Ao princípio, é nada. Um sopro apenas,
Um arrepio de
escamas, um perpassar de sombra
Como de nuvem
marinha que se esgarça
Nos radiais
tentáculos da medusa.
Não se dirá que o
mar se comoveu
E que a onda vai
formar-se deste frémito.
No embalo da água oscilam
peixes
E das algas as
hastes serpentinas
À corrente se
dobram, como ao vento
As searas da
terra, as crinas dos cavalos.
Entre dois
infinitos de azul a onda vem,
Toda de sol vestida,
rebrilhante,
Líquido corpo de
reflexos cegos.
Da terra, o vento
corre para ela,
Tal o macho cioso
para a fêmea aberta,
Transportando
consigo o pólen das flores.
Fecundada, a onda
rola agora, trovejando,
Na corrida para o
parto que a espera
No leito de negras
rochas que, na costa,
Se adorna de mil
vidas fervilhantes.
Mais alto ainda as
águas se suspendem
No segundo final
da gestação imensa.
E quando, num
furor de vida que começa,
A onda se
despedaça no rochedo,
O envolve, o cinge,
o aperta e dilacera,
Da branca espuma,
do sol, do vento que soprou,
Dos peixes, das
flores e do seu pólen,
Das algas
trémulas, do trigo, dos braços da medusa,
Das crinas dos
cavalos, do mar, da vida toda,
Nasce Afrodite,
amor, nasce o teu corpo.
José Saramago em Os Poemas Possíveis
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