quarta-feira, 24 de abril de 2024

VIAGENS POR ABRIL


              Este não é o dia seguinte do dia que foi ontem.

                                                       João Bénard da Costa

Será um desfilar de histórias, de opiniões, de livros, de discos, poemas, canções, fotografias, figuras e figurões, que irão aparecendo sem obedecer a qualquer especificação do dia, mês, ano em que aconteceram.

 24 de Abril de 1974

Quando o país bocejante se deitou, só alguns dos seus habitantes, muito poucos, sabiam que esta não seria uma noite igual a tantas outras, seria mesmo uma noite invulgar.
Quando os espectadores que assistiram à “Traviata”, começaram a sair do Coliseu, já João Paulo Dinis, na emissão do Rádio Peninsular dos Emissores Associados, tinha enviado o primeiro sinal para os militares: “Faltam cinco minutos para as 23,00 horas. Convosco, Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74 – E Depois do Adeus”.
          

O “Diário de Notícias” há-de escrever que um Coliseu, repleto de público, assistiu a uma récita da “Traviata” com Alfred Kraus e que consagrou Joan Sutherland e que a récita terminou em delírio colectivo, com ovações intermináveis e inúmeros cravos atirados das frisas.

 O MESMO DIÁRIO DE NOTÍCIAS, publica na 1ª página um editorial com o título: “Balas de Papel”. Terminava assim:
“Só nós, Portugueses, somos senhores do nosso destino. E estamos tão estoicamente empenhados na defesa dos lusos territórios ultramarinos, como preparados para enfrentar as batalhas de opinião, desencadeadas – sabe-se lá – por que interesses feridos ou conveniências não acauteladas…
Parece-nos, entretanto, oportuno prevenir os franco-atiradores dispersos pelos países amigos, de que não receamos as balas de papel – como não tememos as outras. Elas não conseguirão desalojar-nos das atitudes assumidas e das posições tomadas.”

LOGO PELA MANHÃ, Otelo Saraiva de Carvalho desloca-se à estação dos CTT da Estefânia, fronteira à Academia Militar, de onde envia para os Açores o telegrama codificado que combinara com Melo Antunes, com a data e a hora do golpe:

 “Tia Aurora parte Estados Unidos 250300. Primo António.”

EM CONVERSA TELEFÓNICA com um dos seus ministros, que lhe dá conta dá conta de movimentações militares, Marcelo Caetano terá dito:

 “Isso é mais um boato desgastante”
Marcelo Caetano no seu “Depoimento”, publicado no exílio no Brasil, escreve que “a
Revolução veio efectivamente de surpresa.”

O chefe de Estado, almirante Américo Tomás deslocou-se à Feira Internacional de Lisboa para uma visita ao Salão de Antiguidades. Será este o último acto oficial como mestre-corta-fitas da ditadura.

FORAM ESTAS AS últimas determinações, dos serviços de censura do reino, para os jornais que se publicavam no Porto.

PARA O DIA 25, os serviços de meteorologia previam: “Céu pouco nublado, por vezes muito nublado; vento fraco de norte; possibilidade de trovoada e aguaceiros”

NOS PRIMEIROS VINTE MINUTOS DO NOVO DIA, no programa “Limite”, transmitido pelos emissores da Rádio Renascença, o locutor Leite de Vasconcelos dirá a primeira quadra de “Grândola, Vila Morena” e começam a ouvir-se aqueles passos cadenciados na estrada que anunciam que “o povo é quem mais ordena, dentro de ti ó cidade.”

O navio de sonhos largara do cais de silêncio rumo à estrela polar.

Chegara o Dia das Surpresas.

Como nos anos 60, ouvindo Beethoven, poetisara José Saramago.

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