domingo, 29 de janeiro de 2017

OLHAR AS CAPAS


Retratos de Sombra

António Mega Ferreira
Capa: Ilda David
Assírio & Alvim, Lisboa, Abril de 2003

A casa já lá estava há muito, quando ele, «enfermo ou elegíaco», curado ou desconsolado de um hipotético amor inglês que correspondia a um «impossível lusitano», resolveu que era nela que queria morrer. Tinha 34 anos e andava às voltas com Marânus, esse poema interminável, constantemente revisto, alterado, rasurado, reescrito, cujos primeiros manuscritos vêm datados do porto, do Mar da Irlanda, de Londres, de Amarante. Marânus andava à procura de casa? E não intuíra já Teixeira de Pascoaes (1877-1952) que a casa do seu herói era o Marão grandioso, genésico, cósmico? Não se perdera ele (e não se encontrara, também) pelos caminhos da «alta e santa montanha omnipotente/ de onde os montes, em círculos infindos,/parecem afastar-se vagamente,/ e em brumas e saudades se diluem…»?
A decisão, anunciara-a, em remate de conversa desconchavada e irónica, ao seu sócio de banca, Magalhães e Silva, no escritório acanhado da rua das Taipas, onde viera aterrar após a digressão por Inglaterra: «Vou regressar à minha aldeia. Quero morrer onde nasci… É pagar uma dívida sagrada». Era novo para morrer, tão novo, que ali viveu quarenta e uma nos, até que a vida se lhe extinguiu, em 14 de Dezembro de 1952. E que sonhos, que desvairadas fantasias, que lumes postos nos montes e que caveiras nos penhascos, que amorosos e extenuados retratos da impossível Leonor, que dor (e que exaltação) de estar a viver de fantasmas e sombras, de espectros e anjos, de incêndios e tempestades. Tudo isso lho desatou e ateou a casa, aquela casa, «o velho pardieiro da infância», a cujo portão de ferro, o que fecha, com as três fechaduras da casa, o terreiro grande, assomou, num dia de 1911, o advogado Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcellos: «em conclusão, o poeta venceu o advogado, adoecendo ou tirando forças da fraqueza». Daí em diante, Teixeira ficava entregue a Pascoaes.

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