15 de Dezembro de 1952
Morreu Teixeira de Pascoais, e nova glória ambígua
surge no Olimpo doméstico da nossa poesia. Ao lado de dois ou três nomes
recortados e fatais que reinam ali, e a qualquer evocação devota se não pode
esquivar, o seu ficará sempre esfumado e contingente. Incapaz de uma visão
renovada dos mitos que cantou – e eu penso na sua vivência do amor, tão banal
ao lado da de Camões, ou na sua representação da morte, ainda de foice à nossa
espera ao canto da rua, quando outros no-la mostravam já dentro de nós -, velho
e revelho na forma e no conteúdo, por muito que se queira é difícil concebê-lo
nítido e presente na memória duma posteridade que exige dos próprios deuses
milagres cada vez mais concisos e originais. O pseudo-pensamento, a metafísica
de caixa alta, as sínteses arbitrárias e o resto, são escuridões que só geniais
relâmpagos de intuição e de autêntica beleza, marcadamente seus, conseguem
iluminar. A ascese que redimiu a poesia, e é por certo a maior conquista que se
fez ultimamente no campo do espírito, não a pôde entender o autor de Maránus. Ali era o transbordamento, a
retórica, o caos, os sentimentos e as paixões a moverem-se sonâmbulos numa
noite de luar difuso. Bardo in natura, lírico em disponibilidade
permanente, por fatalidade étnica, faltou a Pascoais a compreensão de que o
abandono emotivo passara a ser implacàvelmente, para que nenhum elemento impuro
viesse toldar a claridade sucinta do poema. Criança no mais rigoroso e temporal
sentido, o Poeta não conseguiu a ordenação adulta dos grandes criadores. E é
talvez nessa infância que durou uma vida, na perplexa visão dum mundo informe,
e na ingénua maneira de o testemunhar, que reside o interesse e o problema da
sua personalidade e da sua obra.
Miguel Torga em Diário,
Volume VI
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