terça-feira, 31 de janeiro de 2017

POSTAIS SEM SELO


Ser feliz é poder tomar consciência de si sem apanhar um susto.

Walter Benjamim em Imagens de Pensamento

Legenda: imagem de Karine Côlé-Andreeti

TRUMPALHADAS


1.

Donald Trump, demitiu a procuradora-geral interina, Sally Yates, depois de esta ter dito aos juristas do Departamento de Justiça para não cumprirem os requisitos da ordem executiva presidencial que levou ao fecho das fronteiras dos EUA a cidadãos de sete países de maioria muçulmana.

Este foi o culminar de uma noite agitada em Washington D.C., depois de Sally Yates ter dito que não estava «convencida» da legalidade da ordem executiva de Donald Trump. Segundo o The New York Times, Sally Yates recebeu uma carta a informá-la da sua demissão assinada por um dos funcionários do Presidente norte-americano. Pouco depois, a Casa Branca emitiu um comunicado onde o assessor de imprensa, Sean Spicer, escrevia: «A senhora Yates era uma escolha da administração de Obama que é fraca em matéria de fronteiras e muito na imigração ilegal».

Da declaração escrita de Sally Yates:

 «Sou responsável por assegurar que as posições que adotamos nos tribunais se mantêm consistentes com obrigação solene desta instituição de procurar sempre a justiça [das decisões] e de defender o que é certo. Neste momento, não estou convencida de que a defesa da ordem executiva seja consistente com essas responsabilidades, nem estou convencida de que a ordem executiva seja legal. Enquanto for procuradora-geral interina, o Departamento de Justiça não apresentará argumentos a favor da ordem executiva, a menos que me convençam de que é apropriado fazê-lo».

2.

Para se ter uma ideia da gente que rodeia Trump atente-se que Kellyanne Conway, a conselheira de Donald Trump, e antiga diretora de campanha do presidente dos Estados Unidos, sugeriu que alguns dos jornalistas e comentadores que acompanharam as presidenciais norte-americanas deveriam ser demitidos.

 «Se isto fosse um negócio a sério e os órgãos de comunicação social principais estivessem no setor privado em expansão, que realmente gerasse dividendos, 20 por cento das pessoas tinham sido despedidas. Os jornalistas deviam estar envergonhados. Nem uma pessoa de uma estação foi despedida, nenhum comentador político que falou mal de Donald Trump foi demitido. Estão a comentar todos os domingos, estão nos canais todos os dias. Onde está o primeiro editor ou o primeiro blogger que vai ser despedido, que envergonharam os títulos para onde escrevem? Nós sabemos os seus nomes. Sou demasiado educada para os dizer. A eleição foi há três meses e ninguém foi despedido.»

3.

No Diário de Notícias, de hoje, dois artigos de opinião sobre Donald Trump.

Um de Pedro Tadeu, com o título: «A luta contra Trump, assim, não vai a lado algum»:


Outro de João Pedro Henriques, com o título: «A vitória da política (infelizmente)»:

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


O Pote é um restaurante que fica na Avenida João XXI nº 7 D, meio caminho entre o Areeiro e a Avenida de Roma.
É um restaurante sossegado.

Em tempos de ditadura também era, mas pela noite, após os jantares, virava tasco onde desaguavam noctívagos em busca do último copo, one for the road, um quase albergue-espanhol.

DESDE AQUELE QUARTO ANDAR ONDE NASCEU


Não conheço de António Gedeão, nenhum poema dedicado ao mar. Alusões variadas, chamamento de ondas, de marés, de espumas e de galés, combinações de palavras alusivas ao mar, insinuações marítimas, expressões de água salgada, tudo isso aparece na sua poesia. Mas aquela prontidão, aquele arroubo de mar alto, essa invocação quase divina do mar, do mar, do mar, não aprece nunca. A sua visão do grande oceano era nele, a configuração de um entendimento antropológico e físico.
O Poema da Malta da Naus é o exemplo inequívoco desse entendimento. É um poema extraordinário que configura uma maneira de ser portuguesa que se manifestou num período áureo da nossa História.
É que a atração pelo mar é característica dos povos que vivem perto dele e que não são assim tantos. Os homens das planícies, das montanhas, das savanas, dos desertos, têm outros tipos de relacionamento com o meio envolvente porventura tão apaixonado e aventureiro comos os povos que vivem com o mar como horizonte.
Outros sentimentos. Outros romantismos.
Aos rios, sim,  especialmente ao Tejo, esse rio estranhamente metalino que permaneceu recatado, que manteve a serenidade líquida por toda a sua vida, rio que visitou e sempre admirou e o encantou desde a infância, desde aquele quarto andar onde nasceu a olhar para ele, a seguir-lhe a ligeira ondulação e a conhecê-lo por inteiro como só o olhar de uma criança consegue vislumbrar, esse sim, essa água aprece em muitos poemas, esse rio é mencionado constantemente.

Cristina Carvalho em Rómulo de Carvalho/António Gedeão. Príncipe Perfeito

Poema da Malta das Naus

Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do sol.

Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
Pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.

Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.

Chamusquei o pelo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.

Com a mão direita benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.

Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.

Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.

Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
Do sonho, esse, fui eu.

O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.


Legenda;: capa do EP «Dulcineia» de Manuel Freire onde se encontra o Poema da Malta das Naus

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

POSTAIS SEM SELO


- Para ter muito, tive que aprender não a somar, mas sim a subtrair.
- Isso é um tanto ou quanto parodoxal, não é?
- Um paradoxo pode ser verdadeiro.

Diálogo de O Rio Sagrado de Jean Renoir

TRUMPALHADAS


Mais notícias do pesadelo Trump:

1.

Portugal reagiu, hoje, às medidas impostas pela administração norte-americana.

«É inconcebível que se negue o direito de entrada a pessoas que têm autorização de residência no país, em termos europeus, absolutamente ilegal», disse Augusto Santos Silva.

Durante o fim de semana, houve caos nos aeroportos, 109 pessoas foram detidas nas fronteiras e cerca de 200 foram impedidas de voarem para os Estados Unidos.

Mas Trump já twitou  declarando que a culpa a culpa é dos outros: dos sistemas informáticos da companhia aérea norte-americana Delta, dos manifestantes que andam a protestar contra a sua decisão.

2.

A Apple é uma das empresas que não existiriam hoje se Donald Trump tivesse sido o presidente norte-americano durante a primeira década do século passado. O gigante tecnológico foi fundado por Steve Jobs, filho biológico de um sírio, que emigrou para os Estados Unidos. Se fosse hoje teria sido retido na fronteira.

Mas há mais empresas de sucesso que nasceram graças aos imigrantes que entraram nos Estados Unidos, como recorda a CNN. O fundador do Yahoo, por exemplo, é oriundo de Taiwan. O inventor do telefone, Alexander Graham Bell, era escocês. O homem que transformou a Intel numa multinacional, Andrew Grove, fugiu da Hungria comunista. Cofundador da Google e agora presidente da Alphabet Inc. (a holding a que pertence a Google), Sergey Brin era filho de judeus e emigrou com a família para os EUA para fugir do antisemitismo da União Soviética. Jeff Bezoz, fundador e presidente da Amazon, é filho adotivo de um cubano que se casou com a mãe quando este tinha quatro anos. Walt e Roy Disney eram filhos de pai canadiano e, finalmente, lembra a CNN, pai e mãe dos irmão que criaram o McDonald's eram imigrantes irlandeses.

3.

Um milhão de pessoas já assinaram uma petição que pede para o Reino Unido retirar o convite ao presidente norte-americano, Donald Trump, para visitar Londres e jantar com a rainha Isabel II.

«Donald Trump deve poder entrar no Reino Unido na sua capacidade de chefe do governo norte-americano, mas não deve ser convidado para uma visita de Estado porque isso iria causar embaraço para a rainha, a bem documentada misoginia e vulgaridade de Donald Trump inabilitam-no para ser recebido pela rainha e pelo príncipe de Gales», lê-se na petição.


Todas as petições que passem as cem mil assinaturas têm que ser debatidas no parlamento, mas o governo britânico apressou-se a dizer  que a visita é para manter.

OLHARES


Encontrei esta fotografia no Baú.
Tem mais de 30 anos.
Tirada num Café-Restaurante nas Azenhas do Mar.
Não sei se ainda existe, há muito que não vou para aqueles lados.
Olhando com atenção, pode ver-se uma criança, entre as duas garrafas de Trinaranjus, a brincar na areia.

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


À Memória de Kazantzakis e a Quantos fizeram o Filme «Zorba The Greek»


Deixa os gregos em paz, recomendou
uma vez um poeta a outro que falava
de gregos. Mas este poeta, o que falava
de gregos, não pensava neles ou na Grécia. O outro
também não. Porque um pensava em estátuas brancas
e na beleza delas e na liberdade
de adorá-las sem folha de parra, que
nem mesmo os próprios deuses são isentos hoje
de ter de usar. E o outro apenas detestava,
nesse falar de gregos, não a troca falsa
dos deuses pelos corpos, mas o que lhe parecia
traição à nossa vida amarga, em nome de evasões
(que talvez não houvesse) para um passado
revoluto, extinto, e depilado.
Apenas Grécia nunca houve como
essa inventada nos compêndios pela nostalgia
de uma harmonia branca. Nem a Grécia
deixou de ser – como nós não – essa barbárie cínica,
essa violência racional e argua, uma áspera doçura
do mar e da montanha, das pedras e das nuvens,
e das caiadas casas com harpias negras
que sob o azul do céu persistem dentro em nós,
tão sórdidas, tão puras – as casas e as harpias
e a paisagem idem – como agrestes ilhas
sugando secas todo o vento em volta.
E que não só persistem. Porque as somos:
ou tendo-as circunstantes, ou em faces, gestos,
que vão do Atlântico ao Mar Negro, ou vendo-as
não só em sonhos, mas nesta odisseia
de quem, como de Ulisses, uma vida inteira
é qual regresso à pátria demorado
para que apenas de velhice ainda a aceitemos.
Na Grécia todavia, e mais que em Grécia Creta,
isso que somos regrediu. Distância
muito maior existe em ter ficado igual
num mundo que mudou, e em ter ficado o mesmo,
vivendo como de hoje, entre as antigas pedras
guardando em si o mugir do Minotauro
(e os gritos virginais das suas vítimas),
que, em como nós, não ter nascido ali
mas onde apenas derradeiros gregos
vieram.
Por isso, este vibrar de cordas que é uma dança de homens
saltando delicados em furioso êxtase
perante a própria essência de estar vivo
(ó Diónisos, ó Moiras, ó sinistras sombras)
nos fascina tanto. O que é profundo volta,
o que está longe volta, o que está perto é longe,
e o que nos paira n’alma é uma distância elísia.
No lapidar-se a viúva que resiste aos homens
para entregar-se àquele que hesita em possuí-la
e a quem, Centauro, Zorba dá conselhos de
viver-se implume bípede montado
na trípode do sexo que transforma em porcos
os amantes de Circe, mas em homens
aqueles que a violam; nesta prostituta que,
sentimental, ainda vaidosa, uma miséria d’Art Nouveau
trazida por impérios disputando Creta,
será na morte o puro nada feminino que as harpias despem;
e neste Zorba irresponsável, cru, que se agonia
no mar revolto da odisseia, mas
perpassa incólume entre a dor e a morte,
entre a miséria e o vício, entre a guerra e a paz,
para pousar a mão nesse ombro juvenil
de quem não é Telêmaco – há nisto,
e na rudeza com que a terra é terra,
e o mar é mar, e a praia praia, o tom
exacto de uma música divina. Os deuses,
se os houve alguma vez, eram assim.
E, quando se esqueciam contemplando
o escasso formigar da humanidade que
tinha cidades como aldeias destas, neles
(como num sexo que palpita e engrossa)
vibrava este som claro de arranhadas cordas
que o turvo som das percussões pontua.
Deixemos, sim, em paz os gregos. Mas,
nus ou vestidos, menos do que humanos, eles
divinamente são a guerra em nós. Ah não
as guerras sanguinárias, o sofrer que seja
o bem e o mal, e a dor de não ser livre.
Mas sim o viver com fúria, este gastar da vida,
este saber que a vida é coisa que se ensina,
mas não se aprende. Apenas
pode ser dançada.


O ENTUSIASMO PELA COMPLEXIDADE DA VIDA


Com a sua coragem, amor e afeto, a minha mãe transmitiu-me o entusiasmo pelas complexidades da vida, a insistência na alegria e nos momentos bons e a perseverança para acreditar que os tempos difíceis acabariam um dia.. Alguma vez houve uma canção mais reconfortante e mais triste que «Good Times» de Sam Cooke? É um espetáculo vocal assente num autoconhecimento e num mundo penoso… Get in the groove and let de good times roll… we gonna stay here’til we soothe our soul… if it takes all night long… Pouco a pouco, os sons musicais do final dos anos 50 e do princípio dos anos 60 penetraram em mim até aos ossos.

Bruce Springsteen em Born to Run

domingo, 29 de janeiro de 2017

POSTAIS SEM SELO


Os velhos falam do voo rasante
dos pombos sobre os telhados marítimos.
Sei que ao falarem do voo dos pombos
os velhos querem dizer coisas que apenas
outros velhos entendem.

Paulo Tavares

DO BAÚ DOS POSTAIS


O célebre  eléctrico 28 nas Portas do Sol.
Aproveito a boleia para o colocar na etiqueta dos candeeiros.

TRONO SOBRE TRONO


O perigo é companhia para o soberano
que instalou seu trono sobre a dinastia
seu projecto (recto) vem do longe donde
se ameaçam o riso o corpo o movimento
o segredo (segrego) a fala o linguajar
do dia anterior continuadamente.
Nem todos são os súbditos, quem o conduziu
ao trabalho do quotidiano (ano) inquieto
entre o sono iniciado tarde nas manhãs?

Breve é o receio de (o meio) deslocar-se
da paisagem mar apreendida extensa
entre o fio a fio assíduo da janela.
O momento é pouco para olhar as tintas e a criança
acode à chamada urgente (gente) dos vizinhos.
Surpreende (prende) o plano do levantamento
apropriado à sede (sede da melancolia)
no curso das leis seu código fechado
em área de confusos (usos) dos lugares.

Não é de desistência ainda o tempo
de há muito em sua mão a rédea de colares:
eu estou aqui segura e cúmplice
nada pretendo (entendo) além do encadeado
de anéis colhidos (escolhidos) devagar.
Talvez seja amor o medo da assistência
talvez seja amor a culpa de não ter
o objecto (o ente) predilecto que refaz
solene esta alegoria do frágil (ágil) vidro
e nos separa (pára) à margem do poder.

Marta Cristina de Araújo em Hexagramas, Depois de Finisterra

Legenda: desenho de José Rodrigues incluído em Hexagramas, Depois de Finisterra

SEM PERDER A BASE POPULAR



25-2-63

Preciso de ler, um dia, Lawrence e Flaubert - «O Amante de Lady Chatterley» e «Madame Bovary».
Estive a pensar que preciso de melhorar a m/linguagem, elevando-a de modo a poder descrever situações, ambientes e personagens mais ricos e complexos, mas sem a tornar ininteligível ou menos concreta e sem perder a base popular... (para isso era preciso trabalhar muito... e a preguiça!)

José Luandino Vieira em Papéis da Prisão


OLHAR AS CAPAS


Retratos de Sombra

António Mega Ferreira
Capa: Ilda David
Assírio & Alvim, Lisboa, Abril de 2003

A casa já lá estava há muito, quando ele, «enfermo ou elegíaco», curado ou desconsolado de um hipotético amor inglês que correspondia a um «impossível lusitano», resolveu que era nela que queria morrer. Tinha 34 anos e andava às voltas com Marânus, esse poema interminável, constantemente revisto, alterado, rasurado, reescrito, cujos primeiros manuscritos vêm datados do porto, do Mar da Irlanda, de Londres, de Amarante. Marânus andava à procura de casa? E não intuíra já Teixeira de Pascoaes (1877-1952) que a casa do seu herói era o Marão grandioso, genésico, cósmico? Não se perdera ele (e não se encontrara, também) pelos caminhos da «alta e santa montanha omnipotente/ de onde os montes, em círculos infindos,/parecem afastar-se vagamente,/ e em brumas e saudades se diluem…»?
A decisão, anunciara-a, em remate de conversa desconchavada e irónica, ao seu sócio de banca, Magalhães e Silva, no escritório acanhado da rua das Taipas, onde viera aterrar após a digressão por Inglaterra: «Vou regressar à minha aldeia. Quero morrer onde nasci… É pagar uma dívida sagrada». Era novo para morrer, tão novo, que ali viveu quarenta e uma nos, até que a vida se lhe extinguiu, em 14 de Dezembro de 1952. E que sonhos, que desvairadas fantasias, que lumes postos nos montes e que caveiras nos penhascos, que amorosos e extenuados retratos da impossível Leonor, que dor (e que exaltação) de estar a viver de fantasmas e sombras, de espectros e anjos, de incêndios e tempestades. Tudo isso lho desatou e ateou a casa, aquela casa, «o velho pardieiro da infância», a cujo portão de ferro, o que fecha, com as três fechaduras da casa, o terreiro grande, assomou, num dia de 1911, o advogado Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcellos: «em conclusão, o poeta venceu o advogado, adoecendo ou tirando forças da fraqueza». Daí em diante, Teixeira ficava entregue a Pascoaes.

sábado, 28 de janeiro de 2017

POSTAIS SEM SELO


Como conceber Cesário sem Lisboa? Como conceber Pascoaes sem o Marão?
(Ó meu fino, meu ladino Cesário, meu garoto das ruas, meu desamparo lisboeta remanchando pela cidade, «enviesando» Lisboa para melhor a mostrares.
Ó meu bom e grave Pascoaes, meu cismático poema penedo, meu profundo, abissal murmúrio, espaço para flutuar ou me despenhar, céu para lá chegar!).

Alexandre O’ Neill em Coração Acordeão

MAIS DO QUE MERO ENTRETENIMENTO LIGEIRO


Andava desesperado a tentar fazer um disco, mas não queria fazer singles, discos de 45 rotações – o género de músicas que passava na rádio. Os cantores folk, os artistas de jazz e os músicos clássicos, faziam LPs, alguns com imensas canções nas espiras – inventavam identidades e criavam desequilíbrios, tinham mais impacto. Os LPs eram como a força da gravidade. Tinham capas à frente e atrás que dava para admirar horas a fio. Comparados com eles, os de 45 rotações eram fininhos e por acabar. Amontoavam-se e parecia que não valiam nada. De qualquer forma eu não tinha uma única canção no meu reportório para a rádio comercial. Canções sobre contrabandistas depravados, mães que afogavam os próprios filhos, Cadillacs, trevas e cadáveres no fundo dos rios não eram para radiófilos, Não havia nada de pacato nas músicas folk que eu cantava. Não eram fáceis nem amadurecidas. Não davam calmamente à costa. Acho que se pode dizer que não eram comerciais. Não era só isso, o meu estilo era demasiado errático e difícil de encaixar na rádio e as canções, para mim, eram mais do que mero entretinimento ligeiro.

Bob Dylan em Crónicas

OLHAR AS CAPAS



Coração Acordeão

Alexandre O’Neill
Selecção de Vasco Rosa
Capa: André Carrilho
O Independente, Lisboa 2004

Teixeira de Pascoaes: um rosto de pedra atormentada, um olhar de infatigável espião das sombras, um sorriso bom como o fogo das lareiras…
Teixeira de Pascoaes ou a bondade do que é grande, a «bondade» do Marão…
«Teixeira de Pascoaes? Pois sim… Pois sim…», diz o cretino que sempre aparece ao nosso lado, como um anão saltitante, quando a morte dum grande poeta ou de qualquer outro «’anormal» nos dá, em bloco, todas as razões de o amarmos sem reservar sentimentos, sem aguardar cautelosamente que tudo seja dito para tomarmos partido, para assumirmos a atitude «conveniente», o ponto de vista «a ter», o gosto a exibir…
«Pois sim… Pois sim…» como se fosse meter o poeta do Regresso do Paraíso num encolher de ombros ou num arroto de despeito… (E eu pensava, com aquele extremo cansaço, aquela imensa vontade de desistir que nos assalta quando topamos com certos «especialistas» de poesia: «Talvez não arrotes o mesmo quando chegares à minha idade…»)
«Pois sim… Pois sim…, como se fosse possível reduzir o poeta a uma «filosofia», arrumar em quatro palavras Teixeira de Pascoaes, momento da nossa poesia, mastro desse barco de loucos que é a nossa poesia portuguesa!
«Pois sim… Pois sim…», como se fosse possível à mediocridade fazer passar os gigantes por moinhos, os grandes poetas por moinhos de palavras…
Tudo isto – a morte de Pascoaes, o atrevimento dos ignorantões, a necessidade adulta de conhecer e ajudar a conhecer, das raízes aos ramos e dos ramos aos pássaros, a árvore da poesia que resiste e cresce neste chão português – tudo isto precipitou em mim a lembrança do grande poeta, desse pequeno homem simples, desse velho de fácil convívio e «impertinente» juventude.

AINDA TEIXEIRA DE PASCOAES


Pela leitura da Correspondência trocada entre Jorge de Sena e Eugénio de Andrade, constata-se que ambos eram entusiastas da obra de Teixeira de Pascoaes.

Após a morte de Teixeira de Pascoaes, Jorge de Sena tem a ideia de organizar uma edição dos «Cadernos de Poesia» sobre o poeta. Eugénio de Andrade, em carta datada de 19 de Dezembro de 1952, escreve:


Na Biblioteca do meu pai, não havia um único livro de Teixeira de Pascoaes.

Quando em Junho de 1966 li A Memória das Palavras dei com os encómios que o José Gomes Ferreira dedica a Pascoaes:

«A conselho de Leonardo Coimbra comprei o Sempre e então aconteceu o abismo. De súbito ruíram-se-me na alma anos e anos de falsa literatura, de improvisos à Bocage, de construções de palavras de caliça, sem subterrâneos, com que a pátria oficial das escolas sufoca desde a infância verdadeira poesia a correr em fontes de borboletas absurdas…»

Meti conversa com o meu pai sobre Teixeira de Pascoaes e ele disse-me que era escritor que não o entusiasmava. 

O meu pai era das pessoas menos saudosistas que até hoje conheci.

Nestas circunstâncias, e tendo respeito por opiniões de gente como José Gomes Ferreira,  e como gostei sempre de melhorar a minha vasta ignorância, andei pelas livrarias, alguns alfarrabistas, em demanda de um qualquer livro de Teixeira de Pascoaes.

Não tive qualquer ponta de sorte e mesmo ao longo dos tempos nunca encontrei obras de Pascoaes.

De modo que Pascoes é uma das muitas lacunas que transporto.

E, pelo andar da carruagem, penso que assim continuará a ser.

Por sinal, José Gomes Ferreira, refere, já naquele tempo, a dificuldade em encontrar livros de Pascoaes:

«Sim. Já lá vão anos sem fim desde a última vez que falei com Teixeira de Pascoaes, aqui, diante desta montra… (Sinto que vou indignar-me!) sim, exactamente aqui, diante desta montra (Vem, indignação, vem!), onde nunca, nunca, nunca, NUNCA me lembro de ter visto exposto um único livro de versos do Poeta. Nem aqui, nem em qualquer outra montra de Lisboa, aliás. Só nos alfarrabistas, para educação das traças.
Dir-se-ia que Teixeira de Pascoaes não existe

Remato este evocação de Teixeira de Pascoaes, folheando a História da Literatura Portuguesa de António José Saraiva e Óscar Lopes, capítulo intitulado «Teixeira de Pascoaes e a evolução do Saudosismo»:

«A designação de Saudosismo pertence, em sentido restrito e corrente, a um movimento estético e doutrinário que tem como figura central o poeta Teixeira de Pascoaes. Embora influenciado pela estética simbolista, o saudosismo deve considerar-se sobretudo com um desenvolvimento do misticismo panteísta que se acentua na fase declinante da geração de 70.»

Propriamente sobre Teixeira de Pascoaes:

«A comunicabilidade da obra de Pascoaes é muito prejudicada, e sê-lo-á cada vez mais, pela sua pretensão de atingir profundas verdades através de meras extrapolações analógicas, por certa suficiência em que se insulou, com o seu círculo de admiradores desenraizados dos problemas reais portugueses. No entanto, subsiste nalguns dos seus livros certo fôlego, certa largueza de concepção do romantismo progressista (Vida Etérea, 1906; Regresso ao Paraíso, 1912); e no seu lirismo, monòtonamente elegíaco e sombrio, há, em compensação, uma sensibilidade  vibrátil que alarga os seus motivos de interesse para fora do vulgar âmbito pessoalista e erótico: há como que um sentido franciscano de companheirismo que abrange mulheres, homens, símbolos, bichos, árvores, pedras, o Marão, Tâmega e a própria morte (Senhora da Noite, 1909; Marânus, 1911; o Doido e a Morte, 1913; Elegia do Amor, 1924; etc.).»

Legenda: José Gomes Ferreira e Teixeira de Pascoaes, fotografia tirada da Fotobiografia de José Gomes Ferreira

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

POSTAIS SEM SELO


A sorte não existe. Aquilo a que chamais sorte é o cuidado com os pormenores.


Winston Churchill

QUOTIDIANOS


A eutanásia não é escolher a morte: é escolher a vida que temos quando estamos a morrer.

José Manuel Pureza

PARA NÃO LHE CHAMAR OUTRA COISA


Já li a nossa homenagem ao Pascoaes nos Cadernos. Não sendo ainda o que o nosso grande poeta merece, é no entanto uma coisa digna, limpa, com alguns depoimentos sérios. Sabe, Jorge, sinto o Pascoaes crescer espantosamente, dia a dia. Agora ao reler certos livros e ao ler outros, de prosa, que ainda não tinha lido, sinto-me envergonhado. Ele era tão grande, e nós à sua roda, não dávamos por essa grandeza excessiva! Não faz ideia, como isso, ontem à noite, ao acabar o Duplo Passeio, se me tornou evidente. Até o que não presta é de boa qualidade! Tem presente este livro? Se não tem, releia-o, peço-lhe. Algumas páginas são tão grandes como certo Rimbaud, certo Lautréamont.
O depoimento do Torga é chocante, para não lhe chamar outra coisa. Naturalmente que a obra do Pascoaes tem defeitos, todos nós o sabemos. Qual é o grande poeta que os não tem? Mas reduzi-lo a esses defeitos, como o torga faz, é… horrível! Creio que não fui só eu a ficar chocado. Muita gente me tem falado nisso.

Eugénio de Andrade, carta datada de 11 de Fevereiro de 1953, em Correspondência Jorge de Sena/Eugénio de Andrade.

Jorge de Sena, em carta datada de 3 de Março de 1953, responde a Eugénio de Andrade e refere o depoimento de Miguel Torga:

Ocorre-me, agora, a prosa de Torga, de facto bastante triste – mas não terá pelo menos a virtude de ser sincera… na medida em que mais uma vez Torga se confessa o «único»?

TEIXEIRA DE PASCOAES


15 de Dezembro de 1952
Morreu Teixeira de Pascoais, e nova glória ambígua surge no Olimpo doméstico da nossa poesia. Ao lado de dois ou três nomes recortados e fatais que reinam ali, e a qualquer evocação devota se não pode esquivar, o seu ficará sempre esfumado e contingente. Incapaz de uma visão renovada dos mitos que cantou – e eu penso na sua vivência do amor, tão banal ao lado da de Camões, ou na sua representação da morte, ainda de foice à nossa espera ao canto da rua, quando outros no-la mostravam já dentro de nós -, velho e revelho na forma e no conteúdo, por muito que se queira é difícil concebê-lo nítido e presente na memória duma posteridade que exige dos próprios deuses milagres cada vez mais concisos e originais. O pseudo-pensamento, a metafísica de caixa alta, as sínteses arbitrárias e o resto, são escuridões que só geniais relâmpagos de intuição e de autêntica beleza, marcadamente seus, conseguem iluminar. A ascese que redimiu a poesia, e é por certo a maior conquista que se fez ultimamente no campo do espírito, não a pôde entender o autor de Maránus. Ali era o transbordamento, a retórica, o caos, os sentimentos e as paixões a moverem-se sonâmbulos numa noite de luar difuso. Bardo in natura, lírico em disponibilidade permanente, por fatalidade étnica, faltou a Pascoais a compreensão de que o abandono emotivo passara a ser implacàvelmente, para que nenhum elemento impuro viesse toldar a claridade sucinta do poema. Criança no mais rigoroso e temporal sentido, o Poeta não conseguiu a ordenação adulta dos grandes criadores. E é talvez nessa infância que durou uma vida, na perplexa visão dum mundo informe, e na ingénua maneira de o testemunhar, que reside o interesse e o problema da sua personalidade e da sua obra.

Miguel Torga em Diário, Volume VI

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

POSTAIS SEM SELO


Eu sou, resumidamente, alguém que passa o dia a escrever.

Philip Roth   

À LUZ DE CANDEEIROS


Candeeiro no espaço das hortas junto ao Centro Comercial Colombo.

TRUMPALHADAS


1.

Com o habitual espectáculo mediático, assistência em redor da mesa, o tirar a tampa da caneta, Donald Trump prossegue a assinatura de decretos que visam cumprir as promessas eleitorais.

Assinou ontem o decreto executivo a autorizar o início da construção do muro na fronteira entre os Estados Unidos e o México para impedir a imigração ilegal. Ao mesmo tempo, assinou outro decreto que ordena o reforço de medidas de segurança na fronteira entre os dois países, aumentando o número de agentes na região, a expansão de centros de detenção, alguns a serem geridos por entidades privadas, e a suspensão da transferência de verbas federais para as cidades santuárias.

E voltou a garantir que o México irá pagar a construção do muro a 100%.

O Presidente Enrique Peña Nieto voltou a dizer que é contra qualquer tipo de muros e já cancelou o encontro que estava agendado para aproxima semana com o presidente dos Estados Unidos

2.

Donald Trump, em entrevista televisiva garantiu, que, tendo perguntado aos  líderes dos serviços de inteligência americanos se a tortura funciona para responder ao terrorismo, recebeu como resposta:

 Absolutamente!

Segundo as últimas informações avançadas pela imprensa, Trump estará mesmo a preparar-se para assinar uma ordem executiva que permitiria restabelecer os centros de detenção clandestina da CIA, conhecidos como black sites (lugares negros), instituídos após o 11 de setembro de 2001. Nestes centros, não se aplicavam as limitações aos interrogatórios coercivos previstas no manual do exército norte-americano, cujo objetivo é assegurar o cumprimento das Convenções de Genebra, base do direito humanitário internacional.

John McCain, senador republicano que foi vítima de tortura e é co-autor de uma lei que entrou em vigor em 2015, que impede as agências de segurança norte-americanas de recorrerem a técnicas de interrogação para além das previstas no manual do exército, já veio dizer que Trump poderá assinar os decretos que quiser, mas não vamos trazer de volta a tortura aos Estados Unidos.



OITAVO POEMA SOBRE A MORTE DE DEUS


Apontava para o moreno palestiniano
filho de Maria menino de sua mãe
e revelava-lhe o seu futuro terreno.

Dizia: este é o teu tempo de sofrer.
Depois virá o teu tempo de morrer.
Entre os dois apenas o meu silêncio.
Como se fosse Deus.

António Rego Chaves em Três Vezes Deus


Nota do editor: o primeiro poema está publicado em Dizendo-me Aqui Estou

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

POSTAIS SEM SELO


A obra de um homem não é senão esse longo caminho para encontrar, pelos desvios da arte, as duas ou três imagens simples e grandes sobre as quais o coração pela primeira vez se abriu.

Albert Camus em O Avesso e o Direito

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

VIVER A VIDA EM SOLIDÃO


Enquanto atravessava a Sexta Avenida, as palavras Callas é Medeia é Callas rodopiavam de modo ritmado ao som dos calcanhares das minhas botas a bater np pavimento. Pier Pailo Pasilini estudos com cuidado as possibilidades de elenco e acabou por escolher Maria Callas, uma das vozes mais expressivas de todos os tempos, para um papel é pico com pouco diálogo e em que o canto não entrava. Medeia  não canta canções de embalar, ela assassina os próprios filhos. Callas não era uma cantora perfeita, mas a sua voz saía das entranhas do seu ser e fê-la conquistar a pulso o seu lugar no mundo. A tristeza das heroínas que encarnou não a preparou para a sua própria dor. Traída, abandonada, ficou sem amor, sem voz, sem o filho que perdera, condenada a viver a sua vida em solidão. Preferia imaginar Callas livre das pesadas vestes de Medeia, a rainha queimada, na túnica amarelo-claro sob elas. Usava pérolas. A luz inunda o seu apartamento em paris quando pega num pequeno guarda-joias de couro. O amor é a joia mais preciosa de todas, murmura, desapartando as pérolas que lhe caem da garganta, escalas cantadas em ondulações de sofrimento que diminuem depois até ao silêncio.

Patti Smith em MTrain

Legenda: Maria Callas no filme Medeia de Pier Paolo Pasolini

FEHÉR



A morte de Fehér, no relvado do Estádio do Guimarães, é uma das páginas mais tristes da História do Benfica.

EUSÉBIO DA SILVA FERREIRA


Copiado de A Bola de hoje

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

POSTAIS SEM SELO


Sim, pelo caminho em que vai o mundo, custa achar um homem honrado entre dez mil.

Shakespeare em Hamlet

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia. 

EUSÉBIO, A HISTÓRIA DE UMA LENDA


Começou a ser divulgado o trailer do documentário de Filipe Ascensão, Eusébio, História de uma Lenda. 

Se fosse vivo, Eusébio faria amanhã 75 anos.  

NÃO A REVOLUÇÃO EM SI


A desordem que se viveu, o espetáculo social e humano absolutamente degradante a que se assistiu nos tempos imediatos à Revolução do 25 de Abril, a estupefação, a incredulidade, a impossibilidade de conviver com toda uma imensa miséria cultural de um país com um enorme índice de analfabetismo alimentado pelo regime salazarista e que vinha agora «ao de cima» nas mais elementares situações do quotidiano, de compreender e aceitar a balbúrdia instalada, a agonia provocada por um tão grande desequilíbrio, pelas frases tão grosseiras que ouvia na rua, nos transportes públicos, nas lojas, enfim, por toda a parte, pela dificuldade da aceitação de novas atitudes de «liberdade», tudo isto, todos estes fenómenos sociais o deprimiram intensamente. Não a Revolução em si, porque essa foi desejada, naturalmente, mas o que a Revolução deixou ver e que não cabe aqui neste livro demonstrar.
Rómulo de Carvalho viveu a situação profundamente amargurado. No seu livro Memórias, o leitor poderá observar descrições pormenorizadas, todas documentadas, de cenas do dia a dia. Cenas e dizeres absolutamente inacreditáveis que, sem qualquer orgulho, fazem parte de um certo rascunho da nossa História recente. Ele reuniu muita documentação dessa época especial, socialmente falando, que espelha, nas mais perfeitas condições, um determinado e peculiar comportamento de toda uma sociedade. Qualquer pessoa ficará impressionada ao ler esses relatos compilados pela mão serena de um homem a tento e admirado com tudo o que passou nessa altura.
Em finais de 1974 elaborou o requerimento que iria proporcionar-lhe a aposentação e em janeiro de 1975 foi confirmada essa aposentação.
Ao fim de quarenta e dois anos de ensino presidencial, sem nunca ter usado gravata e sem a mesma cor política desses cinzentos governantes, Rómulo de Carvalho terminava a sua atuação como professor mas não terminava a sua vida cheia de atividades, ligadas sempre ao ensino e à divulgação cultural, que foram uma constante durante toda a sua vida.


Legenda: Liceu Pedro Nunes

OUTROS TEMPOS


O biquíni foi lançado em Paris em Julho de 1946.
Durante muito tempo, o biquíni esteve proibido em diversos países.
Portugal, puritano que era, proibi-o de imediato e só pelos anos 70 começou a existir alguma liberalização.
Em Rimini, 1957, um cabo-do-mar passa multa a uma italiana que se atreveu a aparecer, em biquíni, na praia.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

POSTAIS SEM SELO


Lisboa, a minha cidade já não existe, e se calhar, quase com 70 anos, já não tenho direito a tê-la. 

Jorge Silva Melo

Legenda: fotografia tirada do blogue Restos de Colecção

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


Guardanapo do «3º Anel», restaurante que pode ser visitado sempre que se deslocar à Catedral.
A qualidade da comida e o preço acessível fazem com que, volta e meia, o frequente.
Sempre que vou à Loja do Benfica, ou tratar de algum pormenor relacionado com bilhetes para os meus netos, a visita está garantida.

TRUMPALHADAS


No dia da tomada de posse, Donald Trump, partilhou uma mensagem no Twitter em que apelava ao consumo de produtos norte-americanos, mas foi acusado de hipocrisia.

Depois de Donald Trump ter invocado o patriotismo no seu discurso de tomada de posse, pediu, nas redes sociais, para que se pense primeiro na América, na hora de tirar dinheiro do bolso, apelando ao consumo de produtos norte-americanos: Vamos seguir duas simples regras: Comprar americano e contratar americano!

A inenarrável, a hipócrita, outras coisas mais, criatura que dá pelo nome de Donald Trump, esqueceu-se (?) que os bonés que foram oferecidos antes e durante a sua tomada de posse, assim como uma série de artigos da marca Donald J. Trump, foram feitos na China.
  
Algumas horas depois do polémico tweet, uma utilizadora respondeu ao presidente, partilhando uma mensagem que, horas antes, a deputada democrata Cheri Bustos tinha publicado: Um colega republicano deixou-me ver o seu chapéu de Trump. Foi feito na China. É só conversa, não há acções?

Legenda: imagem tirada do Jornal de Notícias.

VELHAS CANÇÕES


Leio, numa crónica de Manuel S. Fonseca, que o compositor e actor Oscar Levant é o autor da frase: Conheci Doris Day antes dela se tornar virgem.

Estava convencido que era Groucho Marx e deixei essa autoria assim registada quando coloquei Que Sera Sera como um dos Clássicos do Meu Pai.

Inclino-me para a razão de Manuel S. Fonseca.

O nome de Oscar Levant serve para trazer aqui uma velha canção, também a sua mais conhecida composição: Blame It on My Youth.

A letra é de Edward Heyman e a canção data de 1934.

Ficam as interpretações de Nat King Cole, Frank Sinatra e Nancy Wilson.

Doris Day conta hoje 94 anos, tendo nascido no dia 3 de Abril de 1922.

Desde 2004, após a morte do seu único filho, Terry Melcher, leva uma vida reclusa e solitária.


Legenda: Doris Day no filme Calamaty Jane



CANÇÕES APELATIVAS


Pensando bem, os discos que mais me interessavam eram aqueles em que os cantores pareciam, ao mesmo tempo, felizes e tristes. «This Magic Moment». «Saturday Night at the Movies», «Upo n the Roof» dos Drifters – canções que apelavam à alegria e aos desgostos amorosos do dia a dia. Era uma música cheia de uma profunda nostalgia, de momentos de transcendência espiritual, de uma resignação madura e… de esperança. Esperança em relação àquela rapariga, àquele momento, àquele lugar, àquela noite em que tudo muda, em que a vida se nos revela e em que nós nos revelamos. Eram canções que reflectiam o desejo por um sítio verdadeiro, um sítio só nosso… no cinema, no centro da cidade, nos arredores, em cima do telhado, por baixo dos passadiços, escondidos do sol, onde ninguém nos visse, algures acima ou abaixo da luz cruel do mundo, dos adultos. O mundo dos adultos, esse lugar de desonestidade, engano, falta de generosidade, onde as pessoas eram escravizadas, magoadas, postas em perigo, espancadas, derrotadas, onde as pessoas morriam – Deus, obrigadinho, mas, por agora não estamos interessados. Preferimos o mundo da pop.

Bruce Springsteen em Born To Run.


Legenda: The Drifters



domingo, 22 de janeiro de 2017

TRUMPALHADAS



1)      Donald Trump passou a campanha eleitoral a atacar os serviços secretos.
No sábado, foi à sede da CIA garantir que será o maior apoiante do conjunto das agências de informação e segurança, a tal ponto será esse apoio que as agências até pedirão para ter menos.
Vocês vão ter tanto apoio que vão acabar por dizer «por favor, senhor Presidente, não nos dê tanto apoio».
Voltou a garantir que o terrorismo radical islâmico tem de ser erradicado da face da terra”.
Ainda não disse como o vai conseguir!...

2)      Sean Spicer, porta-voz de Donald Trump, chamou os jornalistas à
Casa Branca para lhes dizer que o presidente não tinha gostado que tivesse sido questionado  o número de pessoas que assistiram à tomada de posse.
Segundo Sean Spicer, a imprensa falseou as notícias para dar a entender que a assistência era mais baixa e fez a sua própria avaliação da dimensão da assistência: esta foi a maior assistência que assistiu a uma tomada de posse, ponto!” e que as notícias que saíram a dizer o contrário, são vergonhosas e erradas.
Durante a visita à CIA, Trump já afirmara que a imprensa norte-americana tinha dos seres mais desonestos à face da terra.
Spicer, Depois de informar  os jornalistas que Donald Trump se vai encontrar com o Presidente do México no dia 31, que a primeira-ministra britânica será o primeiro chefe de governo a visitar a Casa Branca, já na próxima semana, e que Donald Trump também já terá conversado com o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, abandonou a sala sem sequer ouvir as perguntas dos jornalistas.

CADEIRAS PEQUENAS E INCONFORTÁVEIS


3-3-63
Relembrando cinema, velhos filmes e as sessões da infância no velho «Nacional» (onde nunca entro sem que uma mão misteriosa me aperte o coração quando olho para aquelas cadeiras pequenas e inconfortáveis das 8 primeiras filas – o nosso reino!) recordei o 1º filme que vi ou que eu penso ser o 1º - «Os Aventureiros dos mares do Sul» com T(yrone) Power e já não me lembro mais quem. Mas o que me alegra nessa lembrança é o reconhecimento de que desde criança, a m/ intuição me fazia aderir aos aspectos construtivos dos sentimentos e factos. Não me lembro de nada do filme, a não ser que o «herói» naufragava e era atirado para as praias de uma ilha dos mares do Sul. Lembro-me sim do seu amor com uma nativa e do que até hoje guardo como prova desse amor: uma bela cena, na praia, atrás dumas rochas, quando a aldeia vai surpreender o herói, ensinando a moça a ler e a escrever nas areias da praia! Esse aspecto construtivo do amor, ficou sedimentado em mim criança e ainda hoje, creio, que é o que me dá a medida real dum amor, é a esse aspecto construtivo que refiro sempre qdo. tenho de comparar, imaginar, referir. É bom reconhecer, a mais de 20 anos de distância, a persistência das boas qualidades inatas que nem a «sordidez» e a estupidez» depois de alguns anos de vida post-adolescente, conseguiram afastar. E que tornaram possível o melhoramento de mim com o mesmo amor e a compreensão da minha bela companheira e namorada K.

José Luandino Vieira em Papéis da Prisão

Legenda: Cinema Nacional, em Luanda. Fotografia do jornal Público.

OLHAR AS CAPAS


Correspondência
1949-1978

Jorge de Sena/Eugénio de Andrade
Organização: Mécia de Sena
Apresentação: Isabel de Sena
Notas: Jorge Fazenda Lourenço
Capa: Ilídio J.B. Vasco
Guerra e Paz, Lisboa, Outubro de 2016

Querido Jorge:

Recebi simultaneamente a tua carta e original de Cavafy, há já alguns dias, mas não tive ocasião de te escrever logo após a leitura dos poemas, como gostaria de ter feito. Comparei mesmo alguns poemas com a tradução do Pontani. Como imaginava, a tua tradução é incomparável, particularmente, os poemas breves, os mais difíceis de traduzir, pelo risco que alguns correm de se transformarem numa quase banalidade madrigalesca, o que acontecia com as traduções francesas, a que não escapam mesmo as traduções mais belas. É um prodígio o que consegues. E se podes afirmar, apoiado em Goethe, que não há grande poema que não possa ser traduzido, seria indispensável juntar que tudo vai do tradutor. Ora o Cavafy teve a sorte de te encontrar no caminho. Se dou mais relevo às traduções dos «eróticos » (achando igualmente notável o que fizeste dos três poemas do Cavafy que prefiro – «O deus abandona Marco António», «Ítaca» e «À espera dos bárbaros») é tão-só porque considero a tradução de tais poemas mais difíceis que os outros. A matéria, além de muito frágil é, em outro sentido, delicada. Tu resolves tudo com uma franqueza, uma elegância e uma frescura verdadeiramente notáveis. Reparo até que os poemas têm uma força explosiva que só intuíra nas traduções francesas ou italianas, receando até que tais poemas constituam um pequeno escândalo, justamente, como muito bem referes no teu prefácio, que é muito corajoso, pela nobreza moral que revelam, isentos, como são, dos perversos conceitos de «pecado».
As traduções deram-me uma grande alegria.Este livro pertence-me. A primeira vez que traduziste o Cavafy, lembras-te?, foi para mim, numa noite em tua casa, talvez depois da leitura de As Evidências. Quando apareceram as tuas primeiras traduções no Comércio, estimulei-te, através de correspondência, no sentido de publicares novas traduções. Quando o editor me pediu a indicação de alguns poetas estrangeiros para a colecção que iniciou com o Lorca, o Cavafy, traduzido por ti, foi dos primeiros nomes que apontei. «Um deus abandona Marco António» e «A origem» são poemas que me acompanham desde a tua tradução no Comércio. (Pude assim notar agora as variantes, importantíssimas, lendo agora «A Origem» neste teu volume).
Felizmente que a alegria que me deu o teu livro me compensou da melancolia da tua carta. O que sobretudo lamento, nesta história do prémio, é que por via de o não receberes sejamos privados de nova visita tua. Tu já sabes o descrédito que tem para mim a chamada glória literária. Ser-se Namora, para me servir da tua expressão, é coisa que suponho não interessa a ninguém. Que importa o êxito? Tu não és um escritor para multidões, não no fundo o desejaste nunca ser. De um certo êxito suponho que terás até desprezo. Podes estar tranquilo: a tua obra está aí, e brilha, e aquece. Ela pertence aos melhores, como bem sabes. É pena, realmente, que a tal ilha, Taiti ou outra qualquer (a minha fica no mar grego), não esteja nunca senão no nosso desejo. Que havemos de fazer? Suportar é tudo – não foi o Rilke que disse? Suportar– não há para nós outra solução sob pena de abdicarmos de sermos homens.
Na próxima carta já te direi quais são os teus 50 poemas que prefiro. Tenho o maior gosto em indicar-tos.
Lembranças afectuosas à Mécia. Para ti o maior abraço do muito
teu,
Eugénio

(Carta de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena, datada de 21 de Maio de 1969)

APANHADOS DO FACEBOOK

sábado, 21 de janeiro de 2017

POSTAIS SEM SELO


Nem todos os sonhos precisam de ser concretizados.

Patti Smith em M Train

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.

«MEU, NÃO ACREDITO NISTO»


Orbison, na verdade, transcendia todos os géneros – folk, country, rock-and-roll, e quase tudo o mais. As suas músicas misturavam todos os estilos e até alguns que ainda não tinham sido inventados. Ele podia soar mal e desagradável num verso e depois, no verso seguinte, cantar numa voz de falsete como a do Frankie Valli. Com o Roy não se sabia se estávamos a ouvir mariachi ou ópera. Ficávamos com pele de galinha. Tudo nele era oito ou oitenta. Soava como se estivéssemos no cimo do monte Olimpo e soubesse o que andava a fazer. Uma das suas primeiras canções, «Ooby Dooby» tinha sido bastante popular mas a sua nova canção não era nada assim. «Ooby Dooby» era decepcionantemente simples, mas Roy tinha progredido. Estava agora a cantar as suas composições em três ou quatro oitavas, o que nos dava vontade de atirar com o carro por uma ravina abaixo. Cantava como um criminosos profissional. Começava por um nível baixo, quase inaudível, mantinha-se por lá e depois, surpreendentemente, lançava-se para entoações exageradas. A sua voz podia enlouquecer um cadáver e fazia-nos resmungar coisas do género «Meu, não acredito nisto». As canções dele tinham canções dentro de canções. Alternavam de tonalidade maior para menor sem qualquer lógica. Orbison não brincava em serviço – não era nem um amador nem um principiante. Não havia nada como ele na rádio. Ficava na esperança de ouvir outras canções boas mas comparado com Roy, o que passava na rádio era uma chatice… sem coragem e sem energia. Tratavam-nos como se não tivéssemos cérebro. À excepção do George Jones, não gostava da música country. Elvis Presley. Já ninguém o ouvia. Há anos que ele tinha feito aquelas coisas com as ancas e levado as canções a outros planetas. Ainda assim, eu continuava a ligar o rádio, provavelmente mais por hábito do que por qualquer outra razão.

Bob Dylan em Crónicas