quarta-feira, 30 de novembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


 nesta  apeensão súbita de um destino ainda por cumprir.

José Saramgo em  Deste Mundo e do Outro

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 Terminamos, por hoje, alguns dos passos para se chegar ao único Nobel da Literatura em português.

A descrição que se segue encontra-se em Uma Longa Viagem Com José Saramago de João Céu e Silva

 “Eu estava na Feira do Livro de Frankfurt, onde tinha participado numa mesa redonda com outros escritores, exactamente na altura em que o Prémio Nobel seria anunciado – normalmente é revelado na primeira quinta-feira do mês e eu estava na terça e na quarta em Frankfurt. A Pilar tinha ouvido uns “zunszuns” mas não queria, evidentemente, confirmar nada. Nem poderia… Na manhã do dia em que foi anunciado, quando ela me telefona – ou eu telefono do hotel, já não me lembro qual de nós o fez mas creio que foi ela disse-me: “Porque é que não ficas aí? Porque com essa coisa do Nobel nunca se sabe… E eu: “Pilar, eu fico aqui, não me dão o Nobel e perco o avião! Vou-me embora”. Fui para o Aeroporto de Frankfurt. O avião partia às 12,05 e o anúncio do prémio era feito ao meio-dia, altura em que o secretário da Academia Sueca vinha anunciar o nome do galardoado aos jornalistas que estavam no exterior. Ora, eu já estava na sala de embarque em Frankfurt e na fila dos passageiros para entrar quando, de repente, olho para o relógio e penso: “A esta hora já se sabe quem é que ganhou. É um pouco disparatado ir-me daqui sem saber…!” Então saio da fila, vou a um telefone, ligo para o sector de Portugal na Feira do Livro e mando chamar o Zeferino Coelho. Ele não estava ali e a pessoa que me atendeu foi à sua procura enquanto fiquei à espera. Nessa altura ouço uma voz no altifalante que me chama e ao mesmo tempo aproxima-se uma hospedeira da Lufthansa – apesar do avião ser da Ibéria – que vem com um telefone na mão e diz: 


“Está aqui uma jornalista que quer falar consigo”. O mais curioso é que a correspondente da televisão (Teresa Cruz) deve ter dito a razão porque ela não pôde conter-se e disse-me: “È que o senhor ganhou o Prémio Nobel”

Sei que estava evidentemente feliz, mas era uma felicidade que não se manifestava feliz porque era uma grande coisa da qual eu não tinha noção do tamanho.”

 Luciana Stegano Picchio, especialista italiana em literatura portuguesa:


“Este é o prémio mais justo dos últimos 15 anos. Durante todos os anos em que foi atribuído o Nobel, nunca tinha sido reconhecido este bloco linguístico de mais de 200 milhões de pessoas. Estávamos à espera há muito tempo desta notícia, com aquela angústia de quem não vê chegar as malas ao aeroporto. Desta vez chegou. É justo. Saramago merece o Nobel.”

 «A notícia engravidou-nos de satisfação»

 António Reis, poeta

 «Gostava de conhecê-lo pessoalmente para lhe poder dizer que, de alguma forma, os  seus livros mudaram muito da minha vida.», como escreveu um leitor anónimo, naquelas muitas milhares e milhares de cartas que Saramago recebeu e que ainda aguardam publicação em livro, tal como um dia o autor deixou expresso.

«Tenho milhares de cartas e costumo dizer que a obra completa de um escritor só estará realmente completa publicando-se uma selecção das cartas dos leitores porque – fala-se tanto da teoria da recepção – é naquelas cartas que se vê realmente o que é a recepção. Em casa devemos ter umas duas mil cartas de leitores que é preciso classificar e ordenar.»

 E nas imagens, que também ninguém registou, sabemos que nas noites quentes de Verão, depois da ceia, o avô dizia-lhe:

 «José, hoje vamos dormir os dois debaixo da figueira.

E enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com as histórias e os casos que o meu avô ia contando: lendas, aparições, assombros, episódios singulares, mortes antigas, zaragatas de pau e pedra, palavras de antepassados, um incansável rumor de memórias que me mantinha desperto, ao mesmo tempo que suavemente me acalentava.

Nem será preciso dizer que eu imaginava que o meu avô Jerónimo era senhor de toda a ciência do mundo.»

 Ali, naquelas noites, outras noites, terão nascido todas as personagens que encheram o mundo dos livros de José Saramago, fizeram dele a pessoa que sempre foi, que uns amam, outros odeiam, mas a que não se pode ficar indiferente.

 «Em certo sentido poder-se-á dizer que, letra a letra, palavra a palavra, página a página, livro a livro, tenho vindo, sucessivamente, a implantar no homem que fui as personagens que criei.»

 E, servindo-se do seu livro Ensaio Sobre a Cegueira, em final de discurso, dirá «que a dignidade do ser humano é todos os dias insultada pelos poderosos do nosso mundo».

 Carta de Sophia Mello Breyber Andresen, datada de Março de 1978, para Jorge de  Sena:

 «Surgiu um facto que quero que fique claro: Por alturas de Dezembro recebi uma carta da Academia Sueca a convidar-me para eu propor um candidato ao Nobel da Literatura. No ano passado propus o teu nome. Depois disso, aqui há tempos surgiu uma comissão propondo o Torga e pediram-me que me associasse à sua proposta. Associei-me pois não me podia negar. Primeiro porque admiro muito o Torga, segundo porque gostaria que houvesse um Nobel português, uma vez que seja um escritor que tenha um nível de qualidade que como pátria me honre. Isto é : eu queria que o voto em ti funcionasse a teu favor, mas não contra o Torga. Para que não fosse diminuída a possibilidade de o Nobel ser atribuído a um português. Em consequência escrevi de novo à Academia Sueca explicando que mantinha o voto em ti mas que também apoiava uma candidatura do Torga dado que ambas eram candidaturas com grande qualidade e dignidade.»

Só te digo isto a ti porque a carta da Academia Sueca me pede silêncio sobre o meu voto por isso te peço que não fales disto a ninguém.

Em Correspondência


FRATERNIDADE

A qual de nós engano quando irmão

Nestes versos te chamo?

Não são irmãs as folhas que do chão

Olham no céu o ramo.

Melhor é aceitar a solidão

Viver raivosamente como o cão

Que remorde o açamo.

José Saramago em Os Poemas Possíveis

terça-feira, 29 de novembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


 Este jogo entre uma memória que puxa e um esquecimento que empurra, jogo inútil, o esquecimento acaba por ganhar sempre.

José Saramago

Legenda: pintura de Jackson Pollock

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


Continuação de alguns dos passos para se chegar ao único Nobel da Literatura em português.

Se não queremos ir muito longe, os Cadernos de Lanzarote são, talvez, o melhor auxílio para elaborarmos anteriores referências que José Saramago tenha feito sobre o Prémio Nobel, não só o seu, mas o de outros.

Volume I

 «Entrevista a Plínio Fraga, da “Folha de S. Paulo. Uma das questões era que António Houaiss, aqui há tempos, teria apostado em dois nomes para o Prémio Nobel deste ano: João Cabral de Melo neto e este servidor. Pedia-se-me que comentasse a declaração de Houaiss e eu lembrei a Plínio o que Graham Greene respondeu a um jornalista que lhe perguntou o que pensava ele da atribuição do Prémio Nobel a François Mauriac. Foi esta a frase histórica: “O Nobel honrar-me-ia a mim, ao passo que Mauriac honra o Nobel.” Aí tem, disse, eu sou o Grahaam Greene desta história, e João Cabral de Melo Neto o Mauriac. Mas, em seguida, esgotada a minha capacidade de abnegação e modéstia, e também para não aparecer aos leitores da “Folha” como um sujeitinho hipócrita, acrescentei, desta maneira me sangrando em saúde: “Em todo o caso, parecer-me-ia justo que o primeiro Nobel de Literatura para a Língua Portuguesa fosse dado a um português, porque, na verdade, vai para novecentos anos que estamos à espera dele, enquanto vocês nem sequer dois séculos de esperanças frustradas levam…»

 (Página 21)

7 de Outubro de 1993

« O Nobel foi para uma escritora norte-americana negra Toni Morrison. Ignorante como sou do que se faz literariamente no mundo da língua inglesa, o nome dela era-me totalmente desconhecido. Mas, a avaliar pelas declarações da contemplada e pelo que fiquei a saber agora da sua vida, o prémio foi muito bem dado. Há traduções de livros seus em Espanha: vou tentar pôr-me em dia.»

(Página 136).

Volume II

6 de Janeiro de 1994

José Saramago refere um artigo, publicado na revista Cambio 16, assinado por Mário Ventura Henriques sobre os desejos e votos para o ano que entra.

«Em dado passo pergunta-se o articulista se será neste ano de 1994 que a literatura portuguesa se verá contemplada com o Nobel. O insólito da história consiste em apresentar-se o artigo ilustrado com uma fotografia minha, ainda por cima adornada com uma legenda que me associa ao suspiradíssimo prémio»

(Página 12)

8 de Maio de 1994

Conversa em casa do Jorge Amado. 

«Veio à baila as probabilidade de um Nobel para a língua portuguesa… Jorge diz que há quatro candidatos: Torga, João Cabral de Melo Neto, eu e ele próprio.»

(Página 110)

21 de Setembro de 1994

Jorge Amado escreve a Saramago e informa-0 que recebeu de Nova Iorque a informação  de que o Nobel deste ano será para Lobo Antunes. Amado insiste que o seu favorito é outro.

« Quanto a mim, de Lobo Antunes, só posso dizer isto: é verdade que não o aprecio como escritor, mas o pior de tudo é não poder respeitá-lo como pessoa. Como não há mal que um bem não traga, ficarei eu, se se confirmar o vaticínio do jornalista, com o alívio de não ter de pensar mais no Nobel até o fim da vida.»

(Página 200)

12 de Outubro de 1994

«Diz-se em Lisboa que o Nobel está no papo de Lobo Antunes. Pelos vistos, o jornalista brasileiro conhecido de Jorge Amado, sabia do que falava. Também me dizem que Lobo Antunes já se encontra na Suécia.»

(Página 212)

13 de Outubro

«O Nobel foi para um escritor japonês,  Kenzaburo  Oe. Afinal o jornalista estava enganado. Nelson de Matos até tinha feito declarações à rádio, ou à televisão, não sei bem, dando como favas contadas a vitória do seu editado. O que vale é que o ridículo, pacientíssimo, continua a não matar. Quanto a mim, tenho de começar a pedir desculpa os meus amigos por não ganhar o Nobel…»

(Página 213)

14 de Outubro de 1994

«Veio a Lanzarote, para entrevistar-me, uma equipa de reportagem da TVI. Pessoal simpático, um deles, Carlos de Oliveira, já meu conhecido. Perguntas muitas: polí­tica, religião e, inevitavelmente, o Nobel. Já que o meu nome tinha andado envolvido nesta outra espécie de bingo, aproveitei a ocasião para, de uma vez para sem­re, pôr a claro o assunto, tal como o vejo: em primei­ro lugar, o dinheiro é dos suecos e eles dão-no a quem entendem; em segundo lugar, há que acabar com esta história de andar como de mão estendida a implorar a esmolinha de um Nobel; em terceiro lugar, é absurdo fazer depender o prestígio da literatura portuguesa de se ter ou não se ter o Nobel; em quarto lugar, se o che­que fosse, por exemplo, de dez mil dólares, o planeta dos escritores pouco se importaria com ele; em quinto lugar, e concluindo, deixemo-nos de hipocrisias e tenha­mos a franqueza de reconhecer que, nesta comédia, o que verdadeiramente conta é o dinheiro.»

(Página 214)

Volume III

23 de Maio de 1995

«Uma leitora na Feira: “Para o ano que vem teremos mais “Cadernos”?”. Respondo medievalmente como de costume: “Vida havendo e saúde não faltando…” E ela: “É que quero ver neles a notícia do Prémio Nobel…”

(Página 124)

Volume V

 9 de Outubro de 1997

 «Foi muito simples. Encontrávamo-nos na cozinha. Pilar e eu, sós, quando a rádio informou que o Prémio Nobel tinha sido atribuído a Dario Fo. Olhámo-nos tranquilamente (sim, tranquilamente, jurá-lo-ia se fosse necessário) e eu disse: «Pronto. Podemos voltar ao nosso sossego.» Amanhã partiremos para Colónia.»

(Página 176)

14 de Outubro de 1997

«Frankfurt. Pilar telefonou hoje para casa, a saber se havia alguma novidade, e realmente, sim, havia novidade, a mais inesperada de todas as possíveis, aquela que nunca seríamos capazes de imaginar: nada mais nada menos que uma chamada telefónica de Dario Fo e dizer: «Sou um ladrão, roubei-te o prémio. Um dia será a tua vez. Abraço-te.» Mal saído do assombro em que a notícia me tinha deixado, disse a Pilar: «Suponho que uma coisa assim nunca terá acontecido na história deste prémio…», e Pilar, sábia, respondeu-me: «Não há que perder a confiança na generosidade humana.»

(Página 178)

 

(Continua)

DEMISSÃO

Este mundo não presta, venha outro.

Já por tempo de mais aqui andamos

A fingir de razões suficientes.

Sejamos cães do cão; sabemos tudo

De morder os mais fracos, se mandamos,

E de lamber as mãos, se dependentes.

José Saramago em Os Poemas Possíveis

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


 Nunca faltaram caminhos para chegar aonde a oculta vontade ambiciona: basta que se encontrem os pretextos.

José Saramago


SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 

Alguns dos passos para se chegar ao único Nobel da Literatura em português.

Não posso passar por livrarias, bancas de jornais.

Nas livrarias entro logo, nas bancas de jornais fico a olhar.

 Foi assim naquela quarta-feira de 7 de Outubro de 1998.

 Numa banca de jornais em Manteigas, os olhos saltaram para o topo da primeira página do «24 Horas», de leitura pouco recomendável, e que deixou de se publicar em Junho de 2010.

 O título dizia que os americanos apostavam em José Saramago para o Nobel desse ano.

 Assim aconteceu.

Naquela longa Conversa que manteve com João Céu e Silva, José Saramago revelou:

 «A Agustina, numa entrevista que deu disse que o em Portugal só havia dois escritores que mereciam o Nobel: um era o Vergílio Ferreira e o outro era ela. E também diz a certa altura: “Não, o José Saramago não é um grande escritor. É o produto de certas circunstâncias” e por aqui se ficou.”

 Numa entrevista à Visão, António Lobo Antunes teve este assomo de modéstia:

 «Não tenho a menor dúvida de que não há, na língua portuguesa, quem me chegue aos calcanhares. E nada disto tem a ver com vaidade porque, como sabe, sou modesto e humilde».


(CONTINUA)

DOS REBOTALHOS E COISAS ASSIM...


Enquanto quase todos veem futebol catari, outros, tão poucos, vão pensando que o mundo está tão perigoso que causa arrepios. Marcelo avisa-nos – olha a novidade!... – Costa também, que o ano que há-de chegar, vai ser duro e exigente!

1.

A Polícia Judiciária desmantelou uma rede de traficantes que exploravam trabalhadores agrícolas no Alentejo com a falsa promessa de bons salários e alojamentos dignos. No que mafiosos chamam alojamentos dignos, viviam mais de 70 pessoas a dormir num alojamento com uma única casa de banho, com colchões espalhados pela casa e ordenados entre 5 e 10 euros por semana.

Esta situação de exploração humana nas explorações agrícolas espalhadas pelo país, existem há vários anos sem que as autoridades governamentais, apesar de sucessivos alertas, tomassem quaisquer providências.

Mas não existe um Alto Comissário para as Migrações?

O SEF ainda está em funções?

Que fazem os ministros no governo de maioria absoluta?

2.

A sobrevalorização do preço das casas em Portugal está a bater recordes e é equiparável ao fenómeno que também afecta outros países da União Europeia, sobretudo os mais ricos, entre eles alguns Estados nórdicos como Suécia ou Dinamarca.

E os jovens do ensino superior, que vêm para Lisboa com o fito de tirar um curso, não encontram habitação a preços decentes e muitos desistem de estudar.

A mesma pergunta:

Que fazem os ministros do governo de maioria absoluta?

3.

No Café do Monte, Ana Cristina Leonardo lê a imprensa internacional:

«A aliança do Ocidente contra Vladimir Putin começa a revelar fraturas, explicou esta sexta-feira o jornal “POLITICO”: as principais autoridades europeias estão furiosas com a Administração Biden e acusaram agora os americanos de fazer uma fortuna com a guerra enquanto os países da UE sofrem. “Se olharmos com seriedade, o país que mais lucra com esta guerra são os Estados Unidos, porque vendem mais gás a preços mais altos e porque estão a vender mais armas”, garantiu um alto funcionário europeu à publicação. “Os Estados Unidos precisam de perceber que a opinião pública está a mudar em muitos países da UE.”

Enquanto tentam reduzir a sua dependência da energia russa, a UE voltou-se para o gás dos EUA – mas o preço que os europeus pagam é quase quatro vezes mais alto do que os mesmos combustíveis nos Estados Unidos. É demais para os responsáveis de Bruxelas – o presidente francês, Emmanuel Macron, garantiu que os altos preços do gás nos EUA não são “amigáveis” e o ministro da Economia da Alemanha pediu a Washington que mostre mais “solidariedade” e ajude a reduzir os custos de energia.

Diversos ministros e diplomatas expressaram a sua frustração com a forma como o Governo de Biden simplesmente ignorou o impacto das suas políticas económicas domésticas sobre os aliados europeus. Quando os líderes da UE enfrentaram Biden sobre os altos preços do gás nos EUA na reunião do G20 em Bali na semana passada, o presidente americano simplesmente parecia não saber do assunto, segundo revelou fonte próxima.» 

4.

Na compra de uma mesa e vinte e quatro cadeiras para a residência oficial do primeiro-ministro, foram gastos vinte e um mil euros.

Será que os ministros do governo de maioria absoluta, para além de empregos de consultoria jurídica que arranjam para amigos e familiares, sempre fazem alguma coisa?

5.

O governo estima que a relocalização do Complexo Logístico da Bobadela vá custar seis milhões de euros ao Estado, mas um documento das autarquias fala em 90 milhões.

O parque logístico dos contentores da Bobadela terá de ser desactivado até final deste ano para que toda aquela área fique disponível para apoio e realização das Jornadas Mundiais da Juventude, que ocorrerão no Verão do próximo ano, com a presença do Papa Francisco.

Contudo, até agora as autarquias ainda não sabem se os contentores ficam em Loures, ou se deslocam para Vila Franca de Xira ou para qualquer outra autarquia.

6.

Segundo dados do Censo de 2021, agravou-se o índice de envelhecimento e aumentou o número de estrangeiros a viver em Portugal. 

Mais de 23% da população portuguesa era idosa, o fenómeno de envelhecimento agravou-se na última década.

Acima de um milhão de gente, vive sozinha.

A solidão não pára de crescer.

É uma doença crónica, dizem especialistas.

Há quem diga que os centros comerciais, acima de tudo, existem para muitos poderem administrar a sua solidão.

O poeta Alexandre O’Neill dizia que a solidão procurada é boa, a que não é procurada, torna-se muito chata.

Outro poeta, José Gomes Ferreira, escreveu numa parede do quarto do filho: «A solidão é boa para não se estar sozinho.»

Fernando Lopes Graça morava na Parede. A pianista Olga Prats também. Numa noite de Verão, em que o acompanhava a casa, Olga Prats ouviu o Graça dizer:

«Eu agora não queria ficar sozinho, fosse quem fosse, homem ou mulher, rapaz ou rapariga, nem que fosse um cão.»

BARALHO

Lanço na mesa as cartas de jogar:

Os amores de cartão e as espadas,

Os losangos vermelhos de ouro falso,

A trilobada folia que ameaça.

Caso e descaso aas damas e os valetes,

Andam os reis pasmados nesta farsa.

E quando conto os pontos da vitória,

Sai-me de lá, a rir como perdido,

Na figura do bobo o meu retrato.

José Saramago em Os Poemas Possíveis

domingo, 27 de novembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


 Dedicamos demasiado tempo a conjecturar o que há para além da vida, e demasiado pouco a interrogarmo-nos sobre o que está a acontecer na própria vida.

José Saramago

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 Toda a morte deixa um vazio à espera de ser preenchido.

 Algumas mortes também são nossas mortes.

 É tão estranho que entre a avalancha de saberes úteis e inúteis que acumula­mos uma vida inteira não esteja este: aprender a morrer.

 Guardo esta frase de Victor Cunha Rego, que foi, entre outras coisas, director do Diário de Notícias:

«A pessoa preparar-se para a morte é a grande finalidade da vida.»

 Fernando Pessoa sentia-se fácil de definir.

«Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, não há nada mais simples. Tem só duas datas – a da minha nascença e da minha morte»

 Li, e agora lamento não saber onde e quem escreveu:

« Não só me diverti bastante quando li ‘As Intermitências da Morte’, como me comovi. Não se pode pedir mais a um escritor.»


«Dormitou numa cadeira, quis afundar-se num sono interminável, não acordar nunca mais. Deitado no chão, à espera de um sinal que não vinha, o cão olhava-o. Talvez a causa do abatimento do dono fosse a mulher que apareceu no parque, pensou, afinal não era certo aquele provérbio que dizia que o que os olhos não vêem, não o sente o coração. Os provérbios estão constantemente a enganar-nos, concluiu o cão. Eram onze horas quando a campainha da porta tocou. Algum vizinho com problemas, pensou o violoncelista, e levantou-se para ir abrir. Boas noites, disse a mulher do camarote, pisando o limiar, Boas noites, respondeu o músico, esforçando-se por dominar o espasmo que lhe contraía a glote, Não me pede que entre, Claro que sim, faça o favor. Afastou-se para a deixar passar, fechou a porta, tudo devagar, lentamente, para que o coração não lhe explodisse. Com as pernas tremendo acompanhou-a à sala de música, com a mão que tremia indicou-lhe a cadeira. Pensei que já se tivesse ido embora, disse, Como vê, resolvi ficar, respondeu a mulher, Mas partirá amanhã, A isso me comprometi, Suponho que veio para trazer a carta, que não a rasgou, Sim, tenho-a aqui nesta bolsa, Dê-ma, então, Temos tempo, recordo ter-lhe dito que as pressas são más conselheiras, Como queira, estou ao seu dispor, Di-lo a sério, É o meu maior defeito, digo tudo a sério, mesmo quando faço rir, principalmente quando faço rir, Nesse caso atrevo-me a pedir-lhe um favor, Qual, Compense-me de ter faltado ontem ao concerto, Não vejo de que maneira, Tem ali um piano, Nem pense nisso, sou um pianista medíocre, Ou o violoncelo, É outra cousa, sim, poderei tocar-lhe uma ou duas peças se faz muita questão, Posso escolher, perguntou a mulher, Sim, mas só o que estiver ao meu alcance, dentro das minhas possibilidades. A mulher pegou no caderno da suite número seis de bach e disse, Isto, É muito longa, leva mais de meia hora, e já começa a ser tarde, Repito-lhe que temos tempo, Há uma passagem no prelúdio em que tenho dificuldades, Não importa, salta-lhe por cima quando lá chegar, disse a mulher, ou nem será preciso, vai ver que tocará ainda melhor que rostropovitch. O violoncelista sorriu, Pode ter a certeza. Abriu o caderno sobre o atril, respirou fundo, colocou a mão esquerda no braço do violoncelo, a mão direita conduziu o arco até quase roçar as cordas, e começou. De mais sabia ele que não era rostropovitch, que não passava de um solista de orquestra quando o acaso de um programa assim o exigia, mas aqui, perante esta mulher, com o seu cão deitado aos pés, a esta hora da noite, rodeado de livros, de cadernos de música, de partituras, era o próprio johann sebastian bach compondo em cöthen o que mais tarde seria chamado opus mil e doze, obras elas quase tantas como foram as da criação. A passagem difícil foi transposta sem que ele se tivesse apercebido da proeza que havia cometido, mãos felizes faziam murmurar, falar, cantar, rugir o violoncelo, eis o que faltou a rostropovitch, esta sala de música, esta hora, esta mulher. Quando ele terminou, as mãos dela já não estavam frias, as suas ardiam, por isso foi que as mãos se deram às mãos e não se estranharam. Passava muito da uma hora da madrugada quando o violoncelista perguntou, Quer que chame um táxi para a levar ao hotel, e a mulher respondeu, Não, ficarei contigo, e ofereceu- lhe a boca. Entraram no quarto, despiram-se e o que estava escrito que aconteceria, aconteceu enfim, e outra vez, e outra ainda. Ele adormeceu, ela não. Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta de cor violeta. Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu.»

 

José Saramago em As Intermitências da Morte, página 212

QUEM DIZ TEMPO DIZ LUGAR

Quem diz tempo diz lugar

Dizer hoje é o mesmo que

Dizer aqui onde estamos

Quando o porquê é porque

 

Por isso eu hoje antecipo

Mar fundo futuro monte

No ponto do amanhã

A hora do horizonte

 

Esta certeza aqui vem

Da incerteza dos passos

Dos descompassos do tempo

Dos braços noutros abraços

 

Porque o tempo e o lugar

Não eram ontem então

Eram circuitos em volta

E fusos de confusão

 

Mesmo o aqui deste agora

É por enquanto a parcela

Do lugar certo e da hora

Que no lugar se revela

 

Por isso eu hoje antecipo

Mar fundo futuro monte

O ponto da amanhã

Na hora do horizonte


José Saramago em Provàvelmente Alegria

sábado, 26 de novembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma.

José Saramago

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


Se há palavras que detesto, o «politicamente correcto» é uma delas, porque raro compreendo os que as aplicam, ou o que querem dizer quando as aplicam.

Desde que saiu o 1º volume de Os Cadernos de Lanzarote se percebeu, facilmente, que os que  desprezaram a ideia, estavam mais interessados em apoucar José Saramago do que outra coisa qualquer. Não tardaram a chamar-lhe narciso, não sabendo – nem querem saber! – que poderão existir narcisos de excelência.

Numa entrevista ao JL, sobre  o começo da publicação dos Cadernos, Saramago disse:

« Desde que o Eduardo Prado Coelho declarou que lhe deu «um grande gozo» escrever Tudo O Que Não Escrevi, parece que se esperam afirmações de um «gozo» pelo menos igual por parte daqueles que também praticam o ofício. Por meu lado, o que me preocupa é o «gozo», o «prazer», que possam vir a ter os leitores  diante do que, para mim,  foi trabalho».

São diversos os temas e os problemas que Saramago a aflora nos seus Cadernos. Muitos dos apontamentos estão datados no tempo, outros não são fáceis de clarificar, por não sabermos de quem Saramago fala, ou quer falar, e o porquê, outros, ou aqueles em que o pé não joga com a chinela. Mas a maior parte são clarinhos como água: as fricções invejosas de Lobo Antunes que sugeriu a Saramago que devia deixar um parêntese aberto à noite para arejar a prosa ou quando afirmou que Saramago era um pobre inútil, pois existem muitos escritores que são propagandistas de si mesmos.

Em resumo: críticos, outras gentes, entenderam que os Cadernos estão repletos de fragilidades, vaidades. 

Entendo estes Cadernos, nunca como uma obra marginal, antes uma ajuda, boa ajuda, na finalidade de compreender, para além de outras suas obras, José Saramago, o escritor e o cidadão.

 

29 de Abril de 1993

 

   A propósito da publicação em França do seu Requiem, Antonio Tabucchi dá uma entrevista a Le Monde. Em certa altura, o entrevistador, René de Ceccaty, informa os seus leitores de que Tabucchi é o principal introdutor da literatura portuguesa em Itália, asserção que não pretendo discutir, mas que, desde logo, seria bastante mais exacta se, onde se diz é, se tivesse dito foi. O que sobretudo me interessa aqui é o que vem a seguir, posto no francês próprio para que não se percam nem o sabor nem o rigor: “Toutefois, si l’on évoque José Saramago, Tabucchi prend un air absent et détourne le regard. Manifestement, c’est vers une autre littérature que ses affinités le dirigent.” Porque René de Ceccatty passou de imediato a outro tema, porque, por distracção ou delicadeza, não perguntou a Tabucchi a razão profunda daquele “ar ausente” e daquele “desvio do olhar”, devo ter perdido a grande ocasião de conhecer, enfim, os motivos da hostilidade mal disfarçada e da evidente frieza que Tabucchi manifesta sempre que tem de falar de mim ou comigo. Acontece na minha presença, posso imaginar, a partir de agora, como será a ausência. Disse que perdi a ocasião, mas talvez não seja assim. Toda a entrevista se desenrola no campo da relação vivencial e intelectual de Tabucchi com Pessoa, e foi justamente isto, este discurso fechado, este ritornelo obsessivo, que, num repente, me pôs a funcionar a intuição: Antonio Tabucchi não me perdoará nunca ter escrito O Ano da Morte de Ricardo Reis. Herdeiro, ele, como faz questão de se mostrar, de Pessoa, tanto no físico quanto no mental, viu aparecer nas mãos de outrem aquilo que teria sido a coroa da sua vida, se se tivesse lembrado a horas e tivesse a vontade necessária: narrar, em verdadeiro romance, o regresso e a morte de Ricardo Reis, ser Reis e ser Pessoa, por um tempo, humildemente – e depois retirar-se, porque o mundo é vasto de mais para andarmos cá a contar sempre as mesmas histórias. Admito que a verdade possa não coincidir, ponto por ponto, com estas presunções minhas, mas reconheça-se, ao menos, que se trata de uma boa hipótese de trabalho… Como se já não fosse suficiente carrego ter de levar às costas a inveja dos portugueses, sai-me agora ao caminho este italiano que eu tinha por amigo, com um arzinho falsamente ausente, desviando os olhos, a fingir que não me vê.

 

José Saramago, Cadernos de Lanzarote, página 22

COMO UM VIDRO ESTALADO

Como um vidro estalado… A quem me ler

Não direi, já agora, se esta imagem

Vem serena dos ramos que perderam

As folhas contra o céu, ou se mastigo

Qualquer raiva escondida.

Como doendo, ou sendo, ou mastigando,

Sejam rendas aéreas, alma ferida,

Fecho. Brusco, o poema onde não digo.


José Saramago em Provàvelmente Alegria

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


 Houve vítimas. Haverá prisões e, provavelmente, condenações. Fica por saber, depois do que aconteceu, o destino disto que se dizia ser o socialismo português. É essa a resposta que se exige: em nome de todas as promessas e garantias com que o povo foi contemplado durante ano e meio… Quem pode responder?

José Saramago em Os Apontamentos

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


Luiz Pacheco teve, um dia, uma das suas saídas, roçando o genial, aquelas que ficam para a História:

«O Saramago é o grande vencedor do 25 de Novembro».

Numa entrevista concedida a Ernesto Sampaio, e publicada no Diário de Lisboa de 8 de Março de 1980, José Saramago sintetiza como é que livro se levantou do chão:

 «Se o pai é o 25 de Novembro, a mãe é o acaso. O meu primeiro movimento, isto no que toca a perspectivas de produção literária, tinha sido transportar-me para as terras ribatejanas onde nasci, levar a traduçãozinho em estaleiro (por sinal um volumoso tratado de psicologia) e tentar o livro campestre que eu andava a sentir necessidade de escrever. Motivos vários impediram a realização do projecto por aquelas bandas. Além disso, parecia-me errado ir cometer uma espécie de regresso ao ovo natal. Foi então que me ocorreu o contacto que estabelecera, em meados de 1975, com a UCP «Boa Esperança», de Lavre, por causa de uma entrega de livros para a biblioteca que eles andavam a organizar. Escrevi, perguntei se podia ir, como seria isso de comer e dormir, e se havia lugar onde trabalhar, um espaço para a máquina de escrever. Eles responderam: «Venha». E eu fui. Estive em Lavre, da primeira vez, dois meses, depois, por intervalos, umas tantas semanas mais, e quando de lá voltei trazia cerca de duas centenas de páginas com notas, casos, histórias, também alguma História, imagens e imaginações, episódios trágicos e burlescos, ou apenas do quotidiano banal, acontecimentos diversos, enfim, a safra que é sempre possível recolher quando nos pomos a perguntar e nos dispomos a ouvir, sobretudo se não há pressa. Andei por Lavre, Montemor-o-Novo, Escoural, por lugares de gente e descampados, passei dias inteiros ao ar livre, sozinho ou acompanhado de amigos, conversei com novos e velhos, sempre na mesma cisma: perguntar e ouvir.»

Levantado Chão: um livro pensado durante dois anos, escrito em cinco meses, o começo numa escrita normal, «como toda a gente faz», e depois, «a folhas vinte e quatro ou vinte e cincoalgo começa a suceder  uma das coisas mais bonitas que me aconteceram» e fica o autor perante a reinvenção da sua linguagem, a linguagem saramaguiana.

Francisco Vale, hoje editor da Relógio d’Água, ao tempo (1981) colaborador de O Jornal, fazia o balanço literário de 1981 («Não foi infecundo o chão das nossas letras no ano que termina»).

- Qual a importância de Levantado do Chão?

- Responda o futuro que é obrigação sua. Para mim, autor, tem esta importância toda: falhava-me a vida se não o tivesse escrito. E, como uma graça nunca vem só, descobri que com o Lenatando do Chão aprendi, enfim, a escrever, isto é, a amar profundamente as palavras.»

ANTES CALADOS

E se os ossos rangessem quando os gritos

Dentro no sangue negro se amordaçaram?

E se os olhos uivassem quando a lágrima

Grossa de sal amargo rasga a pele?

E se as unhas mudadas em navalhas

Abrissem dez caminhos de desforra?

E se os versos doessem mastigados

Entre os dentes que mordem o vazio?


(Mais perguntas, amor? Antes calados.)


José Saramago em Provàvelmente Alegria

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


Apenas o vazio da porta e não a porta.

José Saramago em O Ano de 1393.

Legenda: pintura de Raymomd Wintz.

SUBLINHADOS SARAMGUIANOS


 Creio já ter escrito por aqui, que comecei por ter uma ideia base, não muito concretizada, para estes Sublinhados Saramaguianos e, que dia a dia, foram sofrendo variações várias. No avançar desses dias dei-me, de repente, como diz a professora do meu neto mais novo «a navegar na Mayonesse».

Por causa dos Sublinhados, dos Poemas, dos Postais, neste mês de Centenário de José Saramago, não voltei a autores, a capas que normalmente por aqui habitualmente surjem. Um desses autores é o Manuel António Pina.

Mas hoje, mato dois coelhos com uma cajadada:

«Um dia destes hei-de escrever das invejas e das calúnias de que este homem cordial, generoso, corajoso e bom era objecto. Agora, é só para dizer que o dia de que falo era nítido, claro, e resguardado para mim e para a minha amizade para com o Zé. E acrescentar que, entre nós, nunca houve um adeus.

Provavelmente, apenas provavelmente Saramago não veria ser-lhe atribuído o nobel da Liertuta se um tal de Sousa Lar, subsecretário da cultura sendo secretario Santana Lopes e primeiro-ministro Cavaco Silva.»

Tenho uma ideia, baseada em mero pensamento pessoal,  porque nunca vi escrito, de que Saramago já teria pensado em mudar-se para Lanzarote, uma paisagem, que terá entendido, lhe faria muito bem às suas ideias e à sua escrita, assim como Hélia Correia, como ajuda extra, só gostar de escrever em dias de chuva, mas aproveitou o episódio do anedótico Sousa Lara & Cª, para deixar expresso, bem expresso, que foi por causa disso que passou a viver em Lanzarote. 

NOTÍCIAS DO CIRCO

Segundo notícias reveladas pelos jornais e televisões portugueses, o embaixador de Portugal no Catar, foi chamado pelas autoridades daquele país, mais precisamente pelo vice primeiro-ministro, para ser confrontado com as recentes declarações do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e do primeiro-ministro, António Costa, que consideraram «hostis».

Tanto Marcelo Rebelo de Sousa como António Costa vincaram que o Catar é um país que não respeita os direitos humanos, isto a propósito das deslocações de ambos para apoiar, in loco, a Selecção portuguesa.

As notícias referem ainda  que o Catar só não tomará «medidas mais drásticas» devido à «histórica amizade entre os dois países».

A política tem que ser desempenhada por gente que se lava todos os dias, o que muito raramente se pratica em Portugal.

A inteligência, e não o oportunismo saloio, exigia, que ambos, não se deslocassem ao Catar para ver s jogos da selecção.

Evitavam situações dúbias, ao mesmo tempo, que provavelmente impediriam que gente esquisita, que também deveria lavar-se todos os dias, nos enviassem bofetadas-mensagens-de-luva-branca.

Tudo isto ainda é mais desastroso e lamentável, quando Marcelo e Costa, demais autoridades portuguesas, não têm olhado para as violações que os direitos humanos e dos trabalhadores, sejam, de há alguns anos a esta parte, violados e perpetrados por mafias das mais diversas nacionalidades.

QUANDO O FUTEBOL SE TRANSFORMA NUMA ENORME VERGONHA!


O Mundial foi atribuído ao Catar, uma monarquia arcaica e repressiva, através de processos de alta corrupção que já deram origem a diversos processos judiciais.

Acresce a carta que Gianni Infantino, presidente da FIFA, enviou às selecções que estão a disputar o campeonato um comunicado, e onde se pode ler:

«Com o Campeonato do Mundo à porta e o jogo de abertura marcado para daqui a cerca de duas semanas, a FIFA pretende que as seleções participantes se concentrem em assuntos do futebol e não em polémicas relacionadas com a realização da prova no Catar.

Não deixem que o futebol seja arrastado para todas as batalhas políticas e ideológicas que existem.

Por favor, vamos agora concentrar-nos no futebol.»

Desde que o Mundial foi atribuído ao Catar, sucederam-se as polémicas relacionadas com direitos humanos, e várias selecções como a Dinamarca, a Austrália, a Alemanha, Os Estados Unidos, têm mostrado vontade de ter um papel activo na luta contra a descriminação sexual e o sofrimento dos trabalhadores migrantes que trabalharam a baixo custo na construção dos estádios e das infraestruturas necessárias à realização do Mundial.

Como forma de protesto contra a censura da FIFA sobre a proibição da utilização de braçadeiras a favor da luta LGBTI, ontem, os jogadores alemães, taparam a boca na habitual fotografia da formação inicial. Um protesto que desafia a FIFA que, ditatorialmente teria avisado as diversas selecções que seriam severamente punidas caso infringissem as regras de moral e decência que vigoram no Catar.

RECEITA

Tome-se um poeta não castrado,
Uma nuvem de sonho, uma flor,
Três gotas de amargura, um tom de fado,
Uma veia sangrando de terror.
Nesta massa que ferve e se contorce
Verta-se a luz dum corpo de mulher,
Duma pitada de morte se reforce,
Que o amor do poeta assim requer.

José Saramago em Os Poemas Possíveis

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


 «...é para isso que o silêncio verdadeiramente serve, para que possamos ouvir o que se diz não ter importância.»

José Saramago

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


A Jangada de Pedra encontra-se na lista dos menos amados romances de José Saramago. 

O saramaguiano que sou, está nesse lote dos que, ou por não se ter entendido o livro como se dever entender o que se lê, ou por motivos não explicados devidamente, não têm pela obra o mesmo gosto que dedicam a outras obras de Saramago.

No seu livro A Estátua e a Pedra, Saramago adianta como vê a Península Ibérica desprendendo-se da Europa, navegando Atlântico fora, a vogar para o seu lugar próprio entre a América do Sul e a África Central.

 

«A Jangada de Pedra , como se sabe, é a Península Ibérica, que se separa sem trauma da Europa e que vai flutuando pelo mar fora como uma jangada, come una zattera, até parar, até se fixar entre a América do Sul e a África. Uma ilha, a Península Ibérica transformada numa ilha, e enfim o livro foi entendido de diversas maneiras sobretudo negativas. Foi dito e redito e mil vezes proclamado que era um livro escrito contra a Europa como se um pobre romancista pudesse escrever qualquer coisa contra a Europa. E quem leu o livro efectivamente com olhos de ler e sobretudo quem conhece a trajectória do autor também entende que o leitor reage em relação a um livro e não tem que fazer passar as suas opiniões sobre esse livro, por um conhecimento que ele tenha sobre a própria vida do autor, e aquilo que ele diz, e aquilo que ele faz. Mas alguém, e que ainda por cima nem sequer era um crítico literário, mas um político catalão, escreveu um artigo extremamente interessante em que ele dizia mais ou menos isto, Não nos equivoquemos, este senhor não quer que a Península Ibérica se separe da Europa, aquilo que ele pretende é arrastar, levar a Europa para o sul, o que seria uma transformação geológica tremenda, quer dizer, toda a Europa deslocando-se em direcção, não já só a Península Ibérica mas toda a Europa deslocando-se para o sul. Claro que isto tem que ver, já se sabe, com a velha questão norte sul, a velha questão colonizadores colonizados, a velha questão exploradores explorados, enfim, a dicotomia por um lado e a antinomia por outro lado norte sul, tudo isso, com tudo o que leva de conceitos de supremacia rácica, de domínio económico, de, digamos, imperialismo. Tudo isso, aquilo que está implícito no livro, ou pelo menos para um leitor que o leia assim, pode ser lido de distintas formas, claro está. É que o autor gostaria que a Europa deixasse de ser aquilo que sempre foi para tornar-se, sem deixar de ser aquilo que foi, porque as tradições pesam, a cultura pesa, a história pesa, mas para converter-se de alguma forma numa entidade moral que acrescentasse a tudo aquilo que ela tem sido uma dimensão ética, que até agora não teve, e que fosse para o mundo o elemento de transformação de valores e de reconhecimento de direitos de povos que até hoje, praticamente até hoje, e com certeza também no futuro, de uma forma ou outra, têm sido e vão continuar a ser explorados. A Jangada de Pedra foi, na minha cabeça, uma espécie de proposta para a formação de uma nova bacia cultural que não seria já, porque essa já cumpriu o seu papel histórico, a bacia cultural mediterrânica, mas sim aquilo que seria a bacia cultural, que não tem forma de bacia, como é o caso, ao contrário do que acontece com o Mediterrâneo, que praticamente é um grande lago, mas que seria de uma certa forma isso a que os espanhóis chamam uma cuenca cultural do Atlântico Sul. Quer dizer que entre a América do Sul e a África, a Península Ibérica estaria aí, tornada ilha, e mesmo por ser uma ilha, cercada de mar por todos os lados, podendo comunicar com tudo o que está fora dela. É outra vez uma utopia, claro, nós estamos um pouco cansados de falar de utopias, enfim, e o livro ficou aí e portanto do romance histórico também não tem nada.»

Legenda: cartaz do filme de George Suarez.

OLHAR AS CAPAS


O Santo em Miami

Leslie Charteris

Tradução: Fernanda Pinto Rodrigues

Capa: Lima de Freitas

Colecção Vampiro nº 216

Livros do Brasil, Lisboa s/d

Simon Templar estava estendido na areia, defronte da modesta moradia de vinte cinco divisões de Lawrence Gilbeck, embalado pelo suave desintegrar, na encosta a seus pés, das vagas coroadas de espuma branca que vinham do Atlântico. 

NOTÍCIAS DO CIRCO

Tão perto e tão longe!...

Ah!, sim… os direitos dos trabalhadores…

 «A Polícia Judiciária deteve hoje 35 pessoas pertencentes a uma rede criminosa que contratava trabalhadores estrangeiros para agricultura no Baixo Alentejo. Esta alegada rede era formada por estrangeiros e portugueses com idades compreendidas entre os 22 e os 58 anos.

Os suspeitos integram uma estrutura criminosa dedicada à exploração do trabalho de cidadãos imigrantes, na sua maioria, aliciados nos seus países de origem, tais como, Roménia, Moldávia, Índia, Senegal, Paquistão, Marrocos, Argélia, entre outros, para virem trabalhar em explorações agrícolas”, refere o comunicado. As explorações agrícolas onde estas pessoas eram alvo de exploração situam-se em Beja, Cuba e Ferreira do Alentejo, avançou à Lusa uma fonte ligada à investigação.»

Marcelo Rebelo de Sousa, a caminho do 1º jogo de Portugal no Mundial da vergonha, declarou, solenemente, a quem o quis ouvir, que, chegado ao aeroporto de Doha, desfiaria filosofias várias, sobre direitos humanos, direitos dos trabalhadores e mais qualquer coisa que agora não lembro…

O 25 de Abril foi no outro século, não foi?!...

POIS O TEMPO NÃO PÁRA

Pois o tempo não pára, nem importa

Que os dias que vivemos aproximem

O copo de água amarga colocado

Onde a sede da vida se exaspera.

Não contemos os dias que passaram:

Hoje foi que nascemos. Só agora

A vida começou, e, longe ainda,

Pode a morte cansar à nossa espera.

 

José Saramago em Os Poemas Possíveis

terça-feira, 22 de novembro de 2022

POSTAIS SEM SELO


 Isso a que chamamos fé é algo que não entendo. O que é a fé? A fé é uma renúncia, renúncia a saber.

José Saramago

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 Este livro, Memorial do Convento poderia começar como tantos e tantos outros livros começam: Era uma vez…

 Aliás Saramago, ou alguém por ele, resume-o assim na contra capa:

«Era uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra. Era uma vez a gente que construiu esse convento. Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes. Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido. Era uma vez.»

 O livro é um longo desfiar de maravilhas, um prazer enorme, bonitas histórias de amor, «... Só uma mulher que está deitada num restolho com um homem em cima de si, cuida ver qualquer coisa a passar no céu, mas julga serem visões próprias de quem está a gostar.»

Estavam a ser sobrevoados pela Passarola de Bartolomeu de Gusmão,

«uma história que nos deixa sem fôlego», no sábio dizer de Armando Silva Carvalho.

Ainda Saramago:

 « Atraiu-me na história do Convento de Mafra o esforço e o sacrifício dos milhares de homens que trabalharam na construção do monumento à vaidade de um rei e ao poder da Igreja.»

 Pegando no livro, a dificuldade está na escolha dos sublinhados que por lá se encontram. Fechou-se o livro, folheou-se como roda da sorte e ficámos na página 75:

«Dorme Baltasar no lado direito da enxerga, desde a primeira noite aí dorme, porque é desse lado o seu braço inteiro, e ao voltar-se para Blimunda pode, com ele, cingi-la contra si, correr-lhe os dedos desde a nuca até à cintura, e mais abaixo ainda se os sentidos de um e do outro despertaram no calor do sono e na representação do sonho, ou já acordadíssimos iam quando se deitaram, que este casal, ilegítimo por sua própria vontade, não sacramentado na igreja, cuida pouco de regras e respeitos, e se a ele apeteceu, a ela apetecerá, e se ela quis, quererá ele. Talvez ande por aqui obra de outro mais secreto sacramento, a cruz e o sinal feitos e traçados com o sangue da virgindade rasgada, quando, à luz amarela do candil, estando ambos deitados de costas, repousando, e, por primeira infracção aos usos, nus como suas mães os tinham parido, Blimunda recolheu da enxerga, entre as pernas, o vivíssimo sangue, e nessa espécie comungaram, se não é heresia dizê-lo ou, mais ainda, tê-lo feito. Meses inteiros se passaram desde então, o ano é já outro, ouve-se cair a chuva no telhado, há grandes ventos sobre o rio e a barra, e, apesar de tão próxima a madrugada, parece escura noite. Outro se enganaria, mas não Baltasar, que sempre acorda à mesma hora, muito antes de nascer o sol, hábito inquieto de soldado, e fica alerta a ver retirar-se devagar a escuridão de cima das coisas e das pessoas, a sentir aquele grande alívio que levanta o peito e é o suspiro do dia, o primeiro e impreciso traço grisalho das frinchas, até que um leve rumor acorda Blimunda e outro som começa e se prolonga, infalível, é Blimunda a comer o seu pão, e depois que o comeu abre os olhos, vira-se para Baltasar e descansa a cabeça sobre o ombro dele, ao mesmo tempo que pousa a mão esquerda no lugar da mão ausente, braço sobre braço, pulso sobre pulso, é a vida, quanto pode, emendando a morte. Mas hoje não será assim. Um dia e outro dia perguntou Baltasar a Blimunda por que comia todas as manhãs antes de abrir os olhos, perguntou ao padre Bartolomeu Lourenço que segredo era este, ela respondeu-lhe uma vez que se acostumara a isso em criança, ele disse que se tratava de um grande mistério, tão grande que voar faria figura de pequena coisa, comparando. Hoje se saberá.»

PABLO MILANÊS (1945-2022)


 Morreu Pablo Milanês.


OLHARES


Se a música é o alimento do amor não parem de tocar. Dêem-me música em excesso; tanta que, depois de saciar, mate de náusea o apetite.

William Shakespeare

 Legenda: Harpista numa rua de Dublin, Agosto de 1953. Os irlandeses tocam este instrumento desde o século X. Fotografia de Claude Jacoby.

Da exposição de Claude Jacoby, curadoria de Jorge Calado, Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira até 23 de Abril de 2023.