segunda-feira, 31 de outubro de 2016

SONHAR COM AQUELA IMENSIDÃO


Assim, na América, quando o sol se põe e me sento no velho desembarcadouro do rio a olhar os longos, os tão longos céus de New Jersey, e sinto toda aquela terra crua que se estende numa elevação incrível até à Costa Oeste, e toda aquela estrada, todas as pessoas sonhando com aquela imensidão, e sei que em Iowa, as crianças devem estar a chorar na terra onde deixam as crianças chorar, e que hoje haverá estrelas no céu, que a estrela vespertina deve estar a romper e a lançar a sua claridade faiscante sobre a pradaria, precisamente antes que a noite abençoada se feche por completo sobre a terra, escureça todos os rios, envolva os cumes e se dobre na praia final, sem que ninguém, absolutamente ninguém saiba o que vai suceder a ninguém. Além dos desamparados farrapos do envelhecer, penso em Dean Moriaty, penso mesmo no velho Dean Moriaty, o pai que nunca encontrámos, penso em Dean Moriaty.

Jack Kerouac em Pela Estrada Fora.

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

OLHARES


Uma Cutelaria na Rua de Santa Bárbara em Lisboa.

domingo, 30 de outubro de 2016

POSTAIS SEM SELO


Alguém me habita como uma árvore ou um planeta.
Estou perto e estou longe no coração do mundo.

António Ramos Rosa

OLHAR AS CAPAS


O Livro Assassino

Rex Stout
Tradução: Mascarenhas Barreto
Capa: A. Pedro
Colecção Vampiro nº 391
Livros do Brasil, Lisboa s/d

- Está tudo acabado! anunciei. – Senti que você gostaria de saber o resultado. O júri esteve fechado, a discutir, durante nove horas, mas acabou por concertar um veridicto de culpabilidade de assassínio de primeiro grau. Como sane, O’Malley foi julgado pelo assassínio de Rachel Abrams e não pelo do seu irmão, o que não faz a menor diferença. Considerado culpado por um dos seus crimes, é o mesmo que ser sentenciado pelos quatro. Na cadeira eléctrica, só se morre uma vez.
- Lá isso é verdade! Obrigada por ter-me telefonado. Estou a ouvi-lo tão de perto, que é como se o tivesse aqui.
- Gostaria de estar – lisonjeei. – Que tempo faz por essas bandas? Está a chover?
- Oh, não! Está um sol brilhante e corre uma brisazinha tépida, adorável! Porque pergunta isso? Está a chover em Nova Iorque?
-  Pode estar certa de que chove a «potes». Parece que trago a chuva comigo, vá eu para onde for! Lembra-se do estado em que me viu, pela primeira vez, através do postigo da porta?
- Certamente! Nunca mais me esquecerei de si.
- Nem eu, Peggy. Adeus! Até um dia… quem sabe?
- Adeus, Archie!
Realmente, nesta vida, quem sabe? O mundo dá muitas voltas e há maridos que, embora tão «senhores do seu nariz», como imbecis, se lembrar de ir «desta para melhor». Nessas coisas, quem manda é o Destino… E se ele me mandasse para aqueles lados, não deixaria de aproveitar para bater à mesma porta e exultar ao dizer: «Viva, Peggy!»

OLHARES



Vista parcial, e recente, do Estádio da Tapadinha.

Tirando o Campo Grande, a velha estância de madeira, e a Luz, a Tapadinha é o estádio onde mais vezes vi jogar o Benfica.

Por motivos que não consigo vislumbrar, nunca lhe perguntei, nunca disso falámos, o meu avô ia sempre, ver o Benfica jogar com o Atlético.

Também me lembro de irmos ao campo do Oriental, o Engenheiro Carlos Salema na célebre Azinhaga dos Alfinetes, mas nunca pusemos os pés nas Salésias, no Restelo, ou em Alvalade.

Talvez porque, tanto o Atlético como o Oriental, fossem clubes populares, gente operária.

O Belenenses era o clube dos ricos, até tinha como sócio, Américo Tomaz, o cabeça de abóbora do regime salazarista/marcelista e o Sporting, bom, o Sporting enfim… nem vale a pena falar…
lembrava-se sempre do tipo da legião portuguesa que, de pistola em punho, entrou cabine adentro, ou do ultra Cazal Ribeiro.

O meu paidizia-lhe que há de tudo nos clubes, o Silva Pais, director da Pide, era sócio do Benfica, tantos outros exemplos...

O meu avô não desarmava e acrescentava que esse, realmente, era uma filho da dita, mas era nosso, quanto aos outros não havia desculpa...

O meu pai encolhia os ombros, e, como o Silva Pais não fazia parte da minha colecção de cromos da bola, só mais tarde tive o enquadramento deste diálogo do meu pai com o meu avô.

O Atlético era o clube do Ernesto, do Ben David, do Germano, mais tarde campeão europeu pelo Benfica e de três excelentes argentinos de que só lembro o Imbelloni e onde Sebastião Lucas da Fonseca, vulgo Matateu, jogou depois de, em 1964, ter abandonado o clube rival Os Belenenses.

O Oriental era o clube do França, do Leitão e onde terminaram carreira o Azevedo, guarda-redes que foi do Sporting e o benfiquista Rogério Lantres de Carvalho, vulgo Pipi.

O Atlético foi fundado em 18 de Setembro de 1842, e resultou da fusão do União Football de Lisboa de Santo Amaro e o Carcavelinhos Football Clube de Alcântara.

O Clube Oriental de Lisboa foi fundado em 8 de Agosto de 1946, resultou da fusão  de três clubes da zona de Marvila: o Chelas Futebol Club, Marvilense Football Club e Grupo Desportivo “Os Fósforos”. 

OLHARES



Vista parcial, e recente, do Estádio da Tapadinha.

Tirando o Campo Grande, a velha estância de madeira, e a Luz, a Tapadinha é o estádio onde mais vezes vi jogar o Benfica.

Por motivos que não consigo vislumbrar, nunca lhe perguntei, nunca disso falámos, o meu avô ia sempre, ver o Benfica jogar com o Atlético.

Também me lembro de irmos ao campo do Oriental, o Engenheiro Carlos Salema na célebre Azinhaga dos Alfinetes, mas nunca pusemos os pés nas Salésias, no Restelo, ou em Alvalade.

Talvez porque, tanto o Atlético como o Oriental, fossem clubes populares, gente operária.

O Belenenses era o clube dos ricos, até tinha como sócio, Américo Tomaz, o cabeça de abóbora do regime salazarista/marcelista e o Sporting, bom, o Sporting enfim… nem vale a pena falar…
lembrava-se sempre do tipo da legião portuguesa que, de pistola em punho, entrou cabine adentro, ou do ultra Cazal Ribeiro.

O meu paidizia-lhe que há de tudo nos clubes, o Silva Pais, director da Pide, era sócio do Benfica, tantos outros exemplos...

O meu avô não desarmava e acrescentava que esse, realmente, era uma filho da dita, mas era nosso, quanto aos outros não havia desculpa...

O meu pai encolhia os ombros, e, como o Silva Pais não fazia parte da minha colecção de cromos da bola, só mais tarde tive o enquadramento deste diálogo do meu pai com o meu avô.

O Atlético era o clube do Ernesto, do Ben David, do Germano, mais tarde campeão europeu pelo Benfica e de três excelentes argentinos de que só lembro o Imbelloni e onde Sebastião Lucas da Fonseca, vulgo Matateu, jogou depois de, em 1964, ter abandonado o clube rival Os Belenenses.

O Oriental era o clube do França, do Leitão e onde terminaram carreira o Azevedo, guarda-redes que foi do Sporting e o benfiquista Rogério Lantres de Carvalho, vulgo Pipi.

O Atlético foi fundado em 18 de Setembro de 1842, e resultou da fusão do União Football de Lisboa de Santo Amaro e o Carcavelinhos Football Clube de Alcântara.

O Clube Oriental de Lisboa foi fundado em 8 de Agosto de 1946, resultou da fusão  de três clubes da zona de Marvila: o Chelas Futebol Club, Marvilense Football Club e Grupo Desportivo “Os Fósforos”. 

sábado, 29 de outubro de 2016

POSTAIS SEM SELO


A ideia de que odeio Los Angeles, é um mito. a cidade é «um mito. Nunca a odiei. É só um lugar onde nunca viveria porque não gosto de sol e não gosto de estar dependente de um carro. Gosto de cidades como Nova Iorque, em que saio de casa e estou logo no meio de tudo, e há barulho e trânsito e cinzento, dias cinzentos e neve.

Woody Allen

Legenda: fotograma de Manhattan, filme de Woody Allen

DO BAÚ DOS POSTAIS


O Cais da Ribeira em outros tempos,

NOTÍCIAS DO CIRCO


Querer saber onde está Mário Nogueira para o picar para sair para a rua com a Fenprof. Querer humilhar o PCP e o BE “por estarem tão mansinhos” e picá-los para quebrarem com fragor a “paz social”. Queixar-se de que não há manifestações e chorar de saudades pela desocupação do espaço em frente das escadarias da Assembleia. Apelar à CGTP para que faça greves e motins como fazia “antes”. Dizer com mágoa, como Marques Mendes, “quem os viu e quem os vê”, com saudades de “quem os viu”. A lista do ridículo seria interminável. Ó homens! Eles têm uma coisa muito mais importante do que a rua — ganharam poder político. Ó homens! E, muito mais do que isso, têm poder político para ajudar melhor a “rua” do que se viessem para a rua. Aliás, é isso mesmo que, dia sim, dia não, vocês dizem. Então, em que ficamos? “Quem governa é o BE”, ou o “PS meteu-os no bolso”? Não foram “eles” que perderam poder, foram vocês. E sempre podem ocupar o vazio da rua e das manifestações, está lá à disposição. E não há causas mobilizadoras? Ou não há gente?

José Pacheco Pereira no Público

Legenda: pintura de Nikias Skapinakis

OLHAR AS CAPAS


Balada do Café Triste

Carson McCullers
Tradução: José M. Guardado Moreira
Capa: Jorge Colombo
Colecção Ficções nº 14
Relógio d’Água, Lisboa s/d

É uma terra sombria. Não tem mais do que uma fábrica de algodão, casas de duas assoalhadas onde vivem os operários, alguns pessegueiros, a igreja com duas janelas de vitral e uma rua principal, feia, com apenas cem jardas de comprido. Aos sábados, os rendeiros das quintas em redor vão até lá para um dia de conversa e compras. Nos outros dias, está vazia e triste, como todos os lugares perdidos e distantes do mundo. O apeadeiro de comboio mais próximo é em Society City e as carreiras de camionetas Greyhound e White passam na estrada de Fork Falls, a três milhas de distância. Os invernos são curtos e ásperos, os verões resplandecentes e de um calor atroz.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

POSTAIS SEM SELO


Estou a gostar de chegar amanhã e estar vivo ainda.  

Luiz Pacheco, entrevista a João Paulo Guerra, 19 de Maio de 1992.

Legenda: cartoon da autoria de Pedro Vieira

JOÃO LOBO ANTUNES (1944-2016)


A morte de João Lobo Antunes é uma perda irreparável e deixa um enorme lastro de tristeza.
A Visão recorda uma crónica de António Lobo Antunes: O Meu Irmão João.

É talvez a pessoa que conheço melhor no mundo e todavia quase não falamos. Para quê? São desnecessárias as palavras entre nós, passámos mais de vinte anos, acho eu, no mesmo quarto, num silencioso princípio de vasos comunicantes que até hoje se mantém. Para além do muito amor que raramente lhe manifestei tenho uma imensa admiração por ele e um orgulho sem limites. Herdou do nosso pai (herdaste do pai, sim, tem paciência) a honestidade, o carácter, a coragem e o horror à mentira. Desde criança foste sempre valente. Se assim à má fila me ordenassem que dissesse duas características tuas respondia logo a valentia e o pudor, formas supremas da elegância. E isto desde que te conheço, tu que nasceste vinte meses depois de mim (o número vinte deu-lhe para me perseguir hoje) que era cobarde e despudorado e custou-me tanto ver-me livre dessa ganga nojenta, zangado de vergonha comigo. Foste sempre digno e discreto contigo mesmo e com os outros e bem sei, sem mo teres dito, as dificuldades e as dores que sofreste, a carne viva que escondes e eu vejo, a compaixão que não mostras e eu sinto. E a tua oculta e bondosa generosidade. O rigor também, a falta de complacência para com a ingratidão, a pulhice, os sentimentos rasteiros. Claro que tens defeitos: alguns divertem-me, outros enternecem-me, nenhum me incomoda, talvez por serem os defeitos das tuas qualidades da mesma maneira que um automóvel possui os travões adequados à potência do motor. Se fosse Deus não mudava grande coisa em ti: talvez trocasse um móvel de posição, alterasse uma jarra, substituísse um quadro. Na casa não mexia: agrada-me que seja como é. E depois claro que te foi dada uma inteligência superior e isso não vale a pena mencionar porque no meu caso não me serve de nada, ninguém é tão estúpido como um homem inteligente e muitas das asneiras que f z conhece-las de ginjeira. Lembras-te da mãe - Tão inteligentes para umas coisas, tão estúpidos para outras mas eu canalizei tudo para a escrita, construí-me para isso e os teus interesses são mais variados que os meus. E no meio disto somos tão ingénuos ambos, sensíveis à lisonja, por vezes completamente parciais, cegos em relação aos amigos, de julgamento turvado quando os afectos se misturam nele. É curioso como, sendo diferentes, temos coisas idênticas. O pai não queria filhos, queria campeões de karaté. Conseguiu-os e o preço disso foi uma parte nossa amputada e uma sede de amor sem limites, em ti cuidadosamente escondida. A gaita é que eu sou desbocado e tu não, vivo nas nuvens e tu só às vezes, porque eu vivo nas nuvens e das nuvens e tu tens de confrontar-te com uma realidade imediata que te dá um peso específico maior que o meu e uma relação necessariamente pragmática com certos aspectos do quotidiano. Estou para aqui a escrever isto e a pensar na educação que recebemos, normativa, implacável, no limite da impiedade e da dureza. Quantas vezes nos revoltámos contra ela e, no entanto, que importante foi. Um pai que competia connosco e, mais tarde, te invejava. É terrível a relação do fi lho com o pai, julgando-se mutuamente numa ferocidade sem doçura. Nunca foi doce. Nem tolerante. Que egoísmo horrível naquele homem. E por baixo disso tudo uma vaidade em nós, ou antes uma vaidade nele dado imaginar (a imaginação não era o seu forte, nem o sentido de humor, nem a criatividade) que nos havia feito peça a peça e não fez. Não nos poupava mas poupava-se a si. Dito desta forma parece que lhe quero mal. Não quero. Só que não me acho em dívida: o preço foi alto. Levou a vida que quis, como quis, e impunha-nos à força a sua vontade. É curioso, João: dá-me pena que tenha morrido. Movia-se por paixões, entusiasmava-se e gostava de nós através das nossas filhas por lhe ser impossível amar-nos abertamente. E contudo, mau grado o que acabo de dizer, não duvido do seu amor e de um orgulho genuíno nos filhos, que fazia os possíveis por disfarçar. Estou a ser injusto, de longe em longe descuidava-se. E apesar do que afirmo, gaita, era, é o nosso pai. Não esqueço as palavras de Herculano a propósito de Garrett que ele repetiu dúzias de ocasiões ao longo dos anos - Por meia dúzia de moedas o Garrett é capaz de todas as porcarias, menos de uma frase mal escrita ou da ordem de Filipe Segundo ao arquitecto do Escorial - Façamos qualquer coisa que o mundo diga de nós que fomos loucos e como esses dois preceitos se gravaram na gente. Isto foi importante para além do que declarei a teu respeito e herdaste dele de facto: a honestidade, o rigor e a coragem. É bom ser filho de um homem desta têmpera e essas qualidades nasceram contigo. Talvez com outro pai houvesses sido igual, não sei. Capaz de todas as porcarias menos de uma frase mal escrita: para mim foi um tiro na mouche. Em cheio. E estou-lhe grato por isso. Estou-lhe grato também pelos irmãos que foram aparecendo, a chorarem como uns danados até aos dois anos, raios os partam. À mãe igualmente claro, de quem a avó nos dizia - Vocês matam a vossa mãe numa convicção que me confundia. Via-nos a apunhalá-la com a faca do pão, a da serrilha grande, e ela a torcer-se na cozinha. Felizmente sobreviveu à faca e segue viva da costa. Agora, há uma semana, sucedeu aquilo do Pedro e de novo te admirei, mano, a tua eficiência, a tua capacidade de decisão, o teu valor, a rapidez pragmática do teu afecto, eu que de pragmático, pobre de mim, nada tenho. Quando acabaste de operá-lo apeteceu-me beijar-te. Claro que não beijei mas sabes que beijei: és o meu irmão João. Aquele a quem me une um silencioso princípio de vasos comunicantes. E com que alegria repito isto dentro de mim: o meu irmão João. O meu irmão João para sempre.

BALADA DEL QUE NUNCA FUE A GRANADA



Qué lejos por mares, campos y montañas!
Ya otros soles miran mi cabeza cana.
Nunca fui a Granada.

Mi cabeza cana, los años perdidos.
Quiero hallar los viejos, borrados caminos.
Nunca vi Granada.

Dadle un ramo verde de luz a mi mano.
Una rienda corta y un galope largo.
Nunca entré en Granada.

¿Qué gente enemiga puebla sus adarves?
¿Quién los claros ecos libres de sus aires?
Nunca fui a Granada.

¿Quién hoy sus jardines aprisiona y pone
cadenas al habla de sus surtidores?
Nunca vi Granada.

Venid los que nunca fuisteis a Granada.
Hay sangre caída, sangre que me llama.
Nunca entré en Granada.

Hay sangre caída del mejor hermano.
Sangre por los mirtos y aguas de los patios.
Nunca fui a Granada.

Del mejor amigo, por los arrayanes.
Sangre por el Darro, por el Genil sangre.
Nunca vi Granada.

Si altas son las torres, el valor es alto.
Venid por montañas, por mares y campos.
Entraré en Granada.

Rafael Alberti

Música: Paco Ibañez

PAPÉIS DATADOS


Aos 96 anos de idade, durante o sono, com toda a serenidade dos poetas, morreu Rafael Alberti.

Vai ser devolvido ao mar, como insistentemente pediu.

Ao azul, como o culminar de todos os azuis.

Chegou a ser deputado pelo Partido Comunista mas aborreceu-se depressa.

Aquela vida, aquelas reuniões nada tinham a ver com as camisas floridas e o seu boné de marinheiro.

Morreu em Puerto de Santa Maria, Cadiz.

Com o mar a bater ao fundo e o perfume dos jacarandás e das buganvílias.

Um silêncio azul.

(28.10.1999)


NOTÍCIAS DO CIRCO


Alan Ruiz, jogador do Sporting, é um fã incondicional de carros e pouco depois de ter chegado a Portugal adquiriu um Ferrari de cor… vermelha.
Ora, por decreto presidencial, o vermelho é cor proibida em Alvalade.

Ainda recentemente, numa entrevista a um jornal espanhol, Bruno de Carvalho, falou da sua luta contra qualquer ponte de cor vermelha ande por Alvalade ou Alcochete, chegando a ironizar de que a questão dos extintores de incêndios, está em análise.

Alan Ruiz desloca-se no Ferrari para a Academia, em Alcochete, mas não o estaciona no parque reservado aos jogadores, sendo remetido para o parque reservado aos visitantes da Academia de Alcochete.

O jogador já foi aconselhado a mudar a cor do carro. 

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

POSTAIS SEM SELO


Morrer é mais difícil do que parece.

Paulo Varela Gomes

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


Anúncio publicado em O Século de 14 de Maio de 1967.

GRANDE PRÉMIO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESCRITORES


Paulo Varela Gomes foi distinguido, a título póstumo, com o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores pela obra Era Uma Vez em Goa.

Paulo Varela Gomes morreu a 30 de Abril do ano passado, aos 63 anos, mas a Associação aceitou a admissão do romance a concurso, por ter sido editado ainda em vida do autor.

Eram finalistas a este prémio, no valor de 15 mil euros, as obras Flores, de Afonso Cruz, As Claras Madrugadas, de Amadeu Lopes Sabino, Os Timorenses (1973-1980), de Joana Ruas, e O Sonho Português, de Paulo Castilho.

O júri foi constituído por José Correia Tavares, Dionísio Vila Maior, Fernando Pinto do Amaral, Isabel Cristina Rodrigues, José Manuel de Vasconcelos e Paula Mendes Coelho.

Publicado em Fevereiro de 2015, Era Uma Vez em Goa, está editado pela Tinta-da-China.

NOTÍCIAS DO CIRCO




Até dá a ideia que o Vaticano não tem outras causas, bem mais importantes e urgentes, a que de dedicar.


A Igreja continua a querer esquecer que, como disse António Gedeão, o mundo pula e avança.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O HALLOWEEN DOS ANIMAIS


Do folheto de O Continente de 25 a 31 de Outubro.

NOTÍCIAS DO CIRCO


António Domingues, como novo presidente da Caixa Geral de Depósitos, terá um salário mensal de 30 mil euros.
Se a competência dos gestores bancários acompanhasse os elevados valores dos seus vencimentos, teríamos de chegar à conclusão que a Banca não estaria no estado calamitoso em que se encontra.

MULHERES DE PASSAGEM


Mulheres a quem vi por um instante 
dentro de trens à hora em que partiam 
para outro lugar, mulheres que riam 
nos braços de um outro homem, exultantes; 

mulheres em balcões, a olhar diante 
de si (tão distraídas) o vazio, 
ou a agitar do convés de um navio 
que zarpava seus lenços vacilantes: 

se soubésseis com quanta nostalgia 
eu vos trago de novo ao pensamento 
pelas tardes de chuva, tardes frias, 

mulheres que passastes um momento 
em minha vida - e agora conduzis 
minha alma a um exótico país!

Kostas Ouránis

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

PERFEITO SÓ CRISTO!


Tal como ficou prometido em AH!... AS ABÓBORAS!...

terça-feira, 25 de outubro de 2016

RITUAL DIÁRIO DO CAFÉ


- Quando é que o café vai abrir? – pergunto-lhe eu.
- Quando o tempo mudar, no início da primavera, espero eu. Eu e alguns amigos. Temos de reunir as nossas coisas, e precisamos de um pouco mais de capital para comprar algum equipamento.
Pergunto-lhe quanto, oferecendo-me para investir.
- Tens a certeza? – pergunta ele um pouco admirado, pois a verdade é que não nos conhecemos por aí além, somos apenas cúmplices no nosso ritual diário do café.
- Sim, tenho a certeza. Em tempos pensei ter um café meu.
- Vais poder beber café de graça até ao fim da tua vida.
- Deus queira – digo eu.
Sento-me em frente do café sem igual do Zak. Por cima, as ventoinhas rodopiam, simulando as quatro direcções de um catavento. Ventos fortes, chuva fria, ou ameaça de chuva; uma sequência indistinta de calamidades vindas do céu  impregnou subtilmente a minha existência. Sem me dar conta, caio numa inquietação ligeira, embora prolongada. Não é bem uma depressão, é mais o fascínio por uma melancolia que rodo na minha mão como se fosse um pequeno planeta, raiado de sombra, impossivelmente azul.

Patti Smith em MTrain

Legenda: pintura de Raymond Leech

COISAS EXTINTAS OU EM VIAS DE...


Chove em Lisboa.

Mircea Eliade que, entre 1941/44, foi adido cultural da Embaixada da Roménia em Lisboa, dá uma imagem única dos amoladores de Lisboa:

Nunca em nenhum país ouvi apelo mais melancólico, mais dilacerante que o de o amolador de lisboa. Anuncia a sua passagem tirando de um flauta de pã alguns sons de uma tristeza perturbadora, longos, incertos, e subitamente abafados num apelo agudo como uma canção ferida. O amolador assobia o seu desespero, sobretudo nas tardes calmosas quando o sol adormece as grandes árvores e uma brisa vítrea acaricia as calçadas. Dir-se-ia o último homem vivo acompanhado da sua mágoa numa cidade abandonada. E volto a ouvi-lo ao crepúsculo quando o ar retoma a sua transparência e começam a fumegar as árvores cheirosas. É, sem dúvida, a expressão mais acabada da saudade.

Este som do amolador acompanha-me desde a infância.

A minha avó quando ouvia esse som, dizia que a chuva estava a chegar.

O amolador é uma figura, quase, desaparecida das ruas de Lisboa
.
Deixaram-se de colocar varetas nos chapéus-de-chuva.

Qualquer guarda-chuva, comprado nas lojas de chineses, fica mais barato do que o custo do trabalho do amolador.

Também já ninguém manda afiar facas e tesouras.

Legenda: a fotografia foi tirada, há 5 anos, na Rua Passos Manuel em Lisboa.

QUOTIDIANOS


Um verão inteiro a visitar-te para te olhar as mamas. um verão inteiro. ele fazia sempre o mesmo, logo após a hora do almoço, entrava na loja e dava uma volta pelas prateleiras, pelos expositores. foi logo no segundo ou no terceiro dia que ele te fez algumas perguntas avulsas sobre os livros. percebeste que ele podia estar ali para muitas coisas, mas não para comprar livros. mas todos os dias ele voltava, todos os dias do verão, para te olhar as mamas que o regalavam a sair do decote. a sua presença, um tanto inadequada nos primeiros dias, tornou-se habitual, quotidiana, agradável, quase. foi por isso que, apesar dele ter como único intuito olhar-te as mamas, tu sentiste a sua falta, no primeiro dia de frio deste ano.

Luís Filipe Cristóvão

Legenda: fotografia de Joshua Brooks

OLHA QUE DOIS!


Lauren Bacall e Frank Sinatra.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

POSTAIS SEM SELO


Na década de 60, a primeira versão do meu país que me pareceu verosímil e não sujeita a um filtro foi a que ouvi em canções de artistas como Bob Dylan, The Kingsmen, James Brown e Curtis Mayfield.

Bruce Sprinsteen

OLHARES





Lisboa.
Na parte norte do Jardim da Praça de Londres podem ver-se estas estátuas.
Faziam parte da fachada do Cine-Teatro Monumental.
A destruição do Monumental foi um dos muitos crimes de que a nossa cidade tem sido alvo.

OLHAR AS CAPAS


Os Últimos Marinheiros

Filipa Melo
Capa: Inês Sena
Fundação Francisco Manuel dos Santos, Junho de 2015

«Não olhes, que o mar chama», dizia-me o meu pai.

TALVEZ NO PRÓXIMO ANO SEJA UM FUTEBOLISTA



Bob Dylan continua a borrifar-se para o facto de ter de dizer qualquer coisa sobre o facto de ser Prémio Nobel da Literatura.

Tal como escreveu, a págs. 13, em Crónicas:

…e não sentia necessidade de explicar o que quer que fosse a ninguém.

José Mário Silva escrevia no último Expresso:

Para muitos, o novo rumo escolhido representa uma vulgarização inaceitável do mais prestigiado dos prémios e uma cedência ao relativismo cultural, que vem abolindo as tradicionais distinções entre alta e baixa cultura, arte erudita e popular.

Mas o tsunami que gerou a nomeação ainda não deixou de fornecer as mais diversas opiniões, sejam a favor ou contra a nomeação.

Mario Vargas Llosa, Nobel da Literatura em 2010, gosta de Bob Dylan, mas não concorda com a sua nomeação para o Nobel.

A cultura tende a converter-se em espectáculo e aquilo que se apresenta como uma democratização cultural não é mais do que "banalização do frívolo e este prémio foi um equívoco. E perguntou se, para promover ainda mais o Nobel, no próximo ano o vão dar a um futebolista. Na sua opinião, O prémio deveria distinguir uma grande obra que tenha marcado um tempo, ou a obra de um autor até aí pouco conhecido mas que mereça esse reconhecimento, e não o espectáculo de um grande cantor.
Talvez no próximo ano a Academia Sueca dê o prémio a um futebolista.

A poetisa Maria do Rosário Pedreira também não está de acordo com Dylan Nobel da Literatura e escreveu no seu Horas Extraordinárias:

Chamem-me bota-de-elástico. Não me importo. Eu, que por acaso até escrevo letras para canções e fados, não concordei com a escolha de Bob Dylan no passado dia 13. Por muito belas e profundas que sejam as suas canções, são isso mesmo, canções: texto + música (e ainda interpretação). Não creio que o texto sem a música se aguente e estou convencida de que, se Dylan nunca tivesse cantado os seus textos (poemas, para quem prefira), não teria ascendido à condição de poeta respeitável e nobelizável. A poesia de outros que foram anteriormente premiados – Seamus Heaney, Brodsky, Eliot, Quasimodo, Neruda, só para citar alguns – tem uma música intrínseca, diferente de caso para caso, que não precisa de nenhuma outra música para o texto brilhar. Ter a bengala de outra arte – a música, o cinema – para valorizar um texto é, de algum modo, diferente de se ser puramente escritor. Chamem-me chata. Não me importo.

domingo, 23 de outubro de 2016

À LUZ DE CANDEEIROS


Candeeiro na Rua da Oliveirinha às portas do Sol, Lisboa.

OLHAR AS CAPAS


Debaixo do Vulcão

Malcolm Lowry
Tradução: Virgínia Motta
Capa: Infante do Carmo
Colecção Dois Mundos nº 61
Livros do Brasil, Lisboa s/d

No ano anterior chovera precisamente quando não devia. E aquelas nuvens do sul indicavam tempestade. Teve a impressão de que cheirava a chuva. Pensou que nada lhe seria mais agradável do que ficar encharcado até aos ossos, caminhando, assim, por muito tempo, naquela região bravia, vestido de flanela branca, cada vez mais e mais encharcado. Pôs-se a observar as nuvens: eram como cavalos velozes, saltando pelo céu fora. Uma tempestade sinistra e extemporânea que ia estalar! Assim era o amor – pensou – o amor, quando chegava tarde de mais. Simplesmente, a esse não se sucedia a calma salutar, como quando a fragância da tarde ou a luz branda do sol e o calor voltavam à terra surpreendida! Laruelle apressou ainda mais o passo. E que semelhante amor, mudo, cego e louco, nos assalte – nem por isso o nosso destino é alterado de acordo com as precedentes comparações. Tonnere de Dieu… Não servia de nada dizer a que se assemelhava o amor quando vinha tarde de mais.

QUE VÃO PASSANDO E SE APANHAM POR AÍ


- Que tipo de música é que tocas?
- Música folk.
- Que género de música é a música folk?
Disse-lhe que eram canções que vão passando e se apanham por aí. Detestava este tipo de perguntas. Achei que podia ignorá-las. Billy parecia que tinha dúvidas a meu respeito e cá por mim tudo bem. De resto, não me apetecia responder às perguntas e não sentia necessidade de explicar o que quer que fosse a ninguém.
- Como é que chegaste aqui?
- Vim à boleia num comboio de mercadorias.
- Quer dizer, comboio de passageiros?
- Não, comboio de mercadorias.
- Quer dizer num vagão de carga?
- Isso, num vagão de carga. Como num comboio de mercadorias.

Bob Dylan em Crónicas

QUOTIDIANOS


De há muito que o esquecimento me invadiu.
Um poucochinho em cada dia, assim sem se dar muito por isso
Perco-me no tempo, não encontro a ponta aos muitos novelos que me vão aparecendo.
A memória regista coisas antigas mas que não me servem para nada.
Tal como escrevia Albert Camus, em Outubro de 1946:
A memória fraqueja-me de há um ano para cá. Incapacidade de fixar uma história contada – de lembrar trechos inteiros do passado, que, no entanto, foram bem vivos.

Legenda: fotografia encontrada em Person.

sábado, 22 de outubro de 2016

POSTAIS SEM SELO


As livrarias fazem parte da minha família,

Alice Vieira em Bica Escaldada

SARAMAGUEANDO


Um homem extremamente tímido, reservado, que vestia uma couraça para se proteger dessa timidez espantosa.
Ele também era tudo menos simples. Recusava as respostas prontas, O sim e o não ficavam de fora das nossas questões. Queria que pensássemos. Era assim que ela era como pai, como escritor e como cidadão interventivo. Não existiam vários Saramagos. O que ele foi, o que ele era está ali, na obra que deixou. Estar a ler o meu pai é como estar a ouvi-lo a falar, porque ele escrevia como falava. Não era um homem de sim e não, era um homem que respondia, procurando sempre uma explicação.

Violante Saramago no Público de Outubro de 2016,

Legenda: fotografia de Gregário Cunha/Público

OLHARES


Lisboa, Rossio.
A livraria já não existe.
Agora é uma casa de trapos.
Fui muitas vezes a esta delegação do Diário de Notícias colocar anúncios e comprar números atrasados do jornal.

QUOTIDIANOS


O poeta nunca entra em casa pela porta. E nem sempre usa a janela. Por uma questão de princípio, o poeta entra em casa por um buraco no telhado ou deitando abaixo uma parede. E esta é – e não outra – a razão pela qual muitos poetas dormem na rua. Ou racham a cabeça vezes sem conta.

Rui Manuel Amaral


Legenda: fotografia de Christopher Mathias

OLHAR AS CAPAS


Bica Escaldada

Alice Vieira

Capa: Maria Manuel Lacerda
Oficina do Livro, Lisboa, Junho de 2009

Entro numa livraria como quem entra num santuário, onde o direito de asilo nos é sempre garantido. Nas cidades que não conheço. É sempre o primeiro lugar que procuro e nunca resisto a entrar quando ela se atravessa no meu caminho. As livrarias fazem parte da minha família. São amigas de infância. É nelas que marco encontros com amigos, é passando a mão pelas capas dos seus livros que desfaço neuras e procuro energias. Claro que há as minhas livrarias de eleição, aquelas a que, por qualquer motivo, me habituei como ao café da manhã ou o jornal comprado no quiosque de sempre: durante anos e anos a Quadrante foi a minha segunda casa, uma espécie de baby-sitter para os meus filhos pequenos, que lá deixava rodeados de livros e vigiados pela Nini, uma cadela com quem partilhavam festas e lambidelas nos chupa-chupas – até que um dia a Quadrante fechou e, até hoje, nada lá conseguiu vingar. Já foi casa de pronto-a-vestir, já foi loja de móveis, já foi galeria de arte, neste momento alberga a redacção de uma revista de saúde a quem, evidentemente, desejo muita sorte e que consiga vencer a maldição. E há ainda as livrarias mágicas, aquelas sem as quais os lugares, para mim, perdiam muito da sua razão de ser: ir ao Porto sem ter tempo para entrar na Lello, não vale a pena; ir a Londres sem horas disponíveis para a Waterstone, é um desperdício.
E depois há aquelas velhíssimas lojas, que são livrarias, mas também vendem revistas de bordados e croché, calendários e postais ilustrados, e muitos livros de edição de autor que acumulam pó porque já ali estão há que anos, com um cheiro a papel que se esfarela nos dedos e nos traz à lembrança os livros de histórias lidos na infância, com meninos «órfãos» que se perdiam nas florestas.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

DO BAÚ DOS POSTAIS


Um postal muito antigo do Elevador de Santa Justa.

ATÉ AGORA, DISSE NADA


Passados são oito dias desde que se soube que Bob Dylan foi distinguido com o Nobel da Literatura.

Tal como eles disseram: por ter criado novas formas de expressão poéticas no quadro da grande tradição da música americana.

A Academia Sueca revelou, agora, que desistiu de tentar contactar diretamente Bob Dylan.

Liguei e enviei 'emails' para os colaboradores mais próximos e recebi respostas muito simpáticas. Por agora, julgo que é o suficiente, disse a secretária permanente da Academia Sueca, Sara Danius.

Tudo indica que Dylan não comparecerá na cerimónia de entrega do Nobel, a 10 de dezembro, em Estocolmo.

Meteram-se na alhada de me nomearem Nobel, agora aguentem-se à bronca, deve andar Dylan a dizer a ele mesmo.

Em mais de um século de atribuição do Nobel da Literatura, o escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre recusou o galardão, em 1964, por questões de princípio de nunca aceitar prémios.

Boris Pasternak também recusou o Nobel em 1958, pressionado pelo regime da União Soviética, mas os descendentes do escritor russo acabaram por aceitá-lo oficialmente, e a título póstumo, em 1988.

Legenda: Dylan, Newport Folk Festival 1963

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

POSTAIS SEM SELO


Lou Levy, o homem forte da Leeds Music Publishing, levou-me de táxi à 70th Street, ao Pythian Temple, para mostrar-me o minúsculo estúdio onde Bill Haley and His Comets tinham gravado o «Rock Around the Clock».

Bob Dylan em Crónicas

NOTÍCIAS DO CIRCO




OLHAR AS CAPAS


Crónicas
Volume I

Bob Dylan
Tradução: Bárbara Pinto Coelho
Capa; Coco Shinomiya
Colecção Os Afluentes da Memória
Editora Ulisseia, Lisboa, Outubro de 2005

Lou Levy, o homem forte da Leeds Music Publishing, levou-me de táxi à 70th Street, ao Pythian Temple, para mostrar-me o minúsculo estúdio onde Bill Haley and His Comets tinham gravado o «Rock Around the Clock». Dali seguimos para o restaurante do Jack Dempsey no cruzamento da Rua 58 com a Broadway, onde nos sentámos de frente para a janela principal, num compartimento estofado e pele vermelha.
Lou apresentou-me a Jack Dempsey, o famoso pugilista. Jack cumprimentou-me com o pinho-
- Para peso-pesado, pareces muito leve miúdo, tens de ganhar uns quilitos. Vais ter de vestir-te um bocadito melhor, parecer mais catita – não que vás precisar de grande farpela quando estiveres no ringue – e não tenhas medo de bater em alguém com força a mais.
-Jack, ele não é pugilista, é um compositor e vamos editar as canções dele-
- Ah, tudo bem, fico à espera d ouvi-las um dia destes. Boa sorte para ti, miúdo.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

NOTÍCIAS DO CIRCO


OLHAR AS CAPAS


Um Herói do Nosso Tempo

Vasco  Pratolini
Tradução: Luís Manuel Naia
Colecção Encontro nº 7
Editora Arcádia, Lisboa s/d

Digamos, francamente: sentia medo. Estava só, no quarto, estudando uma vez mais o plano para o dia seguinte, mas o meu pensamento fugia sempre para ti. Tinha medo, repito. Sim, medo de morrer. Era a primeira vez que pensava nisto seriamente. Talvez porque desta vez as possibilidades que tinha de sair com vida eram poucas. O êxito da acção dependia de mim: teria de colocar a bomba na janela e acender a mecha. Logo que a bomba rebentasse, atacávamos o edifício, para retirara antes dos reforços alemães. Entretanto, o menos que podia acontecer-me era ficar entre dois fogos. No dia seguinte tudo decorreu bem, mas naquele momento a empresa podia redundar em desastre e os alemães poderiam apanhar-me com a bomba nas mãos. A escuridão do quarto perturbava-me, mas não queria acender a luz, a fim de procurar dormir para me levantar no dia seguinte com os nervos em perfeita ordem. Surpreendia-me a querer adivinhar que reacção seria a tua se me matassem; não digo naquele momento, mas depois da libertação, para todo o resto da vida. Era um sentimento egoísta; não conseguia imaginar-te sem mim, como tão-pouco podia imaginar-me sem ti.