sábado, 8 de outubro de 2016

AS PAPOULAS


O dr. Oliveira Salazar, sem dúvida o espírito mais sensível e universal do seu tempo, detestava por razões obscuras as papoulas. Achava que, sendo suspeitosamente vermelhas, eram uma metáfora comunista e um equívoco da flora lusitana.
Na realidade, o dr. Oliveira Salazar tinha sabido por interpostas leituras que alguns poetas correntes (e, porque poetas, subversivos) cantavam aquela popular flor campestre em versos insidiosos e antiportugueses. Carlos de Oliveira, Ruy Belo e José Gomes Ferreira figuravam entre os agitadores dessa corrente.
Ah, sim? Rápido e sensível, como sempre, o professor da nação tomou as medidas que se impunham. E vai daí, deu ordem a todos os censores, tipógrafos e mestres-escola que riscassem a papoula da Literatura, o que imediatamente foi cumprido para os devidos efeitos e o bem da Nação.
Este cometimento cultural teve lugar nos anos cinquenta da Idade do, assim chamado Estado Novo e constituiu uma salutar inovação de grande alcance nacional.

José Cardoso Pires, de uma crónica em O Jornal , 9 de Janeiro de 1987

Legenda: pintura de Dima Dmitriev

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