No dia 23 de
Setembro de 1966, em Chaves, plena ditadura salazarista, Miguel Torga escrevia
sobre o medo, e não só:
Só há uma lepra humana pior do que o despotismo: a
cobardia. A cobardia individual ou colectiva, a que recua diante da força ou
diante dos factos. De maneira singular ou plural, aberta ou encobertamente, a
vida faz-nos sempre a mesma exigência: o exercício quotidiano da coragem e do
risco. E quando o medo nos tolhe, e nos negamos a essa prática salutar,
perdemos como parcelas oyu como soma, aquela mínima dignidade que distingue a
pessoa da rês e o grupo da manada.
E o medo tolheu-nos. Por todo o país só se vêem
paralíticos, seres entorpecidos, que renunciaram a viver no terreiro da
claridade afirmativa e vegetam no antro da obscuridade negativa. Prudentemente
fechado no seu casulo, cada qual olha o vizinho como um inimigo, a quem não
fala e a quem não quer ouvir. Falar, é denunciar-se; ouvir é comprometer-se. E
só ao nível da anedota constituímos uma nação. Apenas nesse baixo plano
chalaceiro dialogamos e nos sentimos irmãos.
Miguel Torga, Diário,
Volume X
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