terça-feira, 17 de janeiro de 2017

O HOMEM COM A GUITARRA


Nessa noite, quando acabou ao fim de poucos minutos, quando o homem com a guitarra desapareceu envolto em gritos, eu fiquei ali petrificado em frente à televisão, com a cabeça a mil. Tinha dois braços, duas pernas, dois olhos, como ele; era horroroso, mas podia esquecer isso… então o que é que faltava? A GUITARRA! Ele atacava-a, encostava-se a ela, dançava com ela, gritava para ela, apertava-a, acariciava-a, abanava-a sobre as suas ancas e, de vez em quando, até a dedilhava! A chave-mestra, a espada cravada na pedra, o símbolo da retidão, o maior instrumento de sedução que os adolescentes alguma vez tinham visto, a… a… «RESPOSTA» à minha solidão e tristeza. Era uma razão de viver, uma forma de tentar comunicar com as outras almas infelizes presas à mesma condição que a minha. E… estavam à venda no centro da cidade, na Western Auto!
No dia seguinte, convenci a minha mãe a levar-me à Diehl’s Music, em South Street, Freehood. Como não tínhamos dinheiro, alugámos uma guitarra: Levei-a para casa. Abri o estojo. Senti o cheiro da madeira (que continua a ser um dos cheiros mais doces e promissores do mundo), senti a sua magia, apercebi-me do seu poder oculto. Segurei-a nos braços, passei os dedos por cima das cordas, prendi a palheta de tartaruga com os dentes, senti o seu sabor, tive lições de música durante umas semanas… e desisti. Era DIFÍCIL COMO A MERDA! O Mike Diehl, guitarrista e dono da Diehl’s Music, não fazia a menor ideia de como ensinar o que o Elvis andava a fazer a um jovem admirador que queria cantar
blues de escola primária. Apesar do seu acesso incrível àquelas máquinas espantosas, não fazia a menor ideia do verdadeiro poder que elas tinham. Prosaico como todos os americanos da década de 50, só sabia os acordes principais, tratar de papelada e passar horas sem fim com uma técnica brutalmente entediante. Eu QUERIA…. PRECISAVA…. DE ROCK, JÁ! Ainda hoje não sei ler pautas e, nessa altura, os meus dedos de menino de 7 anos nem sequer davam a volta ao braço. Frustrado e envergonhado, disse à minha mãe, ao fim de pouco tempo, que era escusado. Não fazia sentido ele andar a desperdiçar o dinheiro que tanto lhe custava a ganhar.

Brice Springsteen em Born to Run

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