Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.
João Bénard
da Costa
Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.
22 de Abril
de 1974
Os jornais
trazem nas suas primeiras páginas, fotografias do almoço íntimo que o chefe de
estado Almirante Américo Tomás ofereceu, ontem, no Palácio Nacional de Belém do
Chefe do Governo.
Sem
protocolo, revestido de cunho de cordialidade, num ambiente extraordinariamente
amistoso, escreveram os jornalistas. Não adiantaram os motivos do festim
mas, sabe-se por portas travessas que Tomás, com esta reunião, tentou conciliar
os ministros que, ouvia-se pelos corredores, andavam às turras, uns com saudades
de Salazar, outros por Marcelo andava tropeçar nos próprios passos.
Olha-se a
fotografia, publicada pelo ultra-fascista jornal Época, e vemo-los
descontraídos e sorridentes.
Desconheciam
ainda que almoçavam, todos juntos, pela última vez, tal como desconheciam que
poucos dias faltavam para deixarem de sorrir.
O pânico
haveria de tomar conta das suas excelsas e distintas pessoas.
O JORNAL
REPÚBLICA conseguiu, numa pequena notícia, dar conta que
quatrocentos democratas marcaram presença na homenagem a Óscar Lopes.
No mesmo
jornal, o jornalista e escritor Álvaro Guerra, encarregado pelos capitães da
ligação com a imprensa, no seu habitual Ponto Crítico, abordava
a meteorologia e, se pudéssemos ter decifrado as entrelinhas, teríamos ficado a
saber que o tempo ia mesmo mudar.
«A Primavera continua chuvosa, um resto
de invernia que se arrasta, retardando o sol aquém, de tantos sóis adiados, se
vai fartando e chegando ao Inverno da vida com um levíssimo e já frio raio de
luz teimando penetrar na floresta desencantada da memória.
Naturalistas, alegóricos, nostálgicos, vamos seguindo os caprichos do clima,
mitigando a ausência das palavras primaveris com a decifração de eternos
boletins meteorológicos.»
OTELO SARAIVA
DE CARVALHO comunica aos seus camaradas que tem pronto o Plano Geral
das Operações.
DINIZ DE
ALMEIDA, em Origens e Evolução do Movimento de Capitães, conta, que neste
dia, «Grândola» de José Afonso foi escolhida como canção-segunda-senha para saída,
em todo o país, dos regimentos afectos ao Movimento dos Capitães.
A canção foi escolhida por Almada Contreiras que, mais tarde, justificará a escolha: «em primeiro lugar, porque sou alentejano, depois porque gosto muito da canção. Se fosse minhoto, provavelmente a senha seria um “vira”, não sei».
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