Continuação de alguns dos passos para se chegar ao
único Nobel da Literatura em português.
Se não queremos ir muito longe, os Cadernos de Lanzarote são, talvez, o melhor auxílio para elaborarmos anteriores referências que José Saramago tenha feito sobre o Prémio Nobel, não só o seu, mas o de outros.
Volume I
«Entrevista a Plínio Fraga, da “Folha de S. Paulo. Uma das questões era que António Houaiss, aqui há tempos, teria apostado em dois nomes para o Prémio Nobel deste ano: João Cabral de Melo neto e este servidor. Pedia-se-me que comentasse a declaração de Houaiss e eu lembrei a Plínio o que Graham Greene respondeu a um jornalista que lhe perguntou o que pensava ele da atribuição do Prémio Nobel a François Mauriac. Foi esta a frase histórica: “O Nobel honrar-me-ia a mim, ao passo que Mauriac honra o Nobel.” Aí tem, disse, eu sou o Grahaam Greene desta história, e João Cabral de Melo Neto o Mauriac. Mas, em seguida, esgotada a minha capacidade de abnegação e modéstia, e também para não aparecer aos leitores da “Folha” como um sujeitinho hipócrita, acrescentei, desta maneira me sangrando em saúde: “Em todo o caso, parecer-me-ia justo que o primeiro Nobel de Literatura para a Língua Portuguesa fosse dado a um português, porque, na verdade, vai para novecentos anos que estamos à espera dele, enquanto vocês nem sequer dois séculos de esperanças frustradas levam…»
(Página 21)
7 de Outubro de 1993
« O Nobel foi para uma escritora norte-americana negra
Toni Morrison. Ignorante como sou do que se faz literariamente no mundo da
língua inglesa, o nome dela era-me totalmente desconhecido. Mas, a avaliar
pelas declarações da contemplada e pelo que fiquei a saber agora da sua vida, o
prémio foi muito bem dado. Há traduções de livros seus em Espanha: vou tentar
pôr-me em dia.»
(Página 136).
Volume II
6 de Janeiro de 1994
José Saramago refere um artigo, publicado na revista
Cambio 16, assinado por Mário Ventura Henriques sobre os desejos e votos para o
ano que entra.
«Em dado passo pergunta-se o articulista se será neste
ano de 1994 que a literatura portuguesa se verá contemplada com o Nobel. O
insólito da história consiste em apresentar-se o artigo ilustrado com uma
fotografia minha, ainda por cima adornada com uma legenda que me associa ao
suspiradíssimo prémio»
(Página 12)
8 de Maio de 1994
Conversa em casa do Jorge Amado.
«Veio à baila as
probabilidade de um Nobel para a língua portuguesa… Jorge diz que há quatro
candidatos: Torga, João Cabral de Melo Neto, eu e ele próprio.»
(Página 110)
21 de Setembro de 1994
Jorge Amado escreve a Saramago e informa-0 que recebeu de
Nova Iorque a informação de que o Nobel
deste ano será para Lobo Antunes. Amado insiste que o seu favorito é outro.
« Quanto a mim, de Lobo Antunes, só posso dizer
isto: é verdade que não o aprecio como escritor, mas o pior de tudo é não poder
respeitá-lo como pessoa. Como não há mal que um bem não traga, ficarei eu, se
se confirmar o vaticínio do jornalista, com o alívio de não ter de pensar mais
no Nobel até o fim da vida.»
(Página 200)
12 de Outubro de 1994
«Diz-se em Lisboa que o Nobel está no papo de Lobo
Antunes. Pelos vistos, o jornalista brasileiro conhecido de Jorge Amado, sabia
do que falava. Também me dizem que Lobo Antunes já se encontra na Suécia.»
(Página 212)
13 de Outubro
«O Nobel foi para um escritor japonês, Kenzaburo
Oe. Afinal o jornalista estava enganado. Nelson de Matos até tinha feito
declarações à rádio, ou à televisão, não sei bem, dando como favas contadas a
vitória do seu editado. O que vale é que o ridículo, pacientíssimo, continua a
não matar. Quanto a mim, tenho de começar a pedir desculpa os meus amigos por
não ganhar o Nobel…»
(Página 213)
14 de Outubro de 1994
«Veio a
Lanzarote, para entrevistar-me, uma equipa de reportagem da TVI. Pessoal
simpático, um deles, Carlos de Oliveira, já meu conhecido. Perguntas muitas:
política, religião e, inevitavelmente, o Nobel. Já que o meu nome tinha andado
envolvido nesta outra espécie de bingo, aproveitei a ocasião para, de uma vez
para semre, pôr a claro o assunto, tal como o vejo: em primeiro lugar, o
dinheiro é dos suecos e eles dão-no a quem entendem; em segundo lugar, há que
acabar com esta história de andar como de mão estendida a implorar a esmolinha
de um Nobel; em terceiro lugar, é absurdo fazer depender o prestígio da
literatura portuguesa de se ter ou não se ter o Nobel; em quarto lugar, se o
cheque fosse, por exemplo, de dez mil dólares, o planeta dos escritores pouco
se importaria com ele; em quinto lugar, e concluindo, deixemo-nos de
hipocrisias e tenhamos a franqueza de reconhecer que, nesta comédia, o que
verdadeiramente conta é o dinheiro.»
(Página 214)
Volume III
23 de Maio de
1995
«Uma leitora na Feira: “Para o ano que vem teremos
mais “Cadernos”?”. Respondo medievalmente como de costume: “Vida havendo e
saúde não faltando…” E ela: “É que quero ver neles a notícia do Prémio Nobel…”
(Página 124)
Volume V
9 de Outubro de 1997
«Foi muito simples. Encontrávamo-nos na cozinha. Pilar e eu, sós, quando a rádio informou que o Prémio Nobel tinha sido atribuído a Dario Fo. Olhámo-nos tranquilamente (sim, tranquilamente, jurá-lo-ia se fosse necessário) e eu disse: «Pronto. Podemos voltar ao nosso sossego.» Amanhã partiremos para Colónia.»
(Página 176)
14 de Outubro de 1997
«Frankfurt.
Pilar telefonou hoje para casa, a saber se havia alguma novidade, e realmente,
sim, havia novidade, a mais inesperada de todas as possíveis, aquela que nunca
seríamos capazes de imaginar: nada mais nada menos que uma chamada telefónica
de Dario Fo e dizer: «Sou um ladrão, roubei-te o prémio. Um dia será a tua vez.
Abraço-te.» Mal saído do assombro em que a notícia me tinha deixado, disse a
Pilar: «Suponho que uma coisa assim nunca terá acontecido na história deste
prémio…», e Pilar, sábia, respondeu-me: «Não há que perder a confiança na
generosidade humana.»
(Página 178)
(Continua)
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