segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

COMPREENDE, NÃO É?


Mário-Henrique Leiria nasceu a 2 de Janeiro de 1923 e morreu a 9 de Janeiro de 1980.

Há quem diga que morreu de fome, de prolongado abandono. O Luiz Pacheco não concordava e escreveu: Não dei por tal. Da última vez que o visitei na Vivenda Xavier, em Carcavelos, estava doente, acamado. Mas dotado do humor mordaz que sempre lhe conheci. Rimo-nos muito, como de costume. Não viveria no luxo, tão-pouco caíra no lixo. Diminuído no físico, alerta e destro no espírito. 

Jorge Listopad:

Nada de Passadismos para os «Secos & Molhados», disseram-me.
Por isso hoje começo por Mário-Henrique Leiria que morreu há uma semana. Tão presente. Escritor e poeta que baralhou as cartas de todas as convenções, o humorista de origem melancólica, magíster da ironia mordaz e terna, ao observar o mundo como o fruto surrealista de coincidências artísticas, realmente muito «chateado» com a desordem da ordem.
Lisboeta, nasceu em 1923. Curriculum: Belas-Artes, não acabadas, movimento surrealista, marinha mercante, caixeiro de praça, metalúrgico, caminheiro (estradeiro, como diz Mário de Andrade), Europa Latina, Balcãs, Transibéria (?), Carcavelos,  Carcavelos-hospital.
Autor de poesia, de centenas de textos jornalísticos, de contos, cujo livro Contos do Gin-Tonic em 73, no último marcelismo, foi um best-seller pela qualidade e livre respiração.
Chegaram depois a sua casa e disseram-lhe:
- Mas você não consegue escrever coisas compridas! Isso que faz é uma miséria.
- Coisas compridas, como?
- Bem, romances, crónicas autênticas, ensaios sólidos.
.-Não, isso não sou capaz.
- Então você não é um escritor.
- Pois não. Quem se atreveu a chamar-me tal coisa?
- Desculpe. Mas uma coisa comprida, por favor, não arranja?
- Quando as coisas vão a ficar maiores, deito logo fora. Compreende, não é?

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