Este não é o dia seguinte do dia que foi
ontem.
João Bénard da Costa
Será um desfilar de histórias, de
opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e
figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia,
mês, ano em que aconteceram.
24
de Abril de 1974
Quando o país bocejante se deitou, só alguns dos seus habitantes, muito poucos,
sabiam que esta não seria uma noite igual a tantas outras, seria mesmo uma
noite invulgar.
Quando os espectadores que assistiram à “Traviata”, começaram a sair do
Coliseu, já João Paulo Dinis, na emissão do Rádio Peninsular dos Emissores
Associados, tinha enviado o primeiro sinal para os militares: “Faltam cinco minutos para as 23,00 horas.
Convosco, Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74 – E Depois do Adeus”.
O “Diário de Notícias” há-de escrever que um Coliseu,
repleto de público, assistiu a uma récita da “Traviata” com Alfred Kraus e que
consagrou Joan Sutherland e que a récita terminou em delírio colectivo, com
ovações intermináveis e inúmeros cravos atirados das frisas.
O MESMO DIÁRIO DE NOTÍCIAS, publica na 1ª página um editorial com o título:
“Balas de Papel”. Terminava assim:
“Só nós, Portugueses, somos senhores do
nosso destino. E estamos tão estoicamente empenhados na defesa dos lusos
territórios ultramarinos, como preparados para enfrentar as batalhas de
opinião, desencadeadas – sabe-se lá – por que interesses feridos ou
conveniências não acauteladas…
Parece-nos, entretanto, oportuno prevenir os franco-atiradores dispersos pelos
países amigos, de que não receamos as balas de papel – como não tememos as
outras. Elas não conseguirão desalojar-nos das atitudes assumidas e das
posições tomadas.”
LOGO PELA MANHÃ, Otelo Saraiva de Carvalho desloca-se à estação dos CTT da
Estefânia, fronteira à Academia Militar, de onde envia para os Açores o
telegrama codificado que combinara com Melo Antunes, com a data e a hora do
golpe:
“Tia Aurora parte Estados Unidos 250300. Primo António.”
EM CONVERSA TELEFÓNICA com um dos seus ministros, que lhe dá conta dá conta de
movimentações militares, Marcelo Caetano terá dito:
“Isso é mais um boato desgastante”
Marcelo Caetano no seu “Depoimento”, publicado no exílio no Brasil, escreve que
“a
Revolução veio efectivamente de surpresa.”
O chefe de Estado, almirante Américo Tomás
deslocou-se à Feira Internacional de Lisboa para uma visita ao Salão de
Antiguidades. Será este o último acto oficial como mestre-corta-fitas da
ditadura.
FORAM ESTAS AS últimas determinações, dos serviços de censura do reino, para os jornais que se publicavam no Porto.
PARA O DIA 25, os serviços de meteorologia previam: “Céu pouco nublado, por vezes muito nublado; vento fraco de norte; possibilidade de trovoada e aguaceiros”
NOS PRIMEIROS VINTE MINUTOS DO NOVO DIA, no programa “Limite”, transmitido pelos emissores da Rádio Renascença, o locutor Leite de Vasconcelos dirá a primeira quadra de “Grândola, Vila Morena” e começam a ouvir-se aqueles passos cadenciados na estrada que anunciam que “o povo é quem mais ordena, dentro de ti ó cidade.”
O navio de sonhos largara do cais de silêncio rumo à estrela polar.
Chegara o Dia das Surpresas.
Como nos anos 60, ouvindo Beethoven,
poetisara José Saramago.
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