ficasse perto, Que, se me fosse, a mesma era a tua gratidão.
Não percebi a
evidência de que ias morrer
E gostavas da minha companhia por uma noite,
Que te seria tão doce a minha simples presença
Só umas horas, poucas.
Não percebi, por minha grosseira incompreensão,
Não percebi, por tua mansidão e humildade,
Que já tinhas perdoado tudo à vida
E começavas a debater-te na maior angústia, a debater-te com a morte.
E deixei-te só, à beira da agonia, tão aflito, tão só e sossegado.
Cristovam Pavia em O Tempo e o Modo
nº 42 Outubro de 1966