O amanhã de há cem anos, uma aldeia ribatejana verá nascer um português que virá a ser Prémio Nobel da Literatura.
Anabela Mota Ribeiro, aquando da publicação de As Pequenas Memórias, entrevistou José
Saramago.
Passemos os olhos por parte dessa conversa:
«Houve dois momentos importantes na minha vida que decidiram tudo. Um
deles, não muito consciente, foi o facto de ter deixado de escrever depois de
ter escrito esses livros (Terra do Pecado e Clarabóia). Durante 20
anos, quase não escrevi. Só voltei a publicar em 1966.
O segundo momento foi em 1975, quando depois do 25 de Novembro, fiquei
sem trabalho e sem esperança de o conseguir. «E agora, o que é que eu faço?
Ternho aí alguns livros, mas não tenho uma obra, é agora ou nunca.»
Durante cinco ou seis anos, talvez sete, vivi de traduções, ao mesmo
tempo que ia escrevendo o Manual de Pintura e Caligrafia, e o Objecto Quase. A sorte foi que o Círculo de Leitores me tivesse convidado para
escrever Uma Viagem a Portugal, em
1979-1980. Foi bem pago, deu-me uma estabilidade económica que me permitiu
afrontar durante um ou dois anos o trabalho da escrita, sem estar a pensar que
tinha que ganhar dinheiro – ele já estava ganho.
O Eduardo Lourenço tem uma explicação mais simples para tudo isto: «A
tua vida é um milagre.» E ficámos por
ali, não havia mais nada a dizer.
Como é que vou ser recordado? Se calhar vou pedir o impossível: eu
considero-me boa pessoa. Então, que nem a pessoa que sou apague o escritor que
também sou, e que nem o escritor que sou apague a pessoa que sou. Se calhar é
muita sorte alguma destas ficar. Que fiquem as duas, é capaz de ser
impossível.»
Legenda: Contracapa de Correspondência entre José Saramago e José Rodrigues Migueis. É um trecho de uma carta de Saramago para Migueis em que Saramago lhe conta que está para ser substituído, como director editorial, por Natália Correia, uma sacanicezinha levado a cabo pelos proprietários da Estúdios Cor.
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