quarta-feira, 28 de setembro de 2016

DA VIDA MARÍTIMA DE LISBOA


Os habitantes de Lisboa, tirando os que vivem do mar, quase não sabem da sua vida marítima de grande porto. Poucas são as janelas da cidade abertas para o estuário imenso e maravilhoso. Quando muito, os lisboetas vão até ao Terreiro do paço nas noites calmas de Verão, mas ignoram tudo da vida do rio: os pescadores à linha da ponta do Cais do Sodré; as lentas fragatas que deslizam carregadas de fardos, de sacos, ou de barris, com a sua grande vela, tantas vezes rubra como um grito; as embarcações em repouso, onde fumega um fogareiro com a caldeirada; a descarga do peixe para a Ribeira, com a agitação do povoléu varino; os trabalhos da estiva nos cais onde acostam os cargueiros e os grandes paquetes luxuosos, com o ranger dos guindastes e dos guinchos; o movimento do desembarque de turistas nos cais da Rocha ou de Alcântara; a chegada ou partida dos navios portugueses das carreiras de África; os preparativos dos bacalhoeiros em véspera de partida para os bancos da Terra Nova; as reparações dos vapores nas docas secas e a construção de novos navios nos estaleiros, com o seu martelar metálico; a faina constante dos rebocadores e gasolinas, como gaivotas à roda dos grandes vapores – todo esse fervilhar ruidoso e colorido que é o espectáculo mais curioso de Lisboa.

José Osório de Oliveira na revista Panorama, início dos anos 50.


Legenda: fotografia de Artur Pastor

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