segunda-feira, 7 de novembro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


Como não poderia deixar de acontecer, José Saramago teria que se interessar pelo cinema.

No final de José Saramago: A Consistência dos Sonhos, é publicado, como apêndice, uma lista dos filmes, que constam de algumas das suas agendas pessoais, vistos entre 1976 e 1991.

Estão lá, entre muitos outros realizadores, Ingmar Bergman, Visconti, Woody Allen, Jean Renoir, Sergei Eisenstein, Fellini, George Cukor, Sidney Lumet, Eric Rohmer, Truffaut, Coppola, Wim Wenders, António Reis, Sergio Leone, John Huston.

A Cinemateca está com o Centenário do Nascimento de José Saramago:

 «No ano do centenário do nascimento de José Saramago (1922-2010) e integrado no vasto programa de iniciativas que foi sendo apresentado ao longo de 2022 pela Fundação José Saramago, a Cinemateca Portuguesa associa-se à evocação do Nobel da Literatura português com um Ciclo de cinema que integra as mais importantes adaptações retiradas da sua obra e alguns dos documentários sobre a sua figura.
Nos mais de 40 títulos que escreveu, Saramago foi o criador de um singular e inconfundível estilo literário, que funde o erudito e o popular, integrando toda a riqueza da tradição literária portuguesa com traços narrativos da oralidade, levando às suas histórias um experimentalismo orgânico que estilisticamente se expressa pela supressão da pontuação, enquanto mantém o domínio da lógica discursiva e intensifica o ritmo frásico e a respiração da narração e dos diálogos entre as personagens. Mais do que isso, as suas histórias ligam-se a um projeto ético e político que sempre reiterou, e que se materializa, nos seus livros mais célebres, na construção de mundos ora utópicos, ora distópicos, nos quais as dimensões metafórica e alegórica se enredam num preciso e existencial olhar sobre a humanidade.
O apelo dos universos mais utópicos ou distópicos de Saramago foram propícios à sua adaptação cinematográfica, dando origem a múltiplos projetos nacionais e internacionais, entre os quais produções americanas de grande visibilidade internacional como BLINDNESS (2008), de Fernando Meirelles, que explora a cegueira epidémica e coletiva de Ensaio Sobre a Cegueira e a exploração existencialista do caos da identidade humana em ENEMY (2013), de Denis Villeneuve, baseado em O Homem Duplicado. As suas metáforas foram também aproveitadas na Europa por George Sluizer, em A JANGADA DE PEDRA (2002) e em EMBARGO (2010), do português António Ferreira, que partiu da premissa do conto O Embargo, integrando o seu argumento na situação de um hipotético embargo de petróleo que cortou o fornecimento de gasolina no mundo inteiro.  Das restantes adaptações relevantes da sua obra ao cinema, o Ciclo integra também a curta-metragem de animação LA FLOR MÁS GRANDE DEL MUNDO (2007), transposição de um conto infantil de Saramago e com narração do próprio, e a sua incursão pelo universo pessoano vista por João Botelho em O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS (2020). Programado na semana em que o escritor faria cem anos, este Ciclo relembra igualmente a sua presença nos documentários JOSÉ E PILAR (Miguel Gonçalves Mendes, 2010), SARAMAGO: DOCUMENTOS (João Mário Grilo, 1995) e ENSAIO SOBRE O TEATRO (Rui Simões, 2006) e propõe uma conversa sobre a boa ou má fortuna das adaptações cinematográficas da sua obra numa conversa entre o Prof. Carlos Reis (Comissário para o Centenário de José Saramago) e o Prof. Abílio Hernandez.»

Irei transcrever, nos dias que se seguem, sublinhados de Saramago relacionados com o cinema.

Mas começo já hoje  com uma citação do Manual de Pintura e Caligrafia, acreditem, até porque Saramago, muito claramente o disse, que é o mais autobiográfico dos seus livros.

A transcrição é retirada da página 242

«E, agora repouso em Positano, nesta costa de Salerno que eu baptizei de «bem-aventurada» antes de saber que a propaganda turística oficial lhe chamava «la divina costiera». Ambos temos razão: esta paz é divina e bem-aventurada. Mas ali vai, é ela Melina Mercouri, de chapéu de palha e vestido comprido, pálida e magra, com Jules Dassin. Arranco-me à indolência do sol e imagino este diálogo entre mim e  ela: «Então, Melina, continua fora da Grécia. Aqui tão perto, e não pode entrar na sua terra. Como vão as coisas por lá?» E logo a resposta: «E por lá, como vão as coisas?»

Regresso ao meu lugar, olho as águas paradas deste mar interior que sabe tantas e tão antigas histórias, e repito a mim mesmo a pergunta: E por lá, como vão as coisas?»

Legenda: Melina Mercuri e Jules Dassim em «Never On Sunday


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