Enquanto atravessava a Sexta Avenida, as palavras
Callas é Medeia é Callas rodopiavam de modo ritmado ao som dos calcanhares das
minhas botas a bater np pavimento. Pier Pailo Pasilini estudos com cuidado as possibilidades
de elenco e acabou por escolher Maria Callas, uma das vozes mais expressivas de
todos os tempos, para um papel é pico com pouco diálogo e em que o canto não
entrava. Medeia não canta canções de
embalar, ela assassina os próprios filhos. Callas não era uma cantora perfeita,
mas a sua voz saía das entranhas do seu ser e fê-la conquistar a pulso o seu
lugar no mundo. A tristeza das heroínas que encarnou não a preparou para a sua própria
dor. Traída, abandonada, ficou sem amor, sem voz, sem o filho que perdera, condenada
a viver a sua vida em solidão. Preferia imaginar Callas livre das pesadas
vestes de Medeia, a rainha queimada, na túnica amarelo-claro sob elas. Usava pérolas.
A luz inunda o seu apartamento em paris quando pega num pequeno guarda-joias de
couro. O amor é a joia mais preciosa de todas, murmura, desapartando as pérolas
que lhe caem da garganta, escalas cantadas em ondulações de sofrimento que
diminuem depois até ao silêncio.
Patti Smith em MTrain
Legenda: Maria Callas no filme Medeia de Pier Paolo Pasolini
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