terça-feira, 29 de novembro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


Continuação de alguns dos passos para se chegar ao único Nobel da Literatura em português.

Se não queremos ir muito longe, os Cadernos de Lanzarote são, talvez, o melhor auxílio para elaborarmos anteriores referências que José Saramago tenha feito sobre o Prémio Nobel, não só o seu, mas o de outros.

Volume I

 «Entrevista a Plínio Fraga, da “Folha de S. Paulo. Uma das questões era que António Houaiss, aqui há tempos, teria apostado em dois nomes para o Prémio Nobel deste ano: João Cabral de Melo neto e este servidor. Pedia-se-me que comentasse a declaração de Houaiss e eu lembrei a Plínio o que Graham Greene respondeu a um jornalista que lhe perguntou o que pensava ele da atribuição do Prémio Nobel a François Mauriac. Foi esta a frase histórica: “O Nobel honrar-me-ia a mim, ao passo que Mauriac honra o Nobel.” Aí tem, disse, eu sou o Grahaam Greene desta história, e João Cabral de Melo Neto o Mauriac. Mas, em seguida, esgotada a minha capacidade de abnegação e modéstia, e também para não aparecer aos leitores da “Folha” como um sujeitinho hipócrita, acrescentei, desta maneira me sangrando em saúde: “Em todo o caso, parecer-me-ia justo que o primeiro Nobel de Literatura para a Língua Portuguesa fosse dado a um português, porque, na verdade, vai para novecentos anos que estamos à espera dele, enquanto vocês nem sequer dois séculos de esperanças frustradas levam…»

 (Página 21)

7 de Outubro de 1993

« O Nobel foi para uma escritora norte-americana negra Toni Morrison. Ignorante como sou do que se faz literariamente no mundo da língua inglesa, o nome dela era-me totalmente desconhecido. Mas, a avaliar pelas declarações da contemplada e pelo que fiquei a saber agora da sua vida, o prémio foi muito bem dado. Há traduções de livros seus em Espanha: vou tentar pôr-me em dia.»

(Página 136).

Volume II

6 de Janeiro de 1994

José Saramago refere um artigo, publicado na revista Cambio 16, assinado por Mário Ventura Henriques sobre os desejos e votos para o ano que entra.

«Em dado passo pergunta-se o articulista se será neste ano de 1994 que a literatura portuguesa se verá contemplada com o Nobel. O insólito da história consiste em apresentar-se o artigo ilustrado com uma fotografia minha, ainda por cima adornada com uma legenda que me associa ao suspiradíssimo prémio»

(Página 12)

8 de Maio de 1994

Conversa em casa do Jorge Amado. 

«Veio à baila as probabilidade de um Nobel para a língua portuguesa… Jorge diz que há quatro candidatos: Torga, João Cabral de Melo Neto, eu e ele próprio.»

(Página 110)

21 de Setembro de 1994

Jorge Amado escreve a Saramago e informa-0 que recebeu de Nova Iorque a informação  de que o Nobel deste ano será para Lobo Antunes. Amado insiste que o seu favorito é outro.

« Quanto a mim, de Lobo Antunes, só posso dizer isto: é verdade que não o aprecio como escritor, mas o pior de tudo é não poder respeitá-lo como pessoa. Como não há mal que um bem não traga, ficarei eu, se se confirmar o vaticínio do jornalista, com o alívio de não ter de pensar mais no Nobel até o fim da vida.»

(Página 200)

12 de Outubro de 1994

«Diz-se em Lisboa que o Nobel está no papo de Lobo Antunes. Pelos vistos, o jornalista brasileiro conhecido de Jorge Amado, sabia do que falava. Também me dizem que Lobo Antunes já se encontra na Suécia.»

(Página 212)

13 de Outubro

«O Nobel foi para um escritor japonês,  Kenzaburo  Oe. Afinal o jornalista estava enganado. Nelson de Matos até tinha feito declarações à rádio, ou à televisão, não sei bem, dando como favas contadas a vitória do seu editado. O que vale é que o ridículo, pacientíssimo, continua a não matar. Quanto a mim, tenho de começar a pedir desculpa os meus amigos por não ganhar o Nobel…»

(Página 213)

14 de Outubro de 1994

«Veio a Lanzarote, para entrevistar-me, uma equipa de reportagem da TVI. Pessoal simpático, um deles, Carlos de Oliveira, já meu conhecido. Perguntas muitas: polí­tica, religião e, inevitavelmente, o Nobel. Já que o meu nome tinha andado envolvido nesta outra espécie de bingo, aproveitei a ocasião para, de uma vez para sem­re, pôr a claro o assunto, tal como o vejo: em primei­ro lugar, o dinheiro é dos suecos e eles dão-no a quem entendem; em segundo lugar, há que acabar com esta história de andar como de mão estendida a implorar a esmolinha de um Nobel; em terceiro lugar, é absurdo fazer depender o prestígio da literatura portuguesa de se ter ou não se ter o Nobel; em quarto lugar, se o che­que fosse, por exemplo, de dez mil dólares, o planeta dos escritores pouco se importaria com ele; em quinto lugar, e concluindo, deixemo-nos de hipocrisias e tenha­mos a franqueza de reconhecer que, nesta comédia, o que verdadeiramente conta é o dinheiro.»

(Página 214)

Volume III

23 de Maio de 1995

«Uma leitora na Feira: “Para o ano que vem teremos mais “Cadernos”?”. Respondo medievalmente como de costume: “Vida havendo e saúde não faltando…” E ela: “É que quero ver neles a notícia do Prémio Nobel…”

(Página 124)

Volume V

 9 de Outubro de 1997

 «Foi muito simples. Encontrávamo-nos na cozinha. Pilar e eu, sós, quando a rádio informou que o Prémio Nobel tinha sido atribuído a Dario Fo. Olhámo-nos tranquilamente (sim, tranquilamente, jurá-lo-ia se fosse necessário) e eu disse: «Pronto. Podemos voltar ao nosso sossego.» Amanhã partiremos para Colónia.»

(Página 176)

14 de Outubro de 1997

«Frankfurt. Pilar telefonou hoje para casa, a saber se havia alguma novidade, e realmente, sim, havia novidade, a mais inesperada de todas as possíveis, aquela que nunca seríamos capazes de imaginar: nada mais nada menos que uma chamada telefónica de Dario Fo e dizer: «Sou um ladrão, roubei-te o prémio. Um dia será a tua vez. Abraço-te.» Mal saído do assombro em que a notícia me tinha deixado, disse a Pilar: «Suponho que uma coisa assim nunca terá acontecido na história deste prémio…», e Pilar, sábia, respondeu-me: «Não há que perder a confiança na generosidade humana.»

(Página 178)

 

(Continua)

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