A conversa
durava já há tanto tempo que se havia tornado insuportável.
A
lenga-lenga, essa era sempre a mesma…
Que as
estantes estavam horríveis e apinhadas de discos… Que os vinis as ocupavam de
ponta a ponta, não deixando espaço para um único bibelot… Que havia CD’s arrumados em primeiras, segundas e
terceiras filas, e outros ainda pior, empilhados tão ao alto que não deixavam
sequer ver as molduras, principalmente aquela do pai e da mãe no dia do seu
casamento, de que tanto gostava… E se quisesse ir ver melhor, certamente que
ainda acabaria por encontrar outros CD’s escondidos debaixo da cama, dentro de
caixas de sapatos…
Pensou
então para com os seus botões que a coisa tinha chegado a um ponto tal que só
haveria uma saída possível: os discos ou a Mulher, um deles teria de saltar
borda fora…
Num
momento de fraqueza e insanidade mental, optou por ficar com a Mulher.
Agora, as
estantes estão lindas…!
As obras
completas das irmãs Bronté em vários volumes de uma belíssima capa dura verde
escura, com letras e debruados a dourado…; dois pequeninos elefantes de marfim,
virados um para o outro…; uma bonita colecção de dedais de porcelana, pintados
com retratos de Mozart, Chopin, a Rainha Sissi e o Palácio de Edimburgo…;
um pequenino chapéu de dama antiga, também em porcelana…; um minúsculo
sininho de vidro, com a garantia da Cristal Atlantis…; uma lindíssima colecção
de leques de mulher, o mais bonito dos quais com uma pintura da Senhora de
Covadonga…; e, é claro, bem enquadrada no meio de tudo e em moldura dourada, a
fotografia do seu pai e da sua mãe, no dia do casamento…!
Quando
hoje lhe perguntam se não sente saudades da sua Música, responde que não, que
tem tudo gravado na memória.
E quando a
Família e os Amigos lhe chamam a atenção por ficar, por vezes, demasiado tempo
parado em silêncio, com o olhar perdido no vazio, é, muito provavelmente, uma
dessas músicas que está a ouvir…
Luís Miguel Mira
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