domingo, 25 de setembro de 2016

AS ESTANTES


A conversa durava já há tanto tempo que se havia tornado insuportável.

A lenga-lenga, essa era sempre a mesma…

Que as estantes estavam horríveis e apinhadas de discos… Que os vinis as ocupavam de ponta a ponta, não deixando espaço para um único bibelot… Que havia  CD’s arrumados em primeiras, segundas e terceiras filas, e outros ainda pior, empilhados tão ao alto que não deixavam sequer ver as molduras, principalmente aquela do pai e da mãe no dia do seu casamento, de que tanto gostava… E se quisesse ir ver melhor, certamente que ainda acabaria por encontrar outros CD’s escondidos debaixo da cama, dentro de caixas de sapatos…

Pensou então para com os seus botões que a coisa tinha chegado a um ponto tal que só haveria uma saída possível: os discos ou a Mulher, um deles teria de saltar borda fora…

Num momento de fraqueza e insanidade mental, optou por ficar com a Mulher.

Agora, as estantes estão lindas…!

As obras completas das irmãs Bronté em vários volumes de uma belíssima capa dura verde escura, com letras e debruados a dourado…; dois pequeninos elefantes de marfim, virados um para o outro…; uma bonita colecção de dedais de porcelana, pintados com  retratos de Mozart, Chopin, a Rainha Sissi e o Palácio de Edimburgo…; um pequenino chapéu de dama antiga, também em porcelana…;  um minúsculo sininho de vidro, com a garantia da Cristal Atlantis…; uma lindíssima colecção de leques de mulher, o mais bonito dos quais com uma pintura da Senhora de Covadonga…; e, é claro, bem enquadrada no meio de tudo e em moldura dourada, a fotografia do seu pai e da sua mãe, no dia do casamento…!

Quando hoje lhe perguntam se não sente saudades da sua Música, responde que não, que tem tudo gravado na memória.

E quando a Família e os Amigos lhe chamam a atenção por ficar, por vezes, demasiado tempo parado em silêncio, com o olhar perdido no vazio, é, muito provavelmente, uma dessas músicas que está a ouvir…

Luís Miguel Mira

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