Terminamos, por hoje, alguns dos passos para se chegar ao único Nobel da Literatura
em português.
A descrição que se segue encontra-se em Uma Longa Viagem Com José Saramago de
João Céu e Silva
“Eu estava na Feira do Livro de Frankfurt, onde tinha
participado numa mesa redonda com outros escritores, exactamente na altura em
que o Prémio Nobel seria anunciado – normalmente é revelado na primeira
quinta-feira do mês e eu estava na terça e na quarta em Frankfurt. A Pilar
tinha ouvido uns “zunszuns” mas não queria, evidentemente, confirmar nada. Nem
poderia… Na manhã do dia em que foi anunciado, quando ela me telefona – ou eu
telefono do hotel, já não me lembro qual de nós o fez mas creio que foi ela disse-me:
“Porque é que não ficas aí? Porque com essa coisa do Nobel nunca se sabe… E eu:
“Pilar, eu fico aqui, não me dão o Nobel e perco o avião! Vou-me embora”. Fui
para o Aeroporto de Frankfurt. O avião partia às 12,05 e o anúncio do prémio
era feito ao meio-dia, altura em que o secretário da Academia Sueca vinha
anunciar o nome do galardoado aos jornalistas que estavam no exterior. Ora, eu
já estava na sala de embarque em Frankfurt e na fila dos passageiros para
entrar quando, de repente, olho para o relógio e penso: “A esta hora já se sabe
quem é que ganhou. É um pouco disparatado ir-me daqui sem saber…!” Então saio
da fila, vou a um telefone, ligo para o sector de Portugal na Feira do Livro e
mando chamar o Zeferino Coelho. Ele não estava ali e a pessoa que me atendeu
foi à sua procura enquanto fiquei à espera. Nessa altura ouço uma voz no
altifalante que me chama e ao mesmo tempo aproxima-se uma hospedeira da
Lufthansa – apesar do avião ser da Ibéria – que vem com um telefone na mão e
diz:
“Está aqui uma jornalista que quer falar consigo”. O mais curioso é que a
correspondente da televisão (Teresa Cruz) deve ter dito a razão porque ela não
pôde conter-se e disse-me: “È que o senhor ganhou o Prémio Nobel”
Sei que estava evidentemente feliz, mas era uma
felicidade que não se manifestava feliz porque era uma grande coisa da qual eu
não tinha noção do tamanho.”
Luciana Stegano Picchio, especialista italiana em
literatura portuguesa:
“Este é o prémio mais justo dos últimos 15 anos. Durante todos os anos em
que foi atribuído o Nobel, nunca tinha sido reconhecido este bloco linguístico
de mais de 200 milhões de pessoas. Estávamos à espera há muito tempo desta
notícia, com aquela angústia de quem não vê chegar as malas ao aeroporto. Desta
vez chegou. É justo. Saramago merece o Nobel.”
«A notícia engravidou-nos de satisfação»
António Reis,
poeta
«Gostava de conhecê-lo pessoalmente para lhe poder
dizer que, de alguma forma, os seus livros mudaram muito da minha
vida.», como escreveu um leitor anónimo, naquelas muitas milhares e
milhares de cartas que Saramago recebeu e que ainda aguardam publicação em
livro, tal como um dia o autor
deixou expresso.
«Tenho milhares de cartas e costumo dizer que a obra
completa de um escritor só estará realmente completa publicando-se uma selecção
das cartas dos leitores porque – fala-se tanto da teoria da recepção – é
naquelas cartas que se vê realmente o que é a recepção. Em casa devemos ter
umas duas mil cartas de leitores que é preciso classificar e ordenar.»
E nas imagens, que também ninguém registou, sabemos que
nas noites quentes de Verão, depois da ceia, o avô dizia-lhe:
«José, hoje vamos dormir os dois debaixo da figueira.
E enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com
as histórias e os casos que o meu avô ia contando: lendas, aparições,
assombros, episódios singulares, mortes antigas, zaragatas de pau e pedra,
palavras de antepassados, um incansável rumor de memórias que me mantinha desperto,
ao mesmo tempo que suavemente me acalentava.
Nem será preciso dizer que eu imaginava que o meu avô
Jerónimo era senhor de toda a ciência do mundo.»
Ali, naquelas noites, outras noites, terão nascido todas
as personagens que encheram o mundo dos livros de José Saramago, fizeram dele a
pessoa que sempre foi, que uns amam, outros odeiam, mas a que não se pode ficar
indiferente.
«Em certo sentido poder-se-á dizer que, letra a letra,
palavra a palavra, página a página, livro a livro, tenho vindo, sucessivamente,
a implantar no homem que fui as personagens que criei.»
E, servindo-se do seu livro Ensaio Sobre a
Cegueira, em final de discurso, dirá «que a dignidade do ser humano
é todos os dias insultada pelos poderosos do nosso mundo».
Carta de Sophia Mello Breyber Andresen, datada de Março
de 1978, para Jorge de Sena:
«Surgiu um facto que quero que fique claro: Por
alturas de Dezembro recebi uma carta da Academia Sueca a convidar-me para eu
propor um candidato ao Nobel da Literatura. No ano passado propus o teu nome.
Depois disso, aqui há tempos surgiu uma comissão propondo o Torga e pediram-me
que me associasse à sua proposta. Associei-me pois não me podia negar. Primeiro
porque admiro muito o Torga, segundo porque gostaria que houvesse um Nobel
português, uma vez que seja um escritor que tenha um nível de qualidade que
como pátria me honre. Isto é : eu queria que o voto em ti funcionasse a teu
favor, mas não contra o Torga. Para que não fosse diminuída a possibilidade de
o Nobel ser atribuído a um português. Em consequência escrevi de novo à
Academia Sueca explicando que mantinha o voto em ti mas que também apoiava uma
candidatura do Torga dado que ambas eram candidaturas com grande qualidade e
dignidade.»
Só te digo isto a ti porque a carta da Academia Sueca
me pede silêncio sobre o meu voto por isso te peço que não fales disto a
ninguém.
Em Correspondência
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