Bica Escaldada
Alice Vieira
Capa: Maria
Manuel Lacerda
Oficina do
Livro, Lisboa, Junho de 2009
Entro numa livraria como quem entra num santuário,
onde o direito de asilo nos é sempre garantido. Nas cidades que não conheço. É sempre
o primeiro lugar que procuro e nunca resisto a entrar quando ela se atravessa
no meu caminho. As livrarias fazem parte da minha família. São amigas de infância.
É nelas que marco encontros com amigos, é passando a mão pelas capas dos seus
livros que desfaço neuras e procuro energias. Claro que há as minhas livrarias
de eleição, aquelas a que, por qualquer motivo, me habituei como ao café da
manhã ou o jornal comprado no quiosque de sempre: durante anos e anos a
Quadrante foi a minha segunda casa, uma espécie de baby-sitter para os meus filhos pequenos, que lá deixava rodeados
de livros e vigiados pela Nini, uma cadela com quem partilhavam festas e
lambidelas nos chupa-chupas – até que um dia a Quadrante fechou e, até hoje,
nada lá conseguiu vingar. Já foi casa de pronto-a-vestir, já foi loja de móveis,
já foi galeria de arte, neste momento alberga a redacção de uma revista de
saúde a quem, evidentemente, desejo muita sorte e que consiga vencer a
maldição. E há ainda as livrarias mágicas, aquelas sem as quais os lugares,
para mim, perdiam muito da sua razão de ser: ir ao Porto sem ter tempo para
entrar na Lello, não vale a pena; ir a Londres sem horas disponíveis para a
Waterstone, é um desperdício.
E depois há aquelas velhíssimas lojas, que são
livrarias, mas também vendem revistas de bordados e croché, calendários e
postais ilustrados, e muitos livros de edição de autor que acumulam pó porque
já ali estão há que anos, com um cheiro a papel que se esfarela nos dedos e nos
traz à lembrança os livros de histórias lidos na infância, com meninos «órfãos»
que se perdiam nas florestas.
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