sexta-feira, 30 de setembro de 2016

POSTAIS SEM SELO


Só Deus sabe da tranquilidade do meu ateísmo e do respeito que tenho pela fé dos outros.

Autor desconhecido

Legenda: Parque dos Insultos, pintura de Vespeira

DISSERAM



disseram: mande um poema para a revista onde colaboram todos
e eu respondi: mando se não colaborar ninguém, porque
nada se reparte: ou se devora tudo
ou não se toca em nada,
morre-se mil vezes de uma só morte ou
uma só vez das mortes todas juntas:
só colaboro na minha morte:
e eles entenderam tudo, e pensaram: que este não colabore nunca,
que o demónio o leve, e foram-se,
e eu fiquei contente de nada e de ninguém,
e vim logo escrever este, o mais curto possível, e depressa, e
vazio poema de sentido e de endereço e
de razão deveras,
só porque sim, isto é: só porque não agora

Herberto Helder 

CANÇÕES PARA O MEU PAI


Naturalmente, nas cassettes que, a seu pedido, gravei para o meu pai, havia canções de Leonard Cohen.

No que a Cohen diz respeito, entendo que as suas canções só por ele podem ser interpretadas.

Há, no entanto, Jennifer Waves. uma jovem que, como suporte coral, se passeia pelos discos e concertos de Cohen.

O Mestre foi ao ponto de dizer que a versão de First We Take Manhattan, cantada por Jennifer Waves, é melhor que o original.

Mas sabemos como Cohen é com as mulheres.

Diz a lenda que se inscreveu no Partido Comunista do Canadá apenas porque estava interessado numa camarada.

Hallelujah é uma das canções de Leonard Cohen que já conheceu as mais pifias versões.
Esta versão, cantada por por Kurt Nilsen, Espen Lind, Askil Holm e Alejandro Fuentes é interessante e dela faz-se registo.

Mas o original não poderia faltar.

Leonard Cohen fez no dia 21 deste mês fez 82 anos e por meados de Outubro será publicado o seu último álbum - You Want It Darker.



UM PROBLEMA CHAMADO FÁTIMA



Fátima, os pastorinhos, os segredos, são um insulto à inteligência de crentes e não crentes, agnósticos e ateus. 

Fátima é um nódoa que cai no pano de fundo da ignorância e da cegueira feita fé.

Em Novembro de 2002, era Paulo Portas ministro de Estado e da Defesa, houve na Galiza uma maré negra provocada pelo petroleiro Prestige.

A costa portuguesa não foi de todo afectada e Paulo Portas apressou-se a dizer que Portugal tinha sido salvo pela intervenção de Nossa Senhora de Fátima.

A Igreja nunca conseguiu livrar-se do síndroma Fátima.

Quando Paulo VI veio a Fátima, por ocasião do cinquentenário, houve forte contestação.



Naquele tempo disse João Bénard da Costa:

Se me perguntarem de quando eu dato a minha saída da Igreja, respondo que do dia 13 de Maio de 1967, o dia da visita de Paulo VI a Portugal.

Agora que o Papa Francisco, por ocasião do centenário, pensa deslocar-se a Fátima, outras contestações terão lugar.

O bispo auxiliar de Lisboa, Nuno Brás, disse esta quinta-feira que o Papa Francisco lhe confirmou que se deslocará a Portugal em Maio a propósito do Centenário das Aparições.

O bispo auxiliar considera que a visita a Fátima pode ser dada como certa, a não ser que aconteça um imprevisto de agenda ou pessoal.

Caso a visita se verifique, o Papa Francisco será o quarto Papa a visitar Portugal, depois de Paulo VI (1967), João Paulo II (1982, 1991 e 2000) e Bento XVI (2010).

O recorte acima reproduzido pertence ao Notícias de Portugal (semanário de propaganda da ditadura) de 11 de Fevereiro de 1967, onde se conta das andanças, por Roma, do Cardeal Cerejeira tratando dos preparativos das comemorações do cinquentenário de Fátima.

Atente-se no telegrama, proveniente de Paris, sobre o motivo por que o Papa ainda não divulgou o «segredo» de Fátima.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

POSTAIS SEM SELO




João Pedro Henriques

Legenda: pintura de Jack Vettriano

OS CROMOS DO BOTECO


Os primórdios de Carlos do Carmo.

Acompanhado `guitarra por Fontes Rocha e à viola por José Maria Nóbrega, Carlos do Carmo canta:

Há Festa na Mouraria - Quadras de Amor - Um Dia - Vestida de Madrugada.

Da contracapa:

Gravação efectuada em Paris nos estúdios da Societé Phonographique Philips por ocasião da apresentação de Carlos do Carmo no Teatro Alhambra desta cidade.


RECADOS


Da nota introdutória de Vitor Silva Tavares, também tradutor e editor de Esboço Para Um Retrato do Verdadeiro Libertino de Roger Vailland:

Aqui temos, brevemente enunciado, todo o percurso da obra que ora se apresenta ao leitor português – obra  exemplarmente reveladora da exactidão mental e formal de um dos mais legítimos herdeiros dos grandes libertinos do séc. XVIII, tanto pela audaciosa “austeridade” das relações amorosas como pelo empenhamento político vincadamente progressista.

V.S.T. & ETC


Setembro, o doce Setembro aproxima-se do seu fim.

Mais de uma vez ficou dito por aqui, que ligamos pouco a efemérides.

Às vezes, acontece uma lembrança no próprio dia, mas o comum é falar do que, de quem, quando nos vem à lembrança, e não quando há data redonda, ou lá o que seja, a assinalar.

Claro que no dia 21 se cumpriu um ano sem Vitor Silva Tavares.

Mas fugiu-se à tristeza do lembrar.

Mas hoje, que Setembro está no fim, cuidei que ficava bem esta historieta que o Vitor Silva Tavares contou numa das suas escassas entrevistas:

 Sabe qual é o poema surrealista mais bonito de sempre? Foi escrito por um miúdo de 5 anos numa escola onde fui fazer uma sessão de poesia e diz assim: «eu gosto muito do sol, porque ele é tão azulito, tão azulito como um moranguito.

Ainda:

Com o falecimento de Vitor Silva Tavares, em Setembro de 2015, os sócios da &etc Edições Culturais do Subterrâneo decidiram encerrar a editora, criada em 1974 nas vésperas do 25 de Abril, já que, embora tenha sido um projecto onde colaboraram inúmeros autores, tradutores, artistas e gráficos, a &etc nunca deixou de ser indissociável do seu principal fundador e editor.

Encerradas as actividades editoriais, os fundos da &etc passam a partir de agora a ser vendidos e distribuídos exclusivamente pela Livraria e Editora Letra Livre, que irá manter os preços de catálogo. Desta forma, os livros da mais emblemática editora independente portuguesa continuarão acessíveis aos leitores até esgotarem.

Maio de 2016

Livraria & etc; Editora Letra Livre

Já agora:

Fica aí um Recado para um livro do Roger Vailland, traduzido, prefaciado e editado pelo Vitor Silva Tavares.

O livro está esgotadíssimo mas pode ser que, por um golpe de sorte, o encontrem num qualquer alfarrabista.

Legenda: Fotografia tirada de & etc Uma Editora no Subterrâneo.

QUOTIDIANOS



Salman Rushdie

Legenda: imagem tapmagonline

CABO DA ROCA


Deste ponto do hotel vê-se qualquer coisa
que logo desde o início se entendeu
não poder ser outra coisa além do Cabo da Roca.
Daqui donde estou se vê que o Cabo é
perfeitamente ocidental o mais
ocidental possível.

Mais do que ele, só os nossos olhos.

Eles, para quem a terra não acaba nunca.
Eles, que tocam o ponto exacto onde
um sol de fogo prova que ela é redonda.

A única diferença é o farol. Mas se fores tu
de noite a olhar o mar, os barcos
podem ir à confiança.

Mário Castrim 

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

POSTAIS SEM SELO


Tal como o Driss, eu sonhava com um café só meu. Pensava nisso com tanta força que quase podia entrar nele: chamar-se-ia Café Nerval, um pequeno porto onde poetas e viajantes podiam encontrar a simplicidade de um refúgio.

Patti Smith em M Train

Legenda: Patti Smith e Ann Demeulemeester

DA VIDA MARÍTIMA DE LISBOA


Os habitantes de Lisboa, tirando os que vivem do mar, quase não sabem da sua vida marítima de grande porto. Poucas são as janelas da cidade abertas para o estuário imenso e maravilhoso. Quando muito, os lisboetas vão até ao Terreiro do paço nas noites calmas de Verão, mas ignoram tudo da vida do rio: os pescadores à linha da ponta do Cais do Sodré; as lentas fragatas que deslizam carregadas de fardos, de sacos, ou de barris, com a sua grande vela, tantas vezes rubra como um grito; as embarcações em repouso, onde fumega um fogareiro com a caldeirada; a descarga do peixe para a Ribeira, com a agitação do povoléu varino; os trabalhos da estiva nos cais onde acostam os cargueiros e os grandes paquetes luxuosos, com o ranger dos guindastes e dos guinchos; o movimento do desembarque de turistas nos cais da Rocha ou de Alcântara; a chegada ou partida dos navios portugueses das carreiras de África; os preparativos dos bacalhoeiros em véspera de partida para os bancos da Terra Nova; as reparações dos vapores nas docas secas e a construção de novos navios nos estaleiros, com o seu martelar metálico; a faina constante dos rebocadores e gasolinas, como gaivotas à roda dos grandes vapores – todo esse fervilhar ruidoso e colorido que é o espectáculo mais curioso de Lisboa.

José Osório de Oliveira na revista Panorama, início dos anos 50.


Legenda: fotografia de Artur Pastor

OLHAR AS CAPAS


O Render dos Heróis

José Cardoso Pires
Editora Arcádia, Lisboa, Janeiro de 1965
Maria Ricarda:
Temos tempo. Cada dia que passas corre a nosso favor. Em Lisboa… Sabe o que acontece em Lisboa? Eu digo-lhe: estão mais cansados do que nós? Os generais e os ministros desentendem-se, os Romas e os outros barões do dinheiro andam às turras…

Sentinela:
Pois sim, mas não largam o dinheiro…

Maria Ricarda:
Como não largam o medo que os atormenta.

Sentinela:
Nem nós a fome que sempre nos acompanhou. Fraca companhia, a fome.

Alexandre:

Depende. Se não fosse a fome, nunca o lobo vinha à estrada. Como diz o ditado: «O satisfeito dorme, o esfaimado labuta». Sabias?

A PROVIDÊNCIA GENEROSA


Tal como ficou prometido em AH!... AS ABÓBORAS!...

terça-feira, 27 de setembro de 2016

POSTAIS SEM SELO


A Bíblia pode ser lida de muitas maneiras. A pior de todas é não ser lida.

Frei Bento Domingues no Público


Legenda: capa do primeiro volume (Os Quatro Evangelhos) a tradução da Bíblia feita por Frederico Lourenço para a Quetzal.

DO BAÚ DOS POSTAIS

Vista da Praça do Comércio de há muitos anos.
O Tejo ainda com fragatas.

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


Aqui, eram os Alfas situados na Avª Almirante Gago Coutinho, ao Areeiro.

Agora é um condomínio de habitação.

Começou por ser três salas, daí o nome Alfas Triplex, e quando as fechou, passados dez anos sobre a abertura, já eram cinco as salas.

Inaugurado em 1985 não chegou a durar uma década.

Fechou portas em 1997.

Quando os centros comerciais criaram as suas salas, os Alfas ficaram às moscas.

Tinha uma livraria, chamava-se Alfarrábio.

Comprei muitos livros na Alfarrábio e um sei de certeza: Alentejo Não temSombra, uma antologia de poesia contemporânea sobre o Alentejo, organizada por Eugénio de Andrade.


Está aí a etiqueta e, no canto superior direito, escrito a lápis pelo livreiro o respectivo preço: 250 escudos.

Hoje, um euro e cinquenta cêntimos.

Estava longe o código de barras.

Estava longe tanta coisa.

E AGORA PARA ALGO COMPLETAMENTE DIFERENTE...



Crónica de Ana Cristina Leonardo no Expresso de 5 de Abril de 2014.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

POSTAIS SEM SELO


Uma livraria não deve ser visitada à pressa. É preciso sentir o cheiro dos livros e isso só se consegue com tempo.

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


Um velho anúncio da Cerveja Sagres, talvez 1964.
Sempre a sede que se deseja.

OLHAR AS CAPAS


O Homem Sombra

Dashiell Hammett
Tradução: Almeida Campos
Capa: Lima de Freitas
Colecção Vampiro nº 152
Livros do Brasil, Lisboa s/d

- Aquele maldito Sparow – explicou-me. – Não se pode ter a mínima contemplação com ele quando está bebido.
Studsy estava na mesa seguinte, aquela que fora derrubada, ajudando as pessoas a levantarem-se e a tomarem posse do que lhes pertencia.
- Isto foi mau – comentava ele – mau para o negócio, mas como se pode evitar uma coisa destas? Isto aqui não é uma taberna, mas a verdade é que também não pretendo que seja um colégio de meninas.

NOTÍCIAS DO CIRCO



Carlos Neto

PONTO NEVRÁLGICO


Às cinco horas da tarde
sobe-se e desce-se o Chiado
bebe-se chá no Chiado
bebe-se o ar do Chiado
come-se nas montras do Chiado
conversa-se no Chiado
conversa-se do Chiado
literatura-se no Chiado
figura-se no Chiado.

Chiada-se.

Mendes de Carvalho em Satírica

domingo, 25 de setembro de 2016

AS ESTANTES


A conversa durava já há tanto tempo que se havia tornado insuportável.

A lenga-lenga, essa era sempre a mesma…

Que as estantes estavam horríveis e apinhadas de discos… Que os vinis as ocupavam de ponta a ponta, não deixando espaço para um único bibelot… Que havia  CD’s arrumados em primeiras, segundas e terceiras filas, e outros ainda pior, empilhados tão ao alto que não deixavam sequer ver as molduras, principalmente aquela do pai e da mãe no dia do seu casamento, de que tanto gostava… E se quisesse ir ver melhor, certamente que ainda acabaria por encontrar outros CD’s escondidos debaixo da cama, dentro de caixas de sapatos…

Pensou então para com os seus botões que a coisa tinha chegado a um ponto tal que só haveria uma saída possível: os discos ou a Mulher, um deles teria de saltar borda fora…

Num momento de fraqueza e insanidade mental, optou por ficar com a Mulher.

Agora, as estantes estão lindas…!

As obras completas das irmãs Bronté em vários volumes de uma belíssima capa dura verde escura, com letras e debruados a dourado…; dois pequeninos elefantes de marfim, virados um para o outro…; uma bonita colecção de dedais de porcelana, pintados com  retratos de Mozart, Chopin, a Rainha Sissi e o Palácio de Edimburgo…; um pequenino chapéu de dama antiga, também em porcelana…;  um minúsculo sininho de vidro, com a garantia da Cristal Atlantis…; uma lindíssima colecção de leques de mulher, o mais bonito dos quais com uma pintura da Senhora de Covadonga…; e, é claro, bem enquadrada no meio de tudo e em moldura dourada, a fotografia do seu pai e da sua mãe, no dia do casamento…!

Quando hoje lhe perguntam se não sente saudades da sua Música, responde que não, que tem tudo gravado na memória.

E quando a Família e os Amigos lhe chamam a atenção por ficar, por vezes, demasiado tempo parado em silêncio, com o olhar perdido no vazio, é, muito provavelmente, uma dessas músicas que está a ouvir…

Luís Miguel Mira

UM RAPAZ DE SACAVÉM, UM HOMEM DO MUNDO




No dia 4 de Março de 1967, o fotógrafo Eduardo Gageiro foi o convidado dos Encontros do Diário de Lisboa – Juvenil.
Retomados a 12 de Novembro de 1966 com a presença de Eduardo Prado Coelho, depois com o jornalista Manuel de Azevedo e a 21 de Janeiro de 1967 com Fernando Lopes Graça e Dulce Cabrita.

sábado, 24 de setembro de 2016

OLHARES


Posso dizer que as alegrias mais belas e espontâneas que vi ao longo da minha vida são as alegrias de pessoas muito pobres que têm pouco a que se agarrar.

Papa Francisco

SILÊNCIO


Creio que o vislumbrei através do espaço dos castigos:
o sótão, a parede, a sala vazia das escolas e colégios.
E também as igrejas e o quartel, que eram outras formas de punição.
Devo ter-me portado muito mal - como diz quem se porta bem - para a minha formação lhes ter merecido tantas atenções.
Depois aprendi outros silêncios:
a vastidão das fazendas, em Salgueirais, a solidão dos montes alentejanos, a parada do quartel, em Santa Margarida.
Quando comecei a fugir, às vezes parava o carro e saía para ouvir a noite.
Mas a única vez que me senti perto do silêncio, foi em Aragão, no meio dos Montblancs.
Ao contrário do que me disseram, ou julgava ter ouvido, a morte é a coisa menos silenciosa.
Pelo menos, a avaliar pelos vivos.
Dizem, ou melhor, acusam-me cada vez com mais frequência, que estou a ficar descompreendido.
Se calhar, julgam eles, para me pouparem o desgosto de estar a ensurdecer.
Quem me conhece, sabe como cultivo essa espécie de autismo, onde julgo encontrar-me com o silêncio.
Mas, embora silenciosa, não creio que a surdez seja a via do silêncio.

Jorge Fallorca em Longe do Mundo

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

DO BAÚ DOS POSTAIS


Carro de Limpeza de Lisboa antiga.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

POSTAIS SEM SELO


… e respondi baixinho, mesmo sem ninguém me perguntar, que há coisas que uma mala nunca leva.

Maria do Rosário Pedreira em O Canto do Vento nos Ciprestes

Legenda: imagem encontrada em Village

CANÇÕES DE ENTARDECERES


A chegada do Outono assinala o regresso às Canções de Entardeceres.
O crepúsculo deslizando lentamente, o barulho de uma rolha que salta de uma garrafa.
Nunca sabemos o mistério que nos pode trazer um pôr-do-sol.

You've got a Friend é a canção escolhida.
 As interpretações de Stacey Kent e, inevitavelmente, James Taylor.


OLHARES


O presidente da Câmara de Lisboa, anunciou que, ao fim de dez anos de lamentável abandono, a Estação Sul e Sueste, obra de Cottinelli Telmo, vai dar lugar a um terminal turístico que deverá estar concluído no final do próximo ano.
Durante anos e anos Lisboa não usufruiu dos privilégios da sua zona ribeirinha.

Os motivos são vários e o principal obstáculo centrava-se no facto de a quase totalidade do espaço ribeirinho ser pertença da Administração do Porto de Lisboa.
A Estação Sul e Sueste, até aqui, encontrava-se nas mãos da CP.

Foi aqui, na Estação Sul e Sueste que, em miúdo, apanhava os barcos a vapor com destino ao Barreiro para visitar um tio meu que, trabalhador da CUF, vivia no Lavradio – uma longa viagem.

Foi também aqui que, em Junho de 1967, iniciei o percurso da minha incorporação no serviço militar, apanhando o comboio- correio que do Barreiro me levou até Tavira – uma outra longa viagem.

O comboio, viagem em carruagem de 3ª classe, bancos de suma-pau, saiu perto da meia-noite, «paragem em todas as estações e apeadeiros», e chegou a Tavira às sete e meia da manhã. 

OLHAR AS CAPAS


Os Segredos de Lisboa

José Gomes Ferreira
Série de Ficção nº 5
Série a cargo de Alexandre Pinheiro Torres
Edições Tempo, Lisboa s/d

Quero ter a coragem pública de confessar (embora na verdade esta revelação nada interesse ao mundo) que, em certa altura da minha vida, receei sèriamente converter-me numa espécie de tipo popular lisboeta, perseguido nas ruas pelos garotos e pelas gargalhadas das pedras. Período terrível esse, de sonambulismo andante, em que o meu alheamento aproveitava todos os pretextos para calcorrear a cidade, de beco em beco, de lampião em lampião, de tombo em tomo, zaranza, sem rédeas, a esbofetear recordações e até, para extrema vergonha minha, a falar só!
Em resumo: foi apenas por último cerrar de dentes de vigilância que consegui o milagre de evitar o escárnio da perseguição («Eh! maluco! Eh! fala-tonto!») quiçá infalível se não escolhesse para essas vagabundagens as horas desertas da noite, quando o silêncio crepita mais vivo na solidão e sinto o desejo sedento de atravessar as paredes das casas com pés de espectro para andar, de quarto em quarto, de cubículo em cubículo, a espiar o sono secreto de todas as mulheres (sim, de todas) desde as costureirinhas de calças às damas elegantes do desdém dos chás das cinco.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

POSTAIS SEM SELO


Há sempre uma dose de mistério na vida de uma pessoa. Tal como na poesia.

Jorge Luís Borges

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

NOTÍCIAS DO CIRCO


José António Saraiva publicou uma coisa a que chama Eu e os Políticos em que conta várias histórias que lhe foram contadas em privado, muitas delas de conteúdo sexual.

A coisa é absolutamente inqualificável e mais não é que um verdadeiro acto criminoso.

Durante 23 anos este biltre foi director do Expresso.

Como é que Pinto Balsemão permitiu uma pestilência deste calibre?

Que pensarão, hoje, todos aqueles jornalistas que andaram pelo Expresso, ou que ainda por lá se encontrem a trabalhar.

Também foi director do Sol,mas aqui nada a dizer porque é lixo a dirigir lixo.

A coisa era para ter sido apresentada por Pedro Passos Coelho, que, de todo, desconhecia o conteúdo e, quando lhe deram uns tópicos, manteve a fidelidade ao autor da coisa.

Não sou de voltar com a palavra atrás nem de dar o dito por não dito. Estarei a fazer a apresentação dessa obra,

Passada quase uma semana, Passos Coelho voltou com a palavra atrás e já não apresentará a coisa.

Como se não soubéssemos das vezes em que o ex-primeiro ministro voltou com a palavra atrás, deu o dito por não dito.

Já não apresenta, mas esta é uma daquelas nódoas que ficam e não há benzina que a elimine.

José António Saraiva é filho de António José Saraiva e sobrinho de José Hermano Saraiva, ministro da educação de um governo salazarista.

Um António José Saraiva-gaga-de-todo, apareceu, em 1981, na televisão a bolsar atrocidades sobre o 25 de Abril.

Segundo Mário Castrim, um horror de disparates e, na sua coluna publicada no Diário de Lisboa de 27 de Abril, lavrou sentença:

Alguns cadáveres ainda aprendem a habilidade de usar muletas. Este, nem isso.

O COMEÇO DO OUTONO


Mais logo, pelas 14,21 horas, o Outono entra-os porta dentro, mas é ainda um Outono disfarçado de Verão.


Legenda: fotografia de Sam Locklin

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

OLHAR AS CAPAS


Vai Alta a Noite

Alexandre Pinheiro Torres
Capa: reprodução de um óleo de Ney da Gama Simões Dias
Editorial Caminho, Lisboa, Setembro de 1977

«Vamos ali para o velho terraço das buganvílias. Já lhes senti o cheiro. Qualquer bebida serve, O que eu quero é ver o mar. Este é o meu sobrinho Sebastião, estudante de Engenharia Civil, um verdadeiro atraso de vida, como agora se diz, adoro esta linguagem porque este país não precisa de engenheiros para nada. Engenheirar o quê? Nem se sabe compor um esgoto. Uma vergonha,»

terça-feira, 20 de setembro de 2016

COISAS EXTINTAS OU EM VIAS DE...


Falei da minha ida ao estaminé do Potes na Feira da Ladra, onde comprei LPs do Elvis ao preço da uva mijona, falei de que para além disso ele me ofereceu uns exemplares da Colecção Cinema dos tempos da minha adolescência, mas não coloquei esses exemplares.

Estão aqui:

Balada Sangrenta, filme de Michael Curtiz, com o Elvis e Sangue Toureiro, filme de Augusto Fraga, com Amália Rodrigues e o toureiro Diamantino Viseu

Através destes livrecos, que custavam 1$50, e saíam às quintas-feiras, eu «vi» todos os filmes que não podia ver nas salas de cinema.

Mas quinze tostões já era uma exorbitância, e então alugava-os, por dois tostões, a velhote que, num vão de escada da Almirante Reis, com estes e outros alugueres, para além da venda de livros em 2ª mão, completava a reforma de miséria.

Levava de casa uma marmita com o almoço e ali passou o resto dos dias da sua vida.

Uma simpatia de velhote, levava de casa marmita com o almoço, e ali passou o resto dos dias da sua pouco feliz vida.

 Lamentavelmente, não consigo lembrar o nome.

A novelização de Balada Sangrenta foi feita por Vasco Santos e termina assim:

A vida seguiu o seu curso. Danny Fisher voltou a entusiasmar os frequentadores do «King Creole» - entre os quais teve a satisfação de ver o reconciliado progenitor… Tornou também a ver a doce Nellie. A essa pediu-lhe para esperar… Ela compreensiva, anuiu. Esperaria o tempo que fosse preciso para cicatrizar a ferida que a trágica morte de Ronnie deixara na alma sensível do seu namorado…
E quem escutava aquele rapaz, que parecia transpirar ritmo por todos os poros – ora dolente ou vibrante, profundo ou superficial, cómico ou sentimental – não podia adivinhar que ele interpretava o ritmo da própria vida, e que, por isso, havia baladas sangrentas no seu reportório…

HÁ 35 ANOS


Há 35 anos, aconteceu o memorável concerto de Simon and Garfunkel no Central Park em Nova Iorque.
Mais de 500.000 pessoas assistiram e os lucros foram utilizados para a recuperação e manutenção do parque.
Acontecimentos felizes que acontecem uma só vez.

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?



Crónica de Manuel Pereira,  Sally Púrpura do Cairo, publicada no semanário Sete, s/d, sobre o filme When Harry Meet Sally.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

POSTAIS SEM SELO


Posso ser um idiota, mas a maior parte dp tempo, de qualquer maneira, tentei fazer o que era certo – e os sonhos só são sonhos, não são? Por isso não importa o que tenha acontecido ou deixado de acontecer, porque sabem uma coisa? Eu posso olhar para trás e dizer que pelo menos não tive uma vida chata.
Percebem o que quero dizer?

Winston Groom em Forrest Gump

Legenda: Tom Hanks no filme Forrest Gump de Robert Zemeckis

OS CROMOS DO BOTECO


Há quem as considere fatelas, mas gosto deste tipo de capas.
Esta, mais pela vista do rio do que pelo resto.
Vendo de repente, até dá a ideia que a Fernanda Maria está a trincar a vedação!!!.
Fernanda Maria canta:

As Contas do meu Rosário - Vida Inteira . Mataste o Meu Coração - Sonho Fadista

FÉRIAS


Desde os dez e os quinze anos, nós imitamos a despreocupação, mas não a vivemos nunca mais. As férias dos adultos são a consagração das suas neuroses. Sendo assim, escolhemos para as um livro que não lemos, traçamos um plano que nos fatiga, compramos coisas que não nos interessam, achamos admiráveis as paisagens que mais dispensamos. E por fim aborrecemos os outros dizendo-lhes como nos divertimos; porque a alegria não se transacciona, e toda a gente sabe isso. Está dito que eu não gosto de férias.

Agustina Bessa-Luís em Caderno de Significados

Legenda: pintura de Van Gogh

OLHAR AS CAPAS


Forrest Gump

Winston Groom
Tradução: Nuno Castro
Colecção: Os Livros do Cinema
Diário de Notícias, Lisboa s/d

Deixem-me dizer-lhes uma coisa: ser um idiota não é nenhuma caixa de bombons. As pessoas riem-se, perdem a paciência, tratam-nos mal. Ora bem, costuma-se dizer que as pessoas devem ser simpáticas com os afligidos, mas deixem-me dizer-lhes - nem sempre são assim as coisas. Mesmo assim não tenho razão de queixa, porque acho que acabei por ter uma vida bastante interessante, por assim dizer.
Sou um idiota desde que nasci. O meu Q.I. anda pelos 70, o que me faz um, segundo dizem as pessoas. No entanto, é provável que seja mais perto de ser um imbecil, ou mesmo um cretino, embora eu pessoalmente prefira ver-me como um mentecapto, ou qualquer coisa assim - e não um idiota -porque quando as pessoas pensam em idiotas, o mais certo é que pensem num desses mongólicos - esses com os olhos muito perto um do outro que parecem chineses, que se babam e que estão sempre a tocar-se.
É verdade que sou lento – isso admito, mas provavelmente sou muito mais esperto do que as pessoas pensam, porque o que passa pela minha cabeça é um bocado diferente daquilo que vêem as pessoas. Por exemplo, eu posso pensar bastante bem as coisas, mas quanto tento dizê-las ou escrevê-las, parece que saem como gelatina ou qualquer coisa assim.

domingo, 18 de setembro de 2016

ANDORINHAS


Setembro.
Vão-se embora as andorinhas,
Guincham, voltejam incessantes
Em torno da minha casa de campo
(Que eu tenho uma cada de campo
Que, apesar de bem disposta
E muito branca e asseada,
     Ninguém compra).

Em voos de despedida,
Agora rentes ao chão
      E logo altas,
Como quem pede perdão
      Para as suas faltas,
(ai, penas, e asas minhas!)
Vão-se embora as andorinhas.

Afonso Duarte em Ossadas

Legenda: fotografia de Pedro Barata