Os
habitantes de Lisboa, tirando os que vivem do mar, quase não sabem da sua vida
marítima de grande porto. Poucas são as janelas da cidade abertas para o
estuário imenso e maravilhoso. Quando muito, os lisboetas vão até ao Terreiro
do paço nas noites calmas de Verão, mas ignoram tudo da vida do rio: os pescadores
à linha da ponta do Cais do Sodré; as lentas fragatas que deslizam carregadas
de fardos, de sacos, ou de barris, com a sua grande vela, tantas vezes rubra
como um grito; as embarcações em repouso, onde fumega um fogareiro com a
caldeirada; a descarga do peixe para a Ribeira, com a agitação do povoléu
varino; os trabalhos da estiva nos cais onde acostam os cargueiros e os grandes
paquetes luxuosos, com o ranger dos guindastes e dos guinchos; o movimento do
desembarque de turistas nos cais da Rocha ou de Alcântara; a chegada ou partida
dos navios portugueses das carreiras de África; os preparativos dos
bacalhoeiros em véspera de partida para os bancos da Terra Nova; as reparações
dos vapores nas docas secas e a construção de novos navios nos estaleiros, com
o seu martelar metálico; a faina constante dos rebocadores e gasolinas, como
gaivotas à roda dos grandes vapores – todo esse fervilhar ruidoso e colorido
que é o espectáculo mais curioso de Lisboa.
José Osório de Oliveira na revista Panorama, início dos anos 50.
Legenda: fotografia de Artur Pastor
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