domingo, 20 de novembro de 2022

JOGO DO LENÇO

Trago no bolso do peito 

Um lenço de seda fina, 

Dobrado de certo jeito. 

Não sei quem tanto lhe ensina 

Que quanto faz é bem feito.

 

Acena nas despedidas, 

Quando a voz já lá não chega 

Por distâncias desmedidas. 

Depois, no bolso aconchega 

As saudades permitidas.

 

Também o suor salgado, 

Às vezes, enxugo a medo, 

Que o lenço é mal empregado. 

E quando me feri um dedo, 

Com ele o trouxe ligado.

 

Nunca mais chegava ao fim 

Se as graças todas dissesse 

Deste meu lenço e de mim, 

Mas uma coisa acontece 

De que não sei porque sim:

 

Quando os meus olhos molhados 

Pedem auxílio do lenço, 

São pedidos escusados. 

E é bem por isso que penso 

Que os meus olhos, se molhados, 

Só se enxugam no teu lenço."


José Saramago em Os Poemas Possíveis

Sem comentários: