Continuamos no cinema com José Saramago e são as páginas de As Pequenas Memórias que nos ajudam nessa memória.
Na rua onde nasci, não
havia qualquer sala de cinema mas, em redor, havia uma enormidade de cinemas.
Mentalmente percorro essas
ruas, sigo em direcção à Graça e encontro o Cine-Oriente, o Royal, junto à
Morais Soares o Max, o Imperial, na Almirante Reis o Cinema Império, o Lys, o
Rex, mais abaixo o Salão Lisboa, e se subir até à Duque de Ávila encontro o
Avis.
Desapareceram quase todos,
outros mantêm o espaço, mas viraram diversos, quiçá estranhos, locais de
consumo.
Saramago refere o Salão
Oriente mas o nome exacto é Cine-Oriente.
Mário de Carvalho, que
também andou no Gil Vicente, vivia com os pais na Rua das Enfermeiras da Grande
Guerra, e também frequentou esses cinemas.
«Mentiras mais
desculpáveis foram as de ter inventado enredos de filmes que nunca tinha visto.
Entre a Penha de França, onde morávamos, e o liceu, no caminho que é hoje a
Avenida General Roçadas e depois a Rua da Graça, havia dois cinemas, o Salão Oriente
e o Royal Cine, e neles nos entretínhamos, eu e os colegas que moravam para
aqueles lados, a ver os cartazes expostos, como era então uso em todos os
cinemas. A partir dessas poucas imagens, no total umas oito ou dez, armava eu
ali mesmo uma completa história, com princípio, meio e fim, sem dúvida
auxiliado na manobra mistificadora pelo precoce conhecimento da Sétima Arte que
havia adquirido no tempo dourado do «Piolho» da Mouraria. Um pouco invejosos,
os companheiros ouviam-me com toda a atenção, faziam de vez em quando perguntas
para aclarar alguma passagem duvidosa, e eu ia acumulando mentiras sobre
mentiras, não muito longe já de acreditar que realmente tinha visto o que
apenas estava inventando…»
José Saramago em As
Pequenas Memórias, página 112
Legenda: as fotografias do Cine- Oriente e Royal Cine foram tiradas do blogue Restos de Colecção
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