Retratos de Sombra
António Mega
Ferreira
Capa: Ilda David
Assírio &
Alvim, Lisboa, Abril de 2003
A casa já lá estava há muito, quando ele, «enfermo ou
elegíaco», curado ou desconsolado de um hipotético amor inglês que correspondia
a um «impossível lusitano», resolveu que era nela que queria morrer. Tinha 34
anos e andava às voltas com Marânus,
esse poema interminável, constantemente revisto, alterado, rasurado, reescrito,
cujos primeiros manuscritos vêm datados do porto, do Mar da Irlanda, de
Londres, de Amarante. Marânus andava à procura de casa? E não intuíra já
Teixeira de Pascoaes (1877-1952) que a casa do seu herói era o Marão grandioso,
genésico, cósmico? Não se perdera ele (e não se encontrara, também) pelos
caminhos da «alta e santa montanha omnipotente/ de onde os montes, em círculos
infindos,/parecem afastar-se vagamente,/ e em brumas e saudades se diluem…»?
A decisão, anunciara-a, em remate de conversa
desconchavada e irónica, ao seu sócio de banca, Magalhães e Silva, no
escritório acanhado da rua das Taipas, onde viera aterrar após a digressão por
Inglaterra: «Vou regressar à minha aldeia. Quero morrer onde nasci… É pagar uma
dívida sagrada». Era novo para morrer, tão novo, que ali viveu quarenta e uma
nos, até que a vida se lhe extinguiu, em 14 de Dezembro de 1952. E que sonhos,
que desvairadas fantasias, que lumes postos nos montes e que caveiras nos
penhascos, que amorosos e extenuados retratos da impossível Leonor, que dor (e
que exaltação) de estar a viver de fantasmas e sombras, de espectros e anjos,
de incêndios e tempestades. Tudo isso lho desatou e ateou a casa, aquela casa,
«o velho pardieiro da infância», a cujo portão de ferro, o que fecha, com as
três fechaduras da casa, o terreiro
grande, assomou, num dia de 1911, o advogado Joaquim Pereira Teixeira de
Vasconcellos: «em conclusão, o poeta venceu o advogado, adoecendo ou tirando
forças da fraqueza». Daí em diante, Teixeira ficava entregue a Pascoaes.
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